sexta-feira, 28 de junho de 2024

Direitos Humanos: direito à saúde e à privacidade durante a pandemia do novo coronavírus

A pandemia do novo coronavírus mostrou a colisão ( * vide de nota de rodapé ) entre o direito à privacidade ( *2 vide nota de rodapé ) e o direito à saúde ( *3 vide nota de rodapé ) e à vida ( *4 vide nota de rodapé ), na medida em que o Estado buscou obter informações sobre os indivíduos, de modo a


1) detectar a origem da disseminação e eventuais vítimas contaminadas,

2) prevenir o deslocamento ( *5 vide nota de rodapé ) de pessoas visando á redução da propagação da doença, impedindo que o Sistema Único de Saúde ( SUS ) viesse a colapsar e

3) coletando dados para organizar as políticas públicas de prevenção e contenção da pandemia, como, por exemplo, obtendo informações sobre o comportamento das pessoas, composição de núcleos familiares, etc.

Pandemia do novo coronavírus, no Brasil, causou mais de Setecentas mil mortes ( Três quartos delas evitáveis ). Foto: Partido dos Trabalhadores.

Nessa  linha, a medida Provisória 9 MP ) número Novecentos e cinquenta e quatro / Dois mil e vinte, editada em Dezessete de abril de Dois mil e vinte, determinou compartilhamento de dados por empresas de telecomunicações com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 9 IBGE ), para fins de suporte à produção estatística oficial durante a pandemia do novo coronavírus. Buscavam-se informações sobre nomes, números de telefone e dos endereços dos consumidores, pessoas físicas ou jurídicas, das empresas concessionárias de telefonia fixa e móvel, permitindo a continuidade da elaboração da pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua ( PNAD-contínua ), que exige visitas a Duzentos mil domicílios por trimestre, o que, em tempos de pandemia, era impossível de ser realizado. Foi também justificada a MP pelo uso da PNAD-contínua para monitoramento contra a COVID-Dezenove, graças à inclusão de quesitos específicos na pesquisa. Como medidas de prevenção de uso abusivo desse tipo de transmissão de dados pessoais, a MP estabeleceu:


1) temporalidade na medida,

2) caráter sigiloso e

3) descarte dos dados ao fim da pandemia.


Houve a propositura de cinco ações declaratórias de inconstitucionalidade ( ADI ) da MP. Contudo, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) considerou que o panorama fático não ficou nítido, não tendo o Poder Público trazido, de forma clara, a necessidade, adequação e proporcionalidade ( *6 vide nota de rodapé ) da MP ( compartilhamento dos dados ) com as finalidades pretendidas, violando o princípio da proporcionalidade ( ou o devido processo legal - *7 vide nota de rodapé - em sua dimensão substantiva - *8 vide nota de rodapé ) que deve imperar na compressão do direito á privacidade. Para a relatora, Ministra Rosa Weber, a MP apenas se referiu genericamente à pandemia do novo coronavírus e não definiu " como " e " para que " seriam utilizados os dados, impedindo uma análise mais detida sobre sua proporcionalidade. Além disso, a MP não mencionou os mecanismos de segurança da informação que seriam implementados pelo IBGE e nem estava em vigou a Lei Geral de Proteção de Dados 9 LGPD ) ( *9 vide nota de rodapé ), que, ao menos, poderia gerar a responsabilização dos agentes pelo uso ilegítimo desses dados ( STF, ADI número Seis mil trezentos e oitenta e sete, Relatora Ministra Rosa Weber, Medida Cautelar - MC - de Vinte e quatro de abril de Dois mil e vinte, referendada pelo Plenário em Sete de maio de Dois mil e vinte ) .


Em agosto de Dois mil e vinte, a MP número Novecentos e cinquenta e quatro perdeu a vigência. Esse precedente é importante, porque demonstra que não basta a prevalência, em abstrato, do direito à saúde em situações de crise sanitária para justificar, com ose fosse um " cheque em branco ", toda e qualquer compressão a outro direitos humanos. Também ficou exposto, no referendo da Medida Cautelar, a utilização dos critérios de prevenção da LGPD, em especial no tocante à


1) justificativa para o compartilhamento e ao

2) estabelecimento de mecanismo de segurança dos dados.


Mesmo em situações de pandemia, continua ser exigido do Estado, que esclareça, com transparência e racionalidade, o panorama fático indispensável para justificar de modo coerente e consistente a limitação de determinado direito.   


P.S.:


Notas de rodapé:


* A colisão de direitos, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-delimitacao-dos-dh.html .


*2 O direito à privacidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/07/direitos-humanos-o-direito-privacidade_19.html .


*3 O direito à saúde, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-saude.html .


*4 O direito à vida, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e.html .


*5 O direito ao deslocamento, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-direito-de-locomocao_25.html .


*6 O princípio da proporcionalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-o-principio-da_31.html .


*7 O direito ao devido processo legal, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_28.html .


*8 A dimensão substantiva, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/10/direitos-humanos-o-direito-de-acesso_9.html .


*9 O direito à proteção de dados pessoais, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/08/direitos-humanos-o-direito-privacidade_17.html .   

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