quarta-feira, 19 de julho de 2023

Direitos Humanos: o direito à privacidade versus o direito à informação e à liberdade de imprensa

O direito à privacidade ( * vide nota de rodapé ) convive no texto constitucional e nos tratados de Direitos Humanos ( DH ), com o direito à informação ( *2 vide nota de rodapé ) e com a liberdade de imprensa.


A primeira restrição ao direito á privacidade é oriunda da própria conduta do titular: Caso o titular exponha sua imagem e conduta ao público ao público, não poderá rechaçar a divulgação de sua imagem-retrato incluída no próprio cenário público do qual participa ( caso de um comício, de uma manifestação popular, entre outros ). Também aqueles que vivem da exploração da imagem ( celebridades ) ou atuam na vida política, aceitam maior exposição das diversas manifestações de sua conduta, não podendo, depois, invocar o direito á privacidade para impedir a divulgação de fatos considerados desabonadores.


Entretanto, mesmo as figuras públicas possuem o direito à privacidade, em especial no que diz respeito ao círculo da intimidade do segredo, em ambientes fechados ou reservados. Por  isso, viola a intimidade a atitude de fotogravar, sem autorização, com teleobjetivas, celebridades em seus lares ou ambientes reservados, sem acesso ao público.


Há maior polêmica a respeito da exposição da prática de atos íntimos de pessoas em espaços públicos. De um lado, há aqueles que defendem que, mesmo em espaços públicos, há a incidência do direito á privacidade, mesmo das pessoas célebres. Nesse sentido é a lição de Walter Rothemburg, que, comentando o caso de conhecida apresentadora brasileira filmada sem seu conhecimento ou anuência em praia pública em cidade espanhola, praticando atos íntimos com seu namorado, sustentou que "quem 'ousa' fazer amor na praia ou no mar expõe-se deliberadamente em certa medida e, assim, tem diminuída sua esfera de privacidade, mas dela não abdica completamente a privacidade das pessoas, que guardam em algum grau a po0ssibilidade de determinação sobre o que querem expor" ( *3 vide nota de rodapé ).


Há dois parâmetros que são úteis para determinar a prevalência da privacidade em casos de exposição de comportamentos em espaços públicos, que é a


1) falta de interesse público das filmagens e fotografias ( o voyerismo de alguns não tende esse critério ) e a

2) falta de autorização para a obtenção das imagens que serão, depois, alavancas para maiores vendagens, audiência e lucros de terceiros.


Esses foram os parâmetros da Corte Europeia de DH ( Corte EDH ), em caso célebre envolvendo a Princesa Caroline de Mônaco, alvo frequente de fotógrafos paparazzi, que, com teleobjetivas potentes e outras táticas, tiraram fotos do cotidiano da princesa em espaços públicos. A Corte EDH, em face da falta de interesse público legítimo e de autorização da Princesa ( dada a finalidade comercial evidente da atividade dos fotógrafos ), considerou que houve violação ao direito à privacidade previsto na Convenção Europeia de Direitos Humanos ( Convenção EDH ). Em Dois mil e doze, a Corte EDH rechaçou a demanda oposta pela Princesa contra a Alemanha, entendendo que o Estado réu ( por seu Poder Judiciário ) havia seguido a jurisprudência europeia de DH, a permitir a publicação de foto ( da Princesa, em férias ) para ilustrar matéria de interesse público legítimo, referente ao estado de saúde do seu pai, o Chefe de Estado de Mônaco, Príncipe Rainier, o que não havia existido na ação julgada pela Corte EDH em Dois mil e quatro ( *4 vide nota de rodapé ).


Em sentido oposto, há precedente do Superior Tribunal de Justiça ( STJ ), em caso envolvendo foto publicada sem autorização de banhista de topless em praia no Estado de Santa Catarina, no qual ficou decidido que "se a demandante expõe sua imagem em centro público, não é ilícita ou indevida sua reprodução sem conteúdo sensacionalista pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada" ( Recurso Especial número Quinhentos e noventa e cinco mil e seiscentos - Santa Catarina, relator Minstro Cesar Asfor, julgado em Dezoito de março de Dois mil e quatro ).


Os políticos também possuem direito à privacidade limitado, porém não inexistente. Assim, o comportamento íntimo dos agentes públicos merece proteção, salvo se a divulgação for justificável em face de interesse público, como, por exemplo, a divulgação de fotos referentes à infidelidade conjugal de político conhecido pelo discurso da defesa da família da moral para angariar votos.


A segunda limitação diz respeito à preponderância, em um juízo de proporcionalidade, do direito à informação diante do direito à privacidade e a vontade do titular de não expor dados de sua vida em público, mesmo diante de fatos que têm interesse social. Um caso célebre que ocorreu no Tribunal Constitucional Federal ( TCF ) da Alemanha é o caso do "Assassinato dos soldados de Lebach" ( também conhecido como Caso Lebach ), julgado em Mil novecentos e setenta e três. No caso, tratou-se da proibição da edição de documentário por empresa de televisão alemã sobre uma chacina ocorrida em Lebach ( foram mortos quatro soldados em um roubo de munição ) na iminência da soltura de um dos criminosos. O TCF decidiu que, em geral, o direito à informação da população em crimes graves prevalece ( interesse social ), sendo permitida a informação do nome, foto ou outra identificação do criminoso. Porém, um documentário posterior, anos depois, é inadmissível em face da ameaça à sua reintegração à sociedade ( ressocialização ), devendo ser protegida sua imagem e intimidade. Em Mil novecentos e noventa e nove, o TCF permitiu a veiculação de programa sobre o caso "Lebach", argumentando que as mais de duas décadas passadas teriam já permitido a ressocialização dos envolvidos ( *5 vide nota de rodapé ).


Outro tema sempre discutido no Brasil é se há violação ao direito á honra pela divulgação de mera suspeita ou ainda de ação penal ou de improbidade ainda não transitada em julgado. Em vários precedentes judiciais, não há violação do direito à honra ( *6 vide nota de rodapé ) se a informação prestada atender o dever de veracidade aferível naquele momento e seu conteúdo for relevante para o interesse público, excluindo-se do âmbito de proteção da privacidade. Nesse sentido, decidiu o STJ que " ( ... ) a honra e imagem dos cidadãos não são violados quando se divulgam informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que, além disso, são do interesse público. O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará".


Porém, o dever de veracidade que incumbe à mídia deve ser avaliado no contexto jornalístico, no qual as matérias devem ser produzidas de modo célere. Se a suspeita sobre o indivíduo realmente existia e a divulgação informou que eram "suspeitas" ( sem apontá-lo como criminoso condenado ), não houve violação de sua honra, mesmo que, anos depois, ele tenha sido absolvido cabalmente ( Recusto Especial número Novecentos e oitenta e quatro mil oitocentos e três, Relator Ministra Nancy Andrighi, julgado em Dezenove de agosto de Dois mil e nove ).  


P.S.:


Notas de rodapé:


* O direito à privacidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/07/direitos-humanos-o-direito-privacidade.html .


*2 O direito à informação, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-direito-liberdade-de_30.html .


*3 Rothemburg, Walter Claudius. O tempero da proporcionalidade no caldo dos direitos fundamentais. In: Oliveira Neto, Olavo de; Lopes, Maria Elizabeth de Castro ( Coordenadores ). Princípios processuais civis na Constituição. Rio de Janeiro: Elsevier, Dois mil e oito, Páginas Duzentos e oitenta e três a Trezentos e dezenove.


*4 Corte Europeia de Direitos Humanos, Von Hannover versus Germany, Application número Cinquenta e nove mil trezentos e vinte / Dois mil, julgamento de Vinte e quatro de Vinte e quatro de junho de Dois mil e quatro. Segundo julgamento. Corte Europeia de Direitos Humanos, Von Hannover versus Germany ( número Dois ) ( application números Quarenta emil seiscentos e sessenta  / Dois mil e oito e Sessenta mil seiscentos e quarenta e um / Dois mil e oito ), julgado em Sete de fevereiro de Dois mil e doze.


*5 Ver o primeiro caso Lebach em Martins, Leonardo ( Organizador ). Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Montevidéu: Konrad Adenauer Stiftung, Dois mil e cinco. O segundo caso Lebach ( Lebach II ) foi julgado em Vinte e cinco de novembro de Mil novecentos e noventa e nove - BVerfGE número Um, Página Trezentos e quarenta e nove ( Mil novecentos e noventa e nove ).


*6 O direito à honra, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/07/direitos-humanos-o-direito-privacidade_14.html .  

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