quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Responsabilidade social: a hora da resistência

Assumir tarefas para cuja execução não se tem competência é comportamento irresponsável. É também cruel, pois cria expectativas e gera decepções .

As instituições e, mormente, os empreendimentos de negócios precisam desenvolver competências necessárias para assumir responsabilidade por seus impactos. Porém, em outras áreas de responsabilidade social que não envolvam impactos, o direito e o dever de agir são limitados pela competência.

Em especial, as instituições não devem imiscuir-se em tarefas que não se encaixam em seu sistema de valores. Adquirem-se habilidades e conhecimentos com alguma facilidade. Mas não é fácil mudar a personalidade. Ninguém tende a dar-se bem em áreas que não têm em boa conta. Se uma empresa ou qualquer outra instituição entrar nestas áreas, em consequência de necessidades sociais, é improvável que desloque para ela as as pessoas mais capazes e que lhes proporcione os recursos adequados. E dificilmente compreenderá as necessidades da tarefa. Quase certamente cometerá erros. Em consequência, provocará danos, em vez de gerar benefícios.

O que não fazer foi demonstrado quando as universidades americanas na década de sessenta se apressaram em assumir responsabilidade social pelos problemas das grandes cidades. Estes problemas são bastante reais. E era de supor que nas universidades se encontrariam acadêmicos em diferentes áreas relevantes para a solução dos problemas. No entanto, as tarefas eram basicamente políticas. Os valores envolvidos tornavam mais apropriada a intervenção de políticos que de acadêmicos. As habilidades necessárias eram as de conciliação de demandas, mobilização de energias e, acima de tudo, definição de prioridades. E estas não são habilidades que os acadêmicos admiram e respeitam, muito menos em que se destacam pela excelência. Na verdade, são quase o oposto da objetividade e da descoberta da verdade, que constituem a excelência na academia. Estas tarefas superavam a competência das universidades e eram incompatíveis com seu sistema de valores.

As consequências do açodamento das universidades em aceitar esta missão foram, portanto, como não poderia deixar de ser, o mau desempenho e a ausência de resultados. Também foram o comprometimento do prestígio e da posição das universidades e o questionamento de sua credibilidade. Além de não contribuir para a solução dos problemas das cidades, esta intromissão indevida das universidades ainda prejudicou seriamente sua capacidade de desempenho na própria área de atuação.

As grandes empresas da cidade de Nova Iorque teriam agido com total irresponsabilidade se tivessem aceitado a convocação do Prefeito Lindsay para a adoção do gueto negro ( * vide nota de rodapé ). Tudo o que poderiam ter feiro, como, ao que tudo indica, se deram conta, seria provocar danos - para os guetos e para si próprias.

Os limites da competência dependem em parte das circunstâncias. Se um dos membros de um grupo de escalada desenvolver apendicite aguda no alto do Himalaia, com alta probabilidade de morrer, se não for operado com urgência, qualquer médico do grupo o operará, ainda que se trate de um dermatologista, que nunca fez uma cirurgia. O dermatologista, embora médico qualificado, será considerado irresponsável e estará sujeito a ações judiciais e até a uma condenação penal se operar o apêndice onde houver cirurgião qualificado e até clínico geral para pronto atendimento.

Portanto, a administração precisa saber, no mínimo, em que área e instituição e ela própria são verdadeiramente incompetentes em áreas intangíveis. A força das empresas é prestação de contas e mensurabilidade. é a disciplina dos mercados, é a mensuração da produtividade e a necessidade de lucratividade. Onde não houver estes fatores, as empresas estarão fora de seus territórios. Nestes áreas alienígenas, elas também não contarão com a simpatia essencial, pois estarão fora de seus sistemas de valores. Onde os critérios de desempenho forem intangíveis, como opiniões e emoções políticas, aprovação ou desaprovação da sociedade, mobilização das energias da comunidade e estruturação das relações de poder, as empresas dificilmente se sentirão confortáveis. Elas dificilmente se interessarão pelos valores relevantes. E, portanto, com toda a probabilidade, não terão competência.

No entanto, nestas áreas, quase sempre é possível definir com clareza objetivos mensuráveis para tarefas parciais específicas. Não raro, é possível converter parte de um problema, que em si se situa fora da área de competência da empresa, em trabalho que se enquadra na área de competência e no sistema de valores do empreendimento.

Ninguém nos Estados Unidos se saiu muito bem no treinamento de adolescentes negros não empregáveis para o trabalho e para o emprego. Porém, as empresas não se deram tão mal quanto outras instituições: escolas, programas governamentais, órgãos públicos. A tarefa é identificável e definível. Possibilita o estabelecimento de objetivos e a avaliação do desempenho. Portanto, pode ser executada por empresas.

Antes de ceder à demanda de que isso ou aquilo envolve responsabilidade social e de pôr mão à obra neste ou naquele problema, é melhor que  administração reflita sobre qual parte da tarefa, se existir alguma, se encaixa em sua área de competência. Há alguma área que possa ser definida em termos de objetivos tangíveis e de desempenho mensurável - conforme os gestores entendem estes termos escorregadios? Se a resposta for positiva, cabe refletir com seriedade sobre a responsabilidade social da organização. Mas, quando a resposta for negativa - e este será o caso em muitas áreas - , é aconselhável resistir, por mais importante que seja o problema e por mais prementes que sejam as demandas para que a empresa assuma o controle. Do contrário, ela só poderá fazer mal à sociedade e a si mesma. Ela não terá condições de executar e, portanto, não poderá ser responsável. Outras informações podem ser obtidas no livro Fator humano e desempenho, de autoria de Peter F. Drucker.

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