segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Crise: Quem primeiro se recupera de um período inflacionário?

Parece que toda semana sai um livro proclamando a fórmula garantida para as pessoas protegerem seu dinheiro contra os efeitos da inflação. Porém, parece que ninguém presta muita atenção à proteção das empresas. No entanto, será pouca a riqueza individual que sobreviverá se os ativos geradores de riqueza da economia, ou seja, as empresas, não mantiverem sua capacidade de produzir. E que esta capacidade fica ameaçada sob a inflação prolongada - e mais ainda pelas altas taxas de inflação crônica, como as que o mundo vive - é algo que todos aceitam, até mesmo os economistas progressistas, para os quais a inflação é decididamente o menor dos males.

Para uma empresa - como de resto para qualquer pessoa - , é impossível ficar completamente imune aos efeitos devastadores da inflação. Contudo, é possível blindar uma empresa contra a inflação de modo a lhe dar razoável grau de resistência conta a doença pandêmica e força para se recuperar. Pode-se fazer isso sem grandes custos e como esforço moderado.

A primeira coisa a fazer - na verdade, o pré-requisito absolutamente fundamental - é ter os fatos. Uma empresa que não ajusta seus números pela inflação - e, até o momento, somente um punhado de grandes empresas faz isso nos Estados Unidos - não apenas não consegue combater a inflação como se torna sua vítima. Ela tende a fazer coisas que aumentam tremendamente os danos causados pela inflação pela simples razão de que baseia suas decisões em informações incorretas e na autoilusão. Sem uma contabilidade ajustada pela inflação, a empresa é levada a acreditar que suas vendas aumentaram quando, na verdade, tanto as vendas como sua posição no mercado estão diminuindo. Ela é levada a acreditar que está tendo lucros recordes quando, na verdade, a lucratividade está diminuindo ou desaparecendo por completo. Ela é levada a acreditar que está financeiramente forte quando, na verdade, está à beira da insolvência e não conta com nenhum poder de resistência conta o aperto do crédito e a crise de liquidez - ambos endêmicos em períodos inflacionários. Vendas e posição no mercado; contas a receber e estoque; depreciação, capital e necessidade de recursos para o serviço da dívida; e os lucros -todos precisam ser continuamente atualizados para números ajustados pela inflação, par que a empresa possa blindar-se contra os efeitos da inflação.

O passo seguinte é a gestão sistemática do dinheiro. Uma das inevitáveis distorções de um período inflacionário é a ênfase exagerada nas finanças. Manipular dinheiro passa a ser visto como algo mais importante do que fazer e comercializar bens e serviços quando, com taxas de juros a dezessete por cento, um tesoureiro pode fazer a empresa perder mais dinheiro em uma semana do que o marketing o faria em três meses. Mas, para blindar uma empresa contra a inflação, e necessário mais do que a hábil manipulação do dinheiro e a especulação com as taxas de juros ( embora, infelizmente, ambas sejam necessárias em épocas inflacionárias ). A empresa precisa ser administrada de modo a satisfazer, ao mesmo tempo, dois requisitos essencialmente incompatíveis. Ela precisa ter exposição mínima a prejuízos pela depreciação da moeda, o que implica ter o mínimo de dinheiro e o máximo de dívidas de curto prazo. Ao mesmo tempo, porém, um período inflacionário exige alto grau de liquidez. Em qualquer período inflacionário, ataques súbitos de crise de liquidez e aperto no crédito ocorrerão sem aviso prévio. E, contrariamente ao que prometem todos os políticos, não existe pouso suave após surtos de inflação - ao menos não houve nenhum em todos os ataques de inflação na história econômica moderna, desde o primeiro deles, os mais de cem anos de contínua e corrosiva inflação mundial do século dezesseis.

Assim sendo, blindar uma empresa contra a inflação exige uma política de longo prazo criteriosa e embasada em princípios, uma política de balanço entre o risco de prejuízo por liquidez demais e o risco de catástrofe por liquidez de menos. Qual o tamanho do prêmio de risco que esta empresa, como suas características financeiras específicas, precisa pagar para resistir a uma crise de liquidez ou a um arrocho de crédito? O pânico financeiro em um período inflacionário pode ser comparado a um furacão no Caribe em setembro: eles sempre irrompem rapidamente. Mas isso não é grande consolo se o barco tiver virado e afundado ao primeiro baque.

E por fim, blindar uma empresa contra a inflação exige um desprezo deliberado pela loucura que, num período inflacionário, passa por sanidade: o foco no curtíssimo prazo e no imediato. Tal foco é racional num período inflacionário porque, com uma taxa de juros ao redor de dezessete por cento, nada que esteja além de quatro anos tem qualquer valor presente - e, se houver algum risco, o período além do qual os investimentos no futuro encolhem para um valor presente de zero passa a ser de aproximadamente dois anos. Isso significa que, num período inflacionário, torna-se racional deixar de lado o retorno de qualquer gasto que seja menos certo e que esteja a alguns anos de distância. torna-se racional roubar o futuro. Mas, conforme todos foram relembrados há alguns anos pela crise ambiental, isso não é racionalidade, mas loucura, também a coisa mais antieconômica e dispendiosa que se pode conceber.

Em todos os períodos inflacionários desde o século dezesseis, os espertos sempre gerenciam o curto prazo. Eles sempre eram os milagreiros e os bambambãs - por algum tempo. Mas assim que a inflação parava - ou tinha uma pausa - , eles sempre desapareciam. O mago da hiperinflação alemã dos anos vinte foi um tal de Hugo Stinnes, o qual, em três frenéticos anos, construiu o que então era o maior e aparentemente o mais poderoso conglomerado da Europa. Seis meses depois de o marco alemão ter se estabilizado, em outubro de mil novecentos e vinte e três, Stinnes estava falido, e seu império, em liquidação.

Os que sobrevivem são os bolos que se preparam para o futuro. O melhor exemplo, de novo, vem da Alemanha - a Siemens. Durante a inflação alemã, a Siemens foi considerada um caso perdido. Mas a empresa emergiu como a segunda maior gigante mundial de aparelhos elétricos ( superada apenas pela General Eletric americana ). Sua velha rival europeia, a AEG ( também alemã ), foi esperta durante a inflação e a queridinha dos analistas de títulos e dos articulistas financeiros; ela jamais recuperou sua força competitiva e, desde então, só vem perdendo posição. e o que a Siemens fez foi bastante simples. Suas operações do dia a dia, incluindo a gestão do dinheiro, eram tocadas de acordo com a realidade da inflação. Tudo o que se referia ao amanhã era feito como se a inflação não existisse.

Para blindar uma empresa contra a inflação, as atividades relacionadas com o amanhã - pesquisa científica e técnica, inovação e desenvolvimento de produtos e processos, manutenção de equipamentos e unidades industriais, desenvolvimento de mercado, serviço ao cliente, e o desenvolvimento e treinamento de pessoal profissional, gerencial e qualificado - são administradas como se a taxa de juros fosse de três por cento, isto é, desconsiderando a carga inflacionária. Estas atividades respondem por pelo menos um décimo do dispêndio total de qualquer empresa - em algumas, elas respondem por muito mais. Mas para blindar a empresa contra a inflação, elas devem estar em primeiro lugar na escala de prioridades, com exceção do fluxo de caixa necessário para proteger a empresa contra as pressões do aperto de liquidez.

E, a propósito, manter sua própria capacidade de produzir riqueza, ou seja, suas qualificações e conhecimento, pode ser a melhor maneira de as pessoas se blindarem contra a inflação. A história leva todos a duvidar de todo e qualquer esquema esperto para vencer a inflação - seja o investimento em imóveis ou em diamantes, em commodities, em ouro ou em antiguidades - , que os livros que mais vendem hoje tão persuasivamente apregoam. Os governos, de alguma forma, sempre encontraram meios de tirar os melhor dos esquemas mais brilhantes de combate à inflação. Mas, enquanto os agricultores, lojistas e industriais ainda não haviam se recuperado, passados dez anos da inflação de mil novecentos e vinte a mil novecentos e vinte e três - decerto um importante fator de ascensão de Hitler - , os médicos, advogados e engenheiros voltaram aos seus antigos níveis de renda no prazo de seis meses após o marco ter se estabilizado. Os profissionais que agora afluem um peso aos cursos de gestão executiva e de atualização em engenharia, contabilidade, direito e medicina podem acabar sendo os únicos a chegar mais perto de uma blindagem contra a inflação. Outras informações podem ser obtidas no livro Os novos desafios dos executivos, de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em

Nenhum comentário:

Postar um comentário