quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Ciência e tecnologia: aplicação, utilidade e resultados

O que aconteceu para mudar o estado de ânimo, a mentalidade, os valores da ciências nos Estados Unidos da América ( EUA )? Estas mudanças, ou pelo menos suas causas subjacentes, recuam a um período anterior em que as relações entre a ciência e seus patronos e clientes não científicos, tanto na indústria quanto no governo, pareciam ser mais íntimas, mais harmônicas e mais produtivas.


A ciência americana começou primeiro a se sentir desconfortável no relacionamento tradicional de coexistência mutuamente vantajosa. Ou talvez a ciência se sentisse desconfortável o tempo todo, mas não viu alguma alternativa até depois da Segunda Guerra Mundial, quando o governo surgiu como seu patrono rico e mais vantajoso rico e mais generoso. Enquanto a indústria havia, no máximo, gasto centenas de milhares de dólares e contratado dezenas de cientistas, o governo gastava bilhões de dólares e parecia ter um apetite insaciável por profissionais bem pagos das ciências em um número cada vez maior de agências governamentais.


O aspecto ainda mais atraente é que o governo oferecia cada vez mais aos cientistas ( incluindo uma grande quantidade daqueles que estavam começando em suas carreiras científicas ) o melhor dos dois mundos: viver na atividade acadêmica com uma renda de Washington. Não admira que a busca de subvenções e investimentos tenha rapidamente se tornado a área mais valorizada e de maior realização nas ciências humanas. Além disto, onde a indústria, sempre que oferecia apoio, tinha o hábito insultuoso de esperar resultados, o governo ( pelo menos assim o parecia ) se dispunha a apoiar o cientista pelo bem da ciência. De fato, qualquer um que, nos dias de prosperidade do início dos anos sessenta, levantasse assuntos desagradáveis como a prestação de contas dos cientistas pelos financiamentos recebidos em termos de desempenho e resultados arriscava ser rotulado como contrário à intelectualidade. E qualquer um que então duvidasse de que o apoio do governo continuaria a crescer, ou que duvidasse de as intenções do governo serem verdadeiramente honrosas, provavelmente era considerado um velho reacionário.


Em consequência disto, a ciência ficou acostumada com grandes somas de dinheiro público e, em troca, tinha de aceitar parâmetros políticos, em vez de econômicos, em termos de sucesso e desempenho; e tinha como seu principal referencial o fato de o programa para apoio deste ou daquele importante empreendimento científico poder ser vendido às autoridades governamentais; e ( como consequência lógica ) se esta ou aquela busca por conhecimento se encaixava na ideologia política e nos modismos populares desta ou daquela camarilha ou facção. Assim, a ciência dos EUA, de forma bastante compreensível, passou a considerar a questão da aplicação econômica ou do benefício econômico como irrelevante e irritante, ou até mesmo degradante. Poucos levantaram a questão de o favor político e a aclamação não poderem ser igualmente irrelevantes e talvez ainda mais degradantes como parâmetros de realização científica.


Mas Peter Ferdinand Drucker, já naquela época, considerava mais importante no afastamento da indústria em relação á ciência o fato de, nos últimos sessenta e cinco anos, o trabalho nas faculdades passar a focar na produção de PhDs ( doutores ) certificados para dar aulas em instituições de ensino superior. Antes da Segunda Guerra Mundial, o ensino de ciência na universidade focava na graduação, em estudantes que dificilmente fariam da ciência sua carreira. Nas escolas de graduação, o foco era principalmente na preparação de pesquisadores para laboratórios externos, ou seja, na indústria e, em menor grau, no governo. Os melhores eram aqueles que conseguiam bons empregos na indústria; outros empregos para cientistas formados em nível de graduação eram extremamente escassos.


A explosão educacional de meados dos anos cinquenta, necessariamente, representou uma mudança no foco para a teoria básica, que é aquilo que um professor de graduação ensina. Isto significou, necessariamente, perda do contato íntimo com a indústria. Pois os alunos mais brilhantes não iam mais para a indústria - e é através de seus alunos de graduação que o cientista universitário mantém contato com o mundo fora da ciência. De fato, os melhores alunos do cientista renomado nem mesmo iam para o ensino de graduação; eles permaneciam no ensino de pós-graduação e na pesquisa de pós-graduação. A explosão educacional fez do estudioso um produtor de massa, um industrial que produzia alunos pós-graduados. A escola de pós-graduação passou a ser um setor em crescimento, e a universidade se tornou, em grande medida, um sistema fechado, preparando pessoas para sua própria continuação e perpetuação.


Isto também mudou o significado da pesquisa. A pesquisa agora se transformou em algo onde se obtém o título para um tipo específico de trabalho, para obter promoção ou para exercício do cargo. Ela passou a ser um bilhete de entrada. Sempre que um trabalho se torna um bilhete de entrada, fica cada vez mais formal. Cada vez mais, ele foca na satisfação de exigências e não na produção de resultados.


Há 55 anos somente um velho reacionário ousaria sugerir que a matrícula em escolas de pós-graduação, especialmente a matrícula em programas de pós-graduação preparando para o ensino de pós-graduação, não poderia e não se expandiria indefinidamente. Muito tempo depois de o baby bust dos anos sessenta e sessenta e um ter ocorrido ( na verdade, bem depois de se ter tornado claramente irreversível ), as escolas de pós-graduação, especialmente as de ciências, continuaram a intensificar seus esforços para produzir maior quantidade de pós-graduados treinados e mentalmente preparados para carreiras rápidas no setor acadêmico em crescimento da universidade em contínua expansão. Quando a universidade deixou de se expandir, estes diplomados se sentiram compreensivelmente abandonados. Eles não responsabilizaram a universidade, que os aceitara com excesso de promessas. Eles não aceitaram os eventos do baby boom e do baby bust. Eles tenderam a culpar o mundo exterior, ou seja, a indústria e o governo.


Estes desdobramentos podem ser responsáveis por aquilo que ( para o observador externo ) parece ser a mudança no sentido de definir o conhecimento como "aquilo que não tem utilidade e que é improvável de ter aplicação". Isto não é uma forma de marxismo, muito menos de responsabilidade social. Isto é incompreensível com qualquer filosofia de sociedade ou economia. Além do mais, isto é bem mais elitista, da pior maneira possível, do que o chamado elitismo do acadêmico tradicional. Trata-se de uma visão da ciência como existindo principalmente para o bem da academia.


O cientista americano, em geral, ainda invoca Francis Bacon como seu santo padroeiro. No entanto, para um observador externo, especialmente para o observador externo localizado em instituições empregadoras diferentes da própria universidade ( isto é, no governo ou na indústria ), parece às vezes que a ciência dos EUA está rapidamente mudando para sua própria neoescolástica, seu próprio sistema fechado. Como qualquer doutrina escolástica, ela suspeita da experiência, apesar de sua ênfase em experimentos. Ela tende a rejeitar a utilidade, a aplicação, a tecnologia e qualquer tipo de retorno em geral. Para o observador externo, parece que a mentalidade e os valores do cientista americano estão se tornando incompatíveis com, ou pelo menos estranhos a, aplicação, utilidade e resultados. Outras informações podem ser obtidas no livro Rumo à nova economia, de autoria de Peter F. Drucker.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/ci%C3%AAncia-e-tecnologia-aplica%C3%A7%C3%A3o-utilidade-e-resultados e


https://minutodiario.com.br/ciencia-e-tecnologia/ciencia-e-tecnologia-aplicacao-utilidade-e-resultados/ .

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