quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Tecnologia: melhores ferramentas requerem melhores operadores, mais qualificados e cuidadosos

O homem moderno de qualquer lugar considera a civilização tecnológica. Nem os primeiros das selvas de Bornéu ou dos Andes, que talvez ainda vivam na Idade do Bronze e em cabanas de barro, como viveram por milhares de anos, precisam de explicação quando o filme a que estão assistindo mostra um interruptor sendo ligado, um telefone sendo atendido, a ignição de um automóvel, a decolagem de avião ou o lançamento de algum satélite. Em meados do século vinte, a espécie humana passou a sentir que a tecnologia moderna contém a promessa de superar a pobreza na Terra e de conquistar o espaço sideral. Percebeu-se também que a tecnologia traz em si a ameaça de extinção de toda a humanidade de uma vez, numa catástrofe sem precedentes. Ou seja, a tecnologia é o centro da percepção e experiência humana atual.


Por outro lado, no começo do século vinte, a tecnologia moderna mal existia para a grande maioria das pessoas. Em termos geográficos, a Revolução Industrial e seus frutos tecnológica, em mil e novecentos, estavam restritos a uma pequena minoria, a saber, às pessoas de descendência europeia e que viviam em torno da costa atlântica norte. Somente o Japão, dos países, não europeus e não ocidentais, começou a desenvolver uma indústria e uma tecnologia modernas nesta época, mas em mil e novecentos a modernidade no país ainda dava seus primeiros passos. Nas aldeias indianas, nas cidades chinesas, nos bazares persas, a vida ainda era pré-industrial, sem notícia da máquina a vapor, do telégrafo e de todas as outras novas ferramentas do ocidente. Aliás, era quase um axioma - tanto para os ocidentais quanto para os não ocidentais - a questão de a tecnologia moderna, bem ou mal, ser cria do homem branco, ficando, portanto, restrita a ele. Esta premissa fundamentou o imperialismo do período anterior à Primeira Guerra Mundial e foi compartilhada por orientais eminentes, como Rabindranath Tagore ( que viveu entre mil oitocentos e sessenta e um e mil novecentos e quarenta e um ), poeta indiano, vencedor do prêmio Nobel, e Mahatma Gandhi ( que viveu entre mil oitocentos e sessenta e nove e mil novecentos e quarenta e oito ), que, pouco tempo antes da Primeira Guerra Mundial, deu início à sua longa luta pela independência da Índia. Havia, na verdade, uma aparente base factual para alimentar esta crença, mesmo que somente como preconceito, até a Segunda Guerra Mundial Hitler, por exemplo, batizou os japoneses de arianos honoríficos e os considerava europeus disfarçados basicamente porque eles haviam dominado a tecnologia moderna. Nos Estados Unidos da América ( EUA ), o mito perdurou com a ideia generalizada, antes de Peral Harbour, de que os japoneses, por não serem de origem europeia, não saberiam manusear aquelas armas da tecnologia moderna, como aviões e encouraçados.


No ocidente, porém, mesmo nos países mais desenvolvidos - Inglaterra, EUA e Alemanha - , a tecnologia moderna, em mil e novecentos, desempenhava um papel insignificante na vida de grande parte das pessoas, a maioria fazendeiros ou artesãos que moravam no campo ou em pequenos vilarejos. As ferramentas que eles usavam e a vida que levavam eram pré-industriais, sem contato com a tecnologia moderna que avançava tão rápido ao seu redor. Somente em algumas cidades grandes a tecnologia moderna apresentava-se no cotidiano - nos bondes elétricos, cada vez mais importantes pela eletricidade após mil oitocentos e noventa, e no jornal diário, dependente do telégrafo e impresso em prelos movidos a vapor. apenas lá a tecnologia moderna passou a fazer parte dos lares, com Lâmpadas elétricas e telefone.


Mesmo assim, para os ocidentais de mil e novecentos, a tecnologia moderna tornara-se motivo de grande empolgação. Era a época das grandes mostras internacionais, e em todas elas um novo milagre da invenção técnica roubava o show. Nestes anos também, as ficções tecnológicas tornaram-se best-sellers, de Moscou a São Francisco. por volta de mil oitocentos e oitenta, os livros do francês Júlio Verne ( que viveu entre mil oitocentos e vinte e oito e mil novecentos e cinco ), como Viagem ao centro da Terra e Vente mil líguas submarinas, se popularizaram. No ano mil e novecentos, o romancista inglês H.G. Wells ( que viveu entre mil oitocentos e sessenta e seis e mil novecentos e quarenta e seis ), cuja obra inclui o romance tecnológico A máquina do tempo ( de mil oitocentos e noventa e três ), tornou-se ainda mais popular. E havia uma fé praticamente ilimitada na benevolência do progresso tecnológico. Toda esta animação, porém, concentrava-se em fatores. Que estes fatores poderiam e iriam ter um impacto na sociedade, no comportamento e na forma de pensar das pessoas pouca gente previu.


Os avanços da tecnologia no século vinte são realmente impressionantes. No entanto, seria possível argumentar que as bases para a maioria destes avanços foram estabelecidas na década de mil e novecentos, mais precisamente em mil novecentos e dez. A luz elétrica, o telefone, a película de cinema, o fonógrafo e o automóvel foram todos inventados até mil e novecentos e, aliás, vendidos a rodo por empresas prósperas e em ascensão. O avão, a válvula eletrônica ( transístor ) e a radiotelegrafia foram invenção do início do século vinte.


As mudanças que a tecnologia havia ocasionado na sociedade e na cultura desde então não tinham, contudo, como ser percebidas pelos homens em mil e novecentos. A explosão geográfica da tecnologia criou a primeira civilização mundial, uma civilização tecnológica. O centro do mundo já havia mudado para milhares de quilômetros de distância da Europa ocidental, tanto em direção ao leste quanto ao oeste. Mais importante do que isso, a tecnologia moderna no século vinte fez a humanidade repensar antigos conceitos, como a posição das mulheres na sociedade, e reorganizar as instituições básicas - trabalho, educação e operações militares, por exemplo. Grande número de pessoas nos países tecnologicamente avançados deixou de trabalhar com as mãos e passou a trabalhar com a mente, quase sem contato direto com materiais e ferramentas. A tecnologia mudou o meio ambiente, que deixou de ser rural e passou a ser urbano. O horizonte mudou. Se, por um lado, a tecnologia transformou o mundo inteiro numa comunidade compacta que compartilha conhecimento, informações, esperanças e medos, por outro trouxe o espaço sideral para a nossa realidade imediata e consciente. Transformou uma promessa e uma ameaça apocalíptica em possibilidades concretas e pragmáticas: a utopia de um mundo sem pobreza ou a destruição final da humanidade.


por fim, nos últimos cem anos, a visão da tecnologia em si mudou. Não se a vê mais vinculada somente a objetos. Hoje em dia, a tecnologia é uma questão do homem também. Em consequência desta nova perspectiva, chegou-se à conclusão de que a tecnologia não é, como acreditavam os avós dos atuais adultos, a varinha de condão que pode fazer todas as limitações e problemas humanos desaparecerem. Sabe-se agora que o potencial tecnológico que há, é, aliás, muito maior do que eles pensavam. Mas também houve um aprendizado que a tecnologia, por ser criação do homem, é algo tão problemático e ambivalente - capaz ade fazer bem e fazer mal - quanto o seu criador.


Neste texto, houve a busca por enfatizar em algumas das mudanças mais importantes que a tecnologia moderna promoveu na sociedade e cultura, e algumas mudanças na visão e abordagem relacionada à tecnologia do século vinte.


A tecnologia reestrutura as instituições sociais


A história do século vinte, até a década de sessenta, pode ser dividida em três grandes períodos: o período anterior à deflagração da Primeira Guerra Mundial em mil novecentos e quatorze - um período cultural e politicamente muio parecido com o século dezenove; o período que abrange da Segunda Guerra Mundial e os vinte anos entre mil novecentos e dezoito e a deflagração da Segunda Guerra Mundial em mil novecentos e trinta e nove; e o período que vai da Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje. em cada um destes períodos, a tecnologia moderna foi responsável por moldar as instituições básicas da sociedade ocidental. E, no período mais recente, começou também a solapar e refazer muitas das instituições básicas da sociedade não ocidental.


Emancipação feminina


Nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial, a tecnologia, em grande parte, viabilizou a emancipação feminina e deu às mulheres uma nova posição na sociedade. Nenhuma feminista do século dezenove, como Susan B. Anthony, teve um impacto tão grande na posição social das mulheres quanto a máquina de escrever e o telefone. Em mil oitocentos e oitenta, se o anúncio "Precisa-se" dissesse "datilógrafos", ou "telegrafistas", todo mundo sabia que o emprego destinava-se a homens, enquanto em mil novecentos e dez um anúncio de emprego para datilógrafos ou telefonistas era claramente para mulheres. A máquina de escrever e o telefone possibilitaram que uma moça de família decente saísse de casa e se sustentasse sozinha, sem depender de marido ou pai. A necessidade de mulheres para operar máquinas de escrever e mesas telefônicas obrigou até os governos europeus mais relutantes a oferecerem educação secundária pública para mulheres, representando o maior passo rumo à igualdade entre os gêneros. A grande quantidade de moças respeitáveis e instruídas nas empresas da época demandou mudanças nas antigas normas, que privavam as mulheres do direito de assinar contratos ou de controlar seus ganhos e propriedades, forçando os homens, em mil novecentos e vinte, a dar à mulheres o direito de voto em quase todos os países do mundo ocidental.


Mudanças na organização do trabalho


A tecnologia gerou uma transformação ainda maior a partir da Primeira Guerra Mundial, com a renovação do trabalho manual, ganha-pão da grande maioria dos trabalhadores - como ainda acontece nos países tecnologicamente subdesenvolvidos. O ponto de partida foi a aplicação de princípios tecnológicos modernos ao trabalho manual - a chamada administração científica, desenvolvida em grande parte por um americano, Frederick Winslow Taylor ( que viveu entre mil oitocentos e cinquenta e seis e mil novecentos e quinze ).


Enquanto Henry Ford foi responsável pela inovação sistemática da produção em massa, Taylor aplicou às operações manuais os princípios que os criadores de máquinas aplicaram ao trabalho das ferramentas no século dezenove: identificar o trabalho a ser feito, dividi-lo em operações individuais, estabelecer a forma certa de realizar cada operação e, por fim, juntar as operações, desta vez na sequência que seja mais rápida e econômica. Hoje em dia, isto não é alguma novidade para esta geração, mas na época era a primeira vez que se dedicava alguma atenção ao conceito de trabalho. Ao longo da história, esta questão nunca foi considerada.    


O resultado imediato da administração científica foi um corte revolucionário no custo dos produtos manufaturados, que chegaram a custar dez por cento ou cinco por cento do que custavam antes. O que antes era um artigo de luxo inacessível para quem não tivesse muito dinheiro, como automóveis ou utensílios domésticos, tornou-se rapidamente disponível para as grandes massas. Mais importante do que isto, talvez seja o fato de que a administração científica possibilitou grandes aumentos de salário, mesmo baixando o custo final dos produtos. Até então, baixar custos de produtos finalizados sempre significou baixar o salário do trabalhador que os produzia. A administração científica pregava o contrário: que os custos mais baixos deveriam significar salários mais altos e maior renda para o trabalhador. Esta, aliás, foi a principal missão de Taylor e seus discípulos, que, ao contrário de muitos tecnólogos anteriores, eram motivados tanto por considerações técnicas quanto por razões sociais. A produtividade, de repente, tornou-se algo que o tecnólogo poderia melhorar ou criar. E, com isto, o padrão de vida de toda uma economia poderia também ser melhorado - uma ideia totalmente inconcebível alguns anos antes.


Ao mesmo tempo, a administração científica transformou rapidamente a estrutura e a composição da força de trabalho. Primeiro, gerou um aprimoramento substancial da mão de obra. O trabalhador braçal não qualificado com um salário básico para sua subsistência - o maior grupo de trabalhadores do século dezenove - tornou-se obsoleto. Em seu lugar, surgiu um novo grupo: os operadores de máquina - os trabalhadores da linha de montagem de automóveis, por exemplo. Os operadores de máquina provavelmente não eram mais capacitados do que os trabalhadores braçais de antes, mas o conhecimento dos tecnólogos havia sido incorporado em seu trabalho por meio da administração científica de modo que eles pudessem receber - e logo receberam - o salário de um trabalhador altamente qualificado. Entre mil novecentos e dez e mil novecentos e quarenta, os operadores de máquina tornaram-se o maior grupo de trabalhadores profissionais dos países industriais, passando á frente dos operários e dos produtores agrícolas. As consequência disto no consumo de massa, nas relações trabalhistas e na política foram enormes e ainda influencia a sociedade até hoje.


O trabalho de Taylor baseava-se na premissa de que o conhecimento era a principal fonte produtiva, não a habilidade manual. O próprio Taylor defendia a ideia de que a produtividade exigia que a execução fosse separada do planejamento, isto é, que se baseasse em conhecimento tecnológico sistemático. Seu trabalho gerou grande aumento no número de empregos para pessoas instruídas e, em última instância, uma mudança completa no foco profissional, que passou do trabalho manual para o conhecimento.


O que hoje em dia chama-se de automação é, conceitualmente, uma extensão lógica da administração científica de Taylor. Uma vez analisadas como operações de máquina e organizadas como tal ( a administração científica possibilitou isto ), as operações deveriam poder ser realizadas por máquinas, não pela mão do homem. O trabalho de Taylor aumentou imediatamente a demanda por trabalhadores qualificados na força de trabalho e, com o tempo, após a Segunda Guerra Mundial, começou a produzir mão de obra em países avançados, como os EUA, onde os trabalhadores qualificados que aplicavam seu conhecimento no trabalho passaram a ser os verdadeiros trabalhadores, superando os trabalhadores manuais, fossem eles operários, operadores de máquina ou artífices.


A substituição do esforço manual pelo conhecimento como fonte de produção no trabalho é a maior mudança na história do trabalho, que é, evidentemente, um processo tão antigo quanto a própria humanidade. Esta mudança ainda está acontecendo, mas, nos países industrialmente avançados, sobretudo nos EUA, a sociedade já está completamente modificada. Em mil e novecentos, dezoito de cada vinte americanos ganhavam a vida com trabalho manual, dez deles como agricultores. Em mil novecentos e sessenta e cinco, apenas cinco em cada vinte americanos, numa força de trabalho muito maior, faziam trabalho manual, e somente um era agricultor. O resto ganhava a vida basicamente com conhecimento, conceitos e ideias - enfim, como coisas aprendidas na escola, não na labuta. Evidentemente nem todo este conhecimento é avançado. O caixa de uma lanchonete também é um trabalhador co conhecimento, apesar de muito limitado. Seu trabalho, porém, exige instrução, isto é, um treinamento mental sistemático, em vez de habilidade no sentido de prática.


O papel da educação


Como resultado, o papel da educação na sociedade industrial do século vinte mudou - outra das grandes mudanças geradas pela tecnologia. Em mil e novecentos, a tecnologia havia avançado tanto qua alfabetização se tornara uma necessidade social nos países industriais. Cem anos antes, a alfabetização era basicamente um luxo no que se referia à sociedade. Só algumas poucas pessoas - ministros, advogados, médicos, representantes do governo e comerciantes - precisavam saber ler e escrever. Mesmo para um general de alto posto, como o parceiro de Wellington em Waterloo, o prussiano Field Marshal Blücher, o analfabetismo não era um obstáculo nem uma desgraça. Nas fábricas e nas empresas de mil e novecentos, contudo o empregado tinha de saber ler e escrever, mesmo que em nível elementar. Em mil novecentos e sessenta e cinco, quem não tinha formação superior - mais avançada do que qualquer outra capacitação nos últimos duzentos e cinquenta anos - estava incapacitado para trabalhar. A educação deixara de ser um detalhe, um luxo, passando a representar o principal recurso econômico da sociedade tecnológica. A educação, portanto, está rapidamente se tornando um centro de gastos e investimentos na sociedade industrialmente desenvolvida de hoje.


Esta ênfase na educação está criando uma sociedade modificada. Atualmente, quase todo mundo tem acesso à educação, talvez somente porque a sociedade precise do máximo possível de pessoas instruídas. O homem de formação superior sobre com a questão de classe e as barreiras salariais, que impedem o total exercício de seu conhecimento, e, como a sociedade requer e valoriza os serviços de especialistas, seus talentos precisam ser reconhecidos e recompensados por ela. Numa civilização completamente tecnológica, a educação substitui o dinheiro e a posição hierárquica como indicador de status e oportunidades.


Mudança nas operações militares


Na época do final da Segunda Guerra Mundial, a tecnologia havia modificado totalmente a natureza das operações militares e da guerra como instrumento estratégico moderno, chamava a guerra de uma continuação da política por outros meios, estava apenas expressando num epigrama o que todo líder político e todo líder militar sempre souberam. A guerra sempre foi um jogo de aposta, cruel e destrutivo. De acordo com os grandes líderes religiosos, guerra é pecado. No entanto, também não deixa de ser uma instituição da sociedade humana e uma ferramenta lógica da política. muitos contemporâneos, inclusive o próprio Clausewicz, consideravam Napoleão um ser Malvado, mas ninguém o julgava louco por usar a guerra como meio de impor sua política na Europa.


O lançamento da primeira bomba atômica em Hiroshima em mil novecentos e quarenta e cinco mudou tudo isto. Desde então, está cada vez mais evidente que as grandes guerras não podem ser consideradas como algo normal, muito menos lógico. A guerra total deixou de ser uma instituição prática da sociedade humana, pois na guerra tecnológica moderna não há vencedores nem perdedores. Só há destruição. Não existe posição neutra. Todos são combatentes.


Uma civilização tecnológica mundial


A Segunda Guerra Mundial levou a tecnologia moderna, em suas formas mais avançadas, aos cantos mais remotos do planeta. Todos os exércitos do mundo precisaram da tecnologia moderna para financiar suas operações e comprar instrumentos de guerra. E todos usavam não ocidentais - fosse como soldados em guerras tecnológicas ou como trabalhadores na operação de maquinaria moderna - para fornecer material e guerra. isto fez todo mundo prestar atenção ao poder da tecnologia moderna.


Tal fato, porém, pode não ter tido um impacto revolucionário nas sociedades mais antigas, não ocidentais e não tecnológicas, mas representou uma promessa da administração científica de possibilitar o desenvolvimento econômico sistemático. O recém-descoberto poder de gerar produtividade a partir de esforços sistemáticos - que hoje são chamados de industrialização - elevou o que o presidente John F. Kennedy chamava de crescente maré das expectativas humanas, a esperança de que a tecnologia pudesse banir a maldição milenar de doenças, morte prematura, miséria e exploração do trabalho. Isto requer, dentre outras coisas, a aceitação por parte da sociedade de uma civilização totalmente tecnológica.


A mudança de foco na luta entre as ideologias sociais mostra isto claramente. Antes da Segunda Guerra Mundial, o capitalismo dos tipos liberal e neoliberal e o capitalismo dos tipos socialista e comunista geralmente eram medidos no mundo inteiro por sua pretensa capacidade de criar uma sociedade livre e justa. A partir da Segunda Guerra Mundial, a questão passou a ser: que sistema é melhor para acelerar o desenvolvimento econômico rumo a uma civilização tecnológica moderna? a história na Índia é um pouco diferente. Até sua morte, em mil novecentos e quarenta e oito, Mahatma Gandhi foi contra a industrialização, procurando um regresso à tecnologia pré-industrial, simbolizada pela roda de fira manual. Seu companheiro próximo e discípulo, Jawaharlal Nehru ( que viveu entre mil oitocentos e oitenta e nove e mil novecentos e sessenta e quatro ), todavia, foi obrigado pela opinião pública a abraçar o desenvolvimento econômico, isto é, a industrialização acelerada com ênfase na tecnologia de ponta, tão logo se tornou primeiro-ministro da Índia independente, em mil novecentos e quarenta e sete.


Mesmo no ocidente, onde se desenvolveu a partir da cultura nativa, a tecnologia do século vinte gerou problemas fundamentais para a sociedade e colocou em xeque - para não dizer derrubou - as instituições sociais e políticas profundamente enraizadas. Qualquer que seja a área, a tecnologia exerce um grande impacto: na posição da mulher dentro da sociedade, no trabalho, nos trabalhadores, na educação, na mobilidade social, nas operações militares. Sendo assim, a tecnologia moderna das sociedades não ocidentais exige corte radical com a tradição cultural e social, e produz uma crise fundamental na sociedade. A forma como o mundo não ocidental lidará com esta crise, determinará, em grande parte, na história do final do século vinte e início do século vinte e um - inclusive se ainda haverá uma história humana. Mas, a menos que a humanidade desapareça por completo da face da Terra, a civilização humana será irrevogavelmente, uma civilização tecnológica.


O homem se direciona para um ambiente fabricado pelo homem


Em mil novecentos e sessenta e cinco, o número de pessoas vivento da terra nos EUA havia diminuído para um em vinte. O homem se tornou um habitante da cidade. Ao mesmo tempo, na cidade o trabalho é cada vez mais mental e menos material. o homem do século vinte, portanto, saiu de um ambiente essencialmente rural para um ambiente - as grandes cidades e o trabalho com conhecimento técnico - fabricado pelo homem. o agente desta mudança foi, evidentemente, a tecnologia.


A tecnologia, conforme mencionado anteriormente, está por trás da mudança do trabalho manual para o trabalho mental. Explica o grande aumento da produtividade na agricultura. Em países tecnologicamente desenvolvidos, como os EUA ou os países da Europa ocidental, a tecnologia possibilitou que os agricultores produzissem, em pedaços menores de terra, cerca de quinze vezes mais do que seus antepassados no ano mil e oitocentos e aproximadamente dez vezes mais do que os agricultores do ano mil e novecentos. Ou seja, graças á tecnologia, o homem pôde cortar suas raízes na terra e se tornar um cidadão urbano.


Aliás, a urbanização passou a ser considerada o índice de desenvolvimento econômico e social de um país. Nos EUA e nos países altamente industrializados da Europa ocidental, mais de três quartos da população vivem nos grandes centros urbanos e em suas periferias. Um país como a antiga União Soviética ( atual Federação Russa ), em que metade de seu povo ainda precisava trabalhar na terra para conseguir subsistir ( com dados dos anos sessenta ), e, por mais desenvolvido que seja em termos industriais, um país subdesenvolvido, à época.


A cidade grande constitui, porém, não apenas o centro da tecnologia moderna, mas uma de suas criações. A mudança da força animal para a força mecânica, sobretudo a energia elétrica ( que não depende de terras pastoris ), possibilitou a concentração de grandes instalações produtivas em uma única área. Materiais e métodos de construção modernos possibilitam abrigar e abastecer grandes populações em pequenos locais. No entanto, o pré-requisito mais importante de uma cidade grande moderna talvez sejam as comunicações - o núcleo de uma cidade e a principal razão de sua existência. A mudança no tipo de trabalho que uma sociedade tecnológica requer é outro importante motivo para o rápido crescimento das grandes metrópoles. Uma sociedade moderna requer que um número quase infinito de especialistas de diversas áreas seja facilmente acessível e economicamente viável para novos trabalhos. Empresas e repartições públicas se mudam para cidades onde possam encontrar os advogados, contadores, publicitários, artistas, engenheiros, médicos, cientistas e outros profissionais de que precisam. Estes profissionais qualificados, por sua vez, se mudam para as grandes cidades atrás de possíveis empregadores e clientes.


Há cem anos, o homem dependia da natureza, e a principal ameaça ao trabalho eram catástrofes naturais, tempestades, enchentes ou terremotos. Hoje em dia, depende-se da tecnologia, e as maiores ameaças contra o homem são os colapsos tecnológicos. As maiores cidades do mundo se tornariam inabitáveis em quarenta e oito horas se fossem interrompido o abastecimento de água ou o sistema de esgoto parasse de funcionar. O homem, habitante da cidade, é cada vez mais dependente da tecnologia. O habitat já não é o ambiente natural de ventos e chuvas, solo e terra, mas um meio ambiente fabricado. A natureza deixou de ser uma experiência  imediata. As criança de Nova Iorque vão ao zoológico do Bronx para ver uma vaca. Enquanto há cem anos uma curtição rara para maioria dos americanos era fazer uma viagem à cidade-mercado mais próxima, a maioria das pessoas dos países tecnologicamente desenvolvidos de hoje procura voltar à natureza nas férias.


A tecnologia moderna e o horizonte humano


Uma antiga sabedoria - mais antiga que os gregos - afirmava que uma comunidade limitava-se à área em que as notícias pudessem se espalhar do nascer do sol ao ocaso. Isto dava a uma comunidade o diâmetro de uns oitenta quilômetros mais ou menos. Apesar de cada império - o império persa, o império romano, o império chinês e o império inca - ter tentado expandir esta distância construindo estradas e organizando serviços com entrega acelerada, os limites do horizonte até o final do século dezenove permaneceram inalterados e restritos à distância que se podia percorrer a pé ou a cavalo durante um dia.


Em mil e novecentos, já havia mudanças significativas. As estradas de ferro estenderam o limite da viagem de um dia a cerca de mil quilômetros ou mais - a distância entre Nova Iorque e Chicago ou entre Paris e Berlin. Além disto, pela primeira vez, as notícias passaram a independer do transporte humano, graças ao telégrafo, que transmitia informações a qualquer lugar do mundo quasse imediatamente. Não é por acaso que um dos livros de ficção tecnológica mais conhecidos até hoje seja o livro de Júlio Verne, A volta ao mundo em oitenta dias, pois a vitória sobre a distância talvez represente uma das maiores dádivas que a tecnologia moderna trouxe ao homem.


Hoje em dia, o mundo inteiro é uma comunidade, se for considerado o antigo parâmetro de um dia de viagem. O avião a jato pode chegar, em menos de vinte e quatro horas, a praticamente qualquer aeroporto do planeta. E, ao contrário de outras épocas, o homem comum de hoje pode viajar, e viaja de um lado par ao outro sem se restringir ao pequeno povoado onde nasceu. O automóvel deu a quase todo mundo o poder da mobilidade, e, junto com a capacidade física de se locomover, surgem novos panoramas mentais e ovas condições sociais. A revolução tecnológica na agricultura americana começou de verdade quado os agricultores adquiriram rodas, tornando-se imediatamente móveis, também, em seus hábitos mentais, com acesso a novas ideias e técnicas. O início do movimento pelos direitos civis dos negros o sul dos EUA se deu com o carro usado. Dentro de um Modelo T, um negro era tão poderoso quanto qualquer homem branco, e semelhante a ele. Da mesma forma, os trabalhadores índios nas plantações de cana de açúcar do Peru que aprenderam a dirigir caminhões não precisaram mais se sujeitar aos gerentes brancos por terem adquirido o novo poder da mobilidade, um poder maior do que os reis mais poderosos de antigamente poderiam imaginar. Não é de se espantar que todo jovem sonhe em ter o próprio carro. A mobilidade sobre quatro rodas é um verdadeiro símbolo da liberdade em relação às amarras da autoridade tradicional.


Notícias, dados, informações, e imagens tornaram-se ainda mais móveis do que as pessoas porque viajam em tempo real, isto é, chegam praticamente ao mesmo tempo em que acontecem. Tornaram-se, além disto, mundialmente acessíveis. Qualquer pessoa com um pequeno radinho de pilha pode ouvir, em seu próprio idioma, notícias sobre as maiores capitais do mundo. A televisão e o cinema apresentam o mundo em todos os lugares, como experiência imediata. E extrapolando os limites do próprio planeta, as última décadas o horizonte do homem expandiu-se ao espaço sideral. A tecnologia do século vinte, portanto, não levou os seres humanos apenas a um mundo maior. Levou-os a um mundo diferente.


A tecnologia e o homem


Neste mundo diferente, a própria tecnologia é vista de maneira diferente. Sabe-se de sua importância na vida cotidiana e, aliás, na vida e todos os seres humanos ao longo da história. Está sendo percebido aos poucos que as grandes questões da tecnologia não são técnicas, mas humanas, e que é fundamental conhecer a história e a evolução da tenologia para compreender a história. Além disto, está cada vez mais claro que, se a história não for compreendida, o desenvolvimento e a dinâmica da tecnologia, nunca forem dominados, nunca serão dominados a civilização tecnológica contemporânea. Ao contrário, o homem será dominado por ela.


O otimismo ingênuo de mil e novecentos, quando se esperava de certa forma que a tecnologia criasse o paraíso na Terra, seria compartilhado por poucas pessoas hoje em dia. A maioria também perguntaria: o que a tecnologia faz com o homem além de para ele? porque é evidente que a tecnologia, afora os benefícios, também causa problemas e perigos. Primeiro, o desenvolvimento econômico baseado na tecnologia carrega a promessa de acabar com a pobreza em grande parte do mundo. Mas existe também o perigo de um guerra total que levaria à destruição de tudo. E a única maneira conhecida de controlar este perigo é manter, em tempos de paz, um nível de armamento nos principais países industriais maior do que qualquer outra nação já manteve. Dá para ver que isto não resolve o problema. Além disto, a tecnologia moderna relacionada à saúde pública - sobretudo os inseticidas - aumentou consideravelmente a expectativa de vida da humanidade. No entanto, como as taxas de natalidade nos países subdesenvolvidos permanecem altas coo ante se os índices de mortalidade caíram, as nações pobres do mundo se veem ameaçados pela explosão demográfica, que não só consome todos os frutos do desenvolvimento econômico, como também pode gerar mais fome no mundo e novas epidemias. No governo, a tecnologia e a economia modernas encontradas inviabilizaram o Estado nacional como modelo. Mesmo a Grã-Bretanha, com cinquenta milhões de habitantes, nas últimas décadas mostrou-se incapaz de subsistir e prosperar como nação economicamente independente com base em sua própria produção e mercado. O nacionalismo ainda é a força política predominante, como comprova o desenvolvimento de novas nações na Ásia e na África. Entretanto, a revolução no setor de transportes e comunicação tornou as fronteiras nacionais um anacronismo, pois não são respeitadas nem pelos aviões nem pelas ondas eletrônicas.


As metrópoles tornaram-se o habitat do homem moderno. Contudo, por mais paradoxal que possa parecer, não se sabe como torná-las habitáveis. É preciso efetivar instituições políticas para governá-las. A decadência urbana e os engarrafamentos, a superpopulação e a criminalidade, a delinquência juvenil e a solidão são fatores endêmicos em toda as grandes cidades modernas. Ninguém em são consciência afirmaria que uma cidade moderna atual oferece um ambiente esteticamente satisfatório. o afastamento do contato direto com a natureza no trabalho do solo e com materiais permitiu ao homem viver muito melhor. No entanto, a mudança tecnológica em si parece ter adquirido tanta velocidade que acabou privando o homem das referências culturais e psicológicas de que o homem precisa.


Os críticos da tecnologia e os dissidentes do otimismo em mil e novecentos eram vozes solitárias. O desencantamento em relação à tecnologia não se tornou  manifesto até depois da Primeira Guerra Mundial, na Grande Depressão. A primeira grande crítica surgiu no romance Admirável mundo novo, do escritor inglês Aldous Huxley ( que viveu entre mil oitocentos e noventa e quatro e mil novecentos e sessenta e três ), publicado em mil novecentos e trinta e dois, bem no início da Depressão. Em seu livro, Huxley descrevia a sociedade de um futuro próximo em que a tecnologia havia dominado a humanidade, e o homem, por sua vez, tornara-se seu escravo abjeto, sem privações físicas, sem saber o que é pobreza ou dor, mas também sem liberdade, beleza ou criatividade - sem vida pessoal. Cinco anos depois, o ator mais popular da época, o grande Charles Chaplin ( nascido em mil oitocentos e oitenta e nove ), resolveu transmitir a mesma ideia no filme Tempo Modernos, que retratava o homem comum como a vítima desafortunada e importante de uma tecnologia desumanizada. Estes dois artistas disseram tudo: só ao renunciar completamente à civilização moderna o homem pode sobreviver como indivíduo. Este tema tem sido recorrente desde então e cada vez com mais força. Os pessimistas de hoje, todavia sofrem de uma espécie de desilusão amorosa: a sociedade feliz do passado pré-industrial que invocaram nunca existiu. No final do século treze, Gengis Khan e seus mongóis, cujos ataques abarcaram uma área que ia da China á Europa central, mataram a mesma quantidade de pessoas - numa proporção muito maior, por conta de uma população muito menor - que as duas guerras mundiais e Hitler juntos, embora sua única tecnologia fosse o arco e a flecha.


Por mais justificada que seja a tese de Huxley e Charlie Chaplin, ela é estéril. O repúdio à tecnologia que eles defendiam evidentemente não é a resposta. A única alternativa positiva á destruição pela tecnologia é fazer a tecnologia trabalhar para o homem. Em última instância, isto certamente significa o domínio do homem sobre si mesmo porque, se o homem tiver de culpar alguma coisa, não será a ferramenta, mas o fabricante e o usuário. Pobre do marceneiro que culpa suas ferramentas - diz uma antigo provérbio. foi ingenuidade dos otimistas do século dezenove esperar que as ferramentas lhe trouxessem o paraíso, assim, como foi ingenuidade dos pessimistas do século vinte culpar as ferramentas por antigas deficiências do homem, como cegueira, crueldade, imaturidade, cobiça e orgulho.


Por outro lado, melhores ferramentas requerem melhores marceneiros, mais qualificados e cuidadosos. Em suma, o maior impacto da tecnologia sobre o homem e a sociedade do século vinte, pelo próprio domínio da natureza foi deixar o homem cara a cara com seu maior e mais antigo desafio: ele mesmo. Outras informações podem ser obtidas no livro Tecnologia, administração e sociedade; de autoria de Peter F. Drucker.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/tecnologia-melhores-ferramentas-requerem-melhores-operadores-mais-qualificados-e-cuidadosos e


https://cesarsantana.com.br/2020/12/16/melhores-ferramentas-melhores-operadores-mais-implementados-e-cuidadosos/ .          

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