terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Inovação: a abordagem sistêmica em seus primeiros passos

A atividade tecnológica durante o século vinte mudou em relação a sua estrutura, métodos e abrangência. É esta mudança qualitativa que explica, mais do que o grande aumento no volume de trabalho, o surgimento da tecnologia no século vinte como peça central em termos de guerra e de paz, e sua capacidade de refazer, em poucas décadas, o estilo de vida do homem em todo o globo terrestre.


Esta mudança completa n natureza do trabalho tecnológico durante o século vinte possui três aspectos independentes, mas intimamente relacionados: 


1 ) mudanças estruturais - profissionalização, especialização e institucionalização do trabalho tecnológico; 


2 ) mudança de métodos - a nova relação entre tecnológica e ciência e o novo conceito de inovação; e 


3 ) a abordagem sistemática.


Cada tópico destes é um aspecto da mesma tendência. A tecnologia tornou-se algo inédito: uma disciplina organizada e sistemática.


A estrutura do trabalho tecnológico


Ao longo do século dezenove, a atividade tecnológica, apesar do enorme sucesso, ainda era, do ponto de vista estrutural, quase igual ao que havia sido durante séculos: uma arte manual, praticada por alguns poucos indivíduos, geralmente trabalhando sozinhos, sem educação formal. Mais ou menos na metade do século vinte, a atividade tecnológica passou a ser um ofício totalmente profissional, baseado, geralmente, em formação universitária. Tornou-se um trabalho especializado, em grande parte realizado em instituições especiais - os laboratórios de pesquisa, sobretudo os laboratórios de pesquisa industriais - , dedicadas exclusivamente à inovação industrial.


Cada uma destas mudanças merece uma breve discussão. Para início de conversa, poucos tecnólogos importantes do século dezenove tiveram educação formal. O inventor típico era um mecânico que começava seu aprendizado aos quatorze anos ( ou mais cedo ). Os poucos que haviam cursado a faculdade, de modo geral, não foram treinados em tecnologia ou ciência. Eram alunos de artes, com treinamento básico clássico. Eli Whitney ( que viveu entre mil setecentos e sessenta e cinco e mil oitocentos e vinte e cinco ) e Samuel Morse ( que viveu entre mil setecentos e noventa e um e mil oitocentos e setenta e dois ), formados em Yale, são bons exemplos. Evidentemente, havia exceções, como o oficial de engenharia prussiano Werner von Siemens ( que vivem entre mil oitocentos e dezesseis e mil oitocentos e noventa e dois ), que se tornou um dos primeiros fundadores da indústria elétrica; os pioneiros da indústria química moderna, como o inglês William Perkins ( que viveu entre mil oitocentos e trinta e oito e mil novecentos e sete ) e o anglo-germânico Ludwig Mond ( que viveu entre mil oitocentos e trinta e nove e mi novecentos e nove ). De modo geral, porém, a invenção tecnológica e o desenvolvimento das indústrias com base em novo conhecimento estavam nas mãos de artífices com pouca educação científica, mas grande talento mecânico. Estes homens se consideravam mecânicos e inventores, não engenheiros ou químicos, muito menos cientistas.


O século dezenove também foi a era da construção de universidades técnicas. De todas as grandes instituições técnicas de ensino superior, apenas uma, a École Poltechnique em Paris, antecede esta data: foi fundada no final do século dezoito. Em mil novecentos e um, porém quando o California Institute of Technology em Pasadena abriu sua primeira turma, praticamente todas as principais universidades técnicas do mundo ocidental dos dias de hoje já existiam. Ainda assim, nas primeiras décadas do século vinte, o progresso técnico era impulsionado pela técnica autodidata, sem formação científica ou técnica específica. Nem Henry Ford ( que viveu entre mil oitocentos e sessenta e três e mil novecentos e quarenta e sete ) nem os irmãos Wright ( Wilbur, que viveu entre mil oitocentos e sessenta e sete e mil novecentos e doze; Orville, que viveu entre mil oitocentos e setenta e um e mil novecentos e quarenta e oito ) fizeram faculdade.


O homem com formação técnica universitária começou a assumir a liderança nos anos próximos à Primeira Guerra Mundial, e, na época da Segunda Guerra Mundial, a mudança já ocorrera por completo. O trabalho tecnológico desde mil novecentos e quarenta era realizado, basicamente, por homens com formação universitária específica para tal trabalho. Esta formação tornou-se quase um pré-requisito para o trabalho tecnológico. Aliás, desde a Segunda Guerra Mundial, boa parte dos homens que construíram empresas em torno da nova tecnologia eram professores de física, química ou engenharia, assim como a maioria dos homens que converteram o computador num produto vendável.


O trabalho tecnológico, portanto, passou a ser uma profissão. O inventor virou engenheiro; o artífice, um profissional. Em parte, isto é apenas um reflexo do aumento de todo o nível educacional do mundo ocidental durante os últimos duzentos anos. O engenheiro ou químico com treinamento universitário no mundo ocidental de hoje não é mais preparado, considerando-se o padrão relativo de sua sociedade, do que o artífice do ano mil e oitocentos ( que, numa sociedade quase iletrada, sabia ler e escrever ). A sociedade inteira - não apenas a tecnológica - tornou-se oficialmente educada e profissionalizada. Mas a profissionalização do trabalho é importante, que ele requer uma base firme de conhecimento científico e muito mais pessoas capacitadas do que o talento natural podia produzir.


O trabalho tecnológico também se tornou cada vez mais especializado durante o século vinte. Charles Franklin Kettering ( que viveu entre mil oitocentos  e setenta e seis e mil novecentos e cinquenta e oito ), o gênio criativo da General Motors Company ( GMC ), por trinta anos diretor da General Motors Research Corporation ( GMRC ), representa o típico inventor do século dezenove, especializado em invenção, não em eletrônica, química ou automobilismo. Em mil novecentos e onze, Ketterint ajudou a inventar o arranque automático, permitindo que leigos ( sobretudo as mulheres ) pudessem dirigir um automóvel. Concluiu sua longa carreira no final da década de mil novecentos e trinta com a conversão do motor a diesel, pesado, pouco econômico e inflexível num sistema de propulsão relativamente leve, flexível e econômico, cujo uso se tornou padrão nos caminhões pesados e nas locomotivas. Neste meio-atempo, ainda desenvolveu um composto refrigerador não tóxico que possibilitou a refrigeração doméstica e industrial; e o chumbo tetraetila, que impede a autoignição interna de motores de explosão usado no combustível de alta octanagem, aumentando o desempenho dos motores de automóveis e aviões.


Esta prática de ser inventor caracterizou o tecnólogo do século dezenove também. Edison e Siemens, na indústria elétrica, consideravam-se especialistas em invenção, assim como o pai da química orgânica, o alemão Justus von Liebig ( que viveu entre mil oitocentos e três e mil oitocentos e setenta e três ). hoje em dua, encontra-se menos exemplos de pessoas com interesses e realizações fora do comum, para não dizer não profissionais. George Westinghouse ( que viveu entre mil oitocentos e quarenta e seis e mil novecentos e quatorze ) foi responsável por importantes patentes relacionadas à máquina a vapor vertical de alta velocidade; á geração, transformação e transmissão de corrente alternada; e ao primeiro freio automático eficaz para trens. O alemão Emile Berliner ( que viveu entre mil oitocentos e cinquenta e um e mil novecentos e vinte e nove ) contribuiu fortemente para o advento da primeira tecnologia de telefone e fonógrafo, e também engendrou um dos primeiros modelos de helicópteros. E houve outros.


Este tipo de inventor ainda não desapareceu - muitos homens hoje em dia trabalham como Edison, Siemens e Liebig trabalharam há um século e meio. Edwin H. Land ( que nasceu em mil novecentos e nove ), famoso pela Polaroid, deixou a faculdade para desenvolver vidro polarizador, e seu trabalho inclui desde o projeto de câmeras até mísseis, passando pela óptica, teoria da visão e química coloidal. Land descreve a si mesmo como inventor em Who's Who in America. Mas estes homens que se dedicam à ciência aplicada e à tecnologia não são, como no século dezenove, o centro da atividade tecnológica. Ao contrário, são especialistas que trabalham em uma única área, cada vez mais específica - desenvolvimento de circuitos eletrônicos, troca de calor ou química de polímeros de alta densidade, por exemplo.


Esta profissionalização e especialização foram viabilizadas pela institucionalização do trabalho nos laboratórios de pesquisa. O laboratório de pesquisa - principalmente o laboratório de pesquisa industrial - tornou-se a base do avanço tecnológico do século vinte. A nova tecnologia surge daí, não de indivíduos isolados. O trabalho tecnológico, cada vez mais, é um esforço de equipe. o conhecimento de grande número de especialistas é direcionado a um problema comum e a um resultado tecnológico conjunto.


No século dezenove, o laboratório era o lugar onde se realizavam os trabalhos que requeriam conhecimento técnico além da mecânica habitual. Na indústria, as principais funções do laboratório eram a engenharia de planta. As pesquisas eram realizadas como atividade paralela, quando muito. De modo semelhante, o laboratório do governo durante o século dezenove era essencialmente um lugar de teste, e todos os grandes laboratórios governamentais do mundo hoje em dia ( como o Gabinete Nacional de Normas - GNN - , em Washington ) foram fundados com este propósito. nas universidades do século dezenove, o laboratório era utilizado, basicamente, para ensino, não para pesquisa.


O laboratório de pesquisa atual tem sua origem na indústria química alemã. A rápida ascensão desta indústria a partir de mil oitocentos e setenta deve-se diretamente à aplicação da ciência na produção industrial, uma novidade na época. No entanto, aqueles laboratórios químicos alemães foram criados, em princípio, para engenharia de testes e processos. Só a partir do ano mil e novecentos é que sua principal função passou a ser pesquisa. O ponto de virada veio com o advento da aspirina - a primeira droga puramente sintética - , criada por Adolf von Baeyer ( que viveu entre mil oitocentos e trinta e cinco e mil novecentos e dezessete ) em mil oitocentos e noventa e nove. o sucesso mundial da aspirina em poucos anos convenceu a indústria química do valor do trabalho dedicado somente à pesquisa.


O famoso laboratório de Even Edison, em Menlo Park, Nova Jersei - o centro de pesquisa mais produtivo de toda a história das descobertas e inovações tecnológicas - não era o que se poderia chamar de laboratório de pesquisa moderno. Embora voltado exclusivamente para pesquisas, como no caso dos laboratórios de pesquisa modernos, Menlo Park ainda representava a oficina de um inventor solitário, não o esforço conjunto que caracteriza os laboratórios de pesquisa industrial ou universitários de hoje. Quase todos os assistentes de Edison acabaram, por mérito próprio, sendo inventores bem-sucedidos - por exemplo, Frank J. Sprague ( que viveu entre mil oitocentos e cinquenta e sete e mil novecentos e trinta e quatro ), criador do primeiro bonde elétrico. Mas eles só se tornaram tecnólogos produtivos depois de deixar o trabalho com Edison em Menlo Park. Enquanto estavam lá, eram apenas ótimos ajudantes.


Após a virada do século dezenove para o século vinte, começaram a surgir novos laboratórios de pesquisa nos dois lados do Atlântico. A indústria química alemã logo construiu grandes laboratórios que ajudaram a Alemanha a conquistar o monopólio do mercado de tinturas, produtos farmacêuticos e outros compostos orgânicos antes da Primeira Guerra Mundial. Na Alemanha também, pouco depois do ano mil e novecentos, foram encontrados os grandes laboratórios de pesquisa governamental da Sociedade Kaiser Wilhelm ( atual sociedade   Max Planck ), onde cientistas de renome e suas equipes, livres de qualquer obrigação de ensino, podiam se dedicar inteiramente à pesquisa. No lado de ocidental do oceano Atlântico, C.P. Steinmetz ( que viveu entre mil oitocentos e sessenta e cinco e mil novecentos e vinte e três ) começou a construir, mais ou menos na mesma época, o primeiro laboratório de pesquisa da General Electric Company ( GE ), em Schenectady. Steinmetz sabia que o que estava fazendo, talvez ainda mais do que os alemães, e o padrão que estabeleceu para o Laboratório de Pesquisa ( LP ) da GE é, de modo geral, o mais seguido pelos grandes centros de pesquisa industrial e governamental até hoje.


A essência do laboratório de pesquisa moderno não é o tamanho. Existem laboratórios muito grandes, que trabalham para o governo ou para grandes empresas, e também diversos laboratórios de pesquisa pequenos, como menos tecnólogos e cientistas do que os laboratórios do século dezenove. Aparentemente, não há uma relação entre o tamanho do laboratório e os resultados. O que distingue um laboratório de pesquisa atual dos anteriores é, primeiro, o interesse exclusivo em pesquisa, descobertas e inovações; segundo, o laboratório de pesquisa congrega pessoas de várias áreas, cada uma com um conhecimento específico; terceiro, o laboratório de pesquisa incorpora novas metodologias de trabalho tecnológico baseadas diretamente na aplicação sistemática da ciência da tecnologia.


Um ponto forte do laboratório de pesquisa é sua capacidade de ser tanto especialista quanto generalista, permitindo que um indivíduo trabalhe sozinho ou em equipe. Vários ganhadores do prêmio Nobel realizaram seu trabalho de pesquisa em laboratórios industriais como os da Bell Telephone System ou da GE. De modo similar, o náilon ( em mil novecentos e trinta e sete ), um dos primeiros constituintes da indústria do plástico atual, foi desenvolvido por W.H. Carothers ( que viveu entre mil oitocentos e noventa e seis e mil novecentos e trinta e sete ) trabalhando sozinho no laboratório da DuPont na década de trinta. O laboratório de pesquisa facilita o acesso ao conhecimento e aos meios de trabalho, permitindo o aprimoramento profissional no nível individual, ao mesmo tempo que possibilita o trabalho em equipe voltado para a realização de uma tarefa específica, criando um grupo com uma gama de conhecimento e habilidades muito maior do que a que um indivíduo isolado, por mais capacitado que seja, pode adquirir durante a vida.


Antes da Primeira Guerra Mundial, havia pouquíssimos laboratórios de pesquisa. Entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, o laboratório de pesquisa tornou-se padrão numa série de indústrias, sobretudo a química, a farmacêutica, a elétrica e a eletrônica. Desde a Segunda Guerra Mundial, as atividades de pesquisa passaram a ser uma necessidade, tanto na indústria quanto em fábricas, e elemento fundamental, tato em seu próprio campo quanto em outras áreas, como as forças armadas e os hospitais, por exemplo.


Os métodos de trabalho tecnológico


Paralelamente às mudanças na estrutura do trabalho tecnológico ocorreram mudanças na abordagem e nos métodos básicos de trabalho. A tecnologia passou a basear-se na ciência, valendo-se da pesquisa sistemática. E o que antes era invenção, hoje em dia é inovação.


Historicamente, a relação entre ciência e tecnologia sempre foi complexa e ainda não foi totalmente explorada ou compreendida. Mas os cientistas, até o final do século dezenove, salvo raras exceções, davam pouca importância à aplicação de seu novo conhecimento científico e mesmo ainda ao trabalho tecnológico necessário para que este conhecimento pudesse ser aplicado. De modo semelhante, os tecnólogos, até há bem pouco tempo, quase não tinham contato com os cientistas, e não consideravam suas descobertas como algo importante para o trabalho tecnológico. Evidentemente, a ciência exigia sua própria tecnologia - uma tecnologia bastante avançada, por sinal, uma vez que, ao longo de todo o progresso da ciência, dependeu do desenvolvimento de instrumentos científicos. Mas os avanços tecnológicos produzidos pelos fabricantes de instrumentos científicos, em regra, não abarcaram outras áreas e não levaram à criação de novos produtos para o consumidor ou de novos processos para o artesão e a indústria. o primeiro fabricante de instrumentos a ganhar importância do campo científico foi James Watt, o inventor da máquina a vapor.


Passaram-se mais de cem anos até os cientistas começarem a se interessar pelo desenvolvimento e aplicação tecnológica de suas descobertas. Isto foi por volta de mil oitocentos e cinquenta. o primeiro cientista a se destacar na sua área da tecnologia foi Justus von Liebig. Liebig, em meados do século dezenove, desenvolveu o primeiro fertilizante sintético - e também um extrato de carne ( ainda vendido em toda a Europa com o seu nome ) - que era, até o advento da refrigeração na década de mil oitocentos  e oitenta, a única forma de armazenar e transportar proteínas animais. Em mil oitocentos e cinquenta e seis, Sir. William H. Perkins, na Inglaterra, conseguiu isolar, quase por acaso, a primeira tintura feita de anilina, e imediatamente montou um negócio químico com base em sua descoberta. Desde então, o trabalho tecnológico na indústria química baseia-se na ciência.


Por volta de mil oitocentos e cinquenta, a ciência começou a influenciar outra tecnologia nova - a engenharia elétrica. Os grandes físicos que contribuíram para o conhecimento científico da eletricidade durante o século dezenove não estavam, eles mesmos, empenhados em aplicar este conhecimento a produtos e processos, mas os maiores tecnólogos da eletricidade do século deram continuidade ao trabalho deles. Siemens e Edison sabiam tudo a respeito da trabalho de físicos como Michael Faraday ( que viveu entre mil setecentos e noventa e um e mil  oitocentos e sessenta e sete ) e Joseph Henry ( que viveu entre mil setecentos e noventa e sete e mil oitocentos e setenta e oito ). Alexander Graham Bell ( que viveu entre mil oitocentos e quarenta e sete e mil novecentos e vinte e dois ) foi incentivado a trabalhar na criação do telefone graças às pesquisas sobre reprodução do som, condizidas por Hermann von Helmholtz ( que viveu entre mil oitocentos e vinte e um e mil oitocentos e noventa e quatro ). Gubglielmo Marconi ( que viveu entre mil oitocentos e setenta e quatro e mil novecentos e trinta e sete ) desenvolveu o rádio com base na confirmação experimental da teoria da propagação de ondas eletromagnéticas de Heinrich Kertz ( que viveu entre mil oitocentos e cinquenta e sete e mil oitocentos e noventa e quatro ). E assim por diante. Desde o início, portanto, a tecnologia elétrica esteve intimamente vinculada à ciência física da eletricidade.


De modo geral, porém, a relação entre o trabalho científico e sua aplicação tecnológica, que hoje em dia se considera óbvia, não se consolidou até depois da virada do século dezenove para o século vinte. Como mencionado, os inventos modernos como o automóvel e o avião beneficiaram-se pouco do trabalho científico puramente teórico dos anos de formação. Foi a Primeira Guerra Mundial que instaurou a mudança: nos países beligerantes, os cientistas foram mobilizados, e então a indústria descobriu o enorme poder da ciência de desencadear ideias e apresentar soluções tecnológicas. Foi nesta época também que os cientistas descobriram o desafio dos problemas tecnológicos.


Hoje em dia, o trabalho tecnológico baseia-se, sobretudo, na iniciativa científica. Aliás, grande parte dos laboratórios de pesquisa industrial dedica-se ao puro trabalho de pesquisa, isto é trabalho voltado exclusivamente para novos conhecimentos teóricos, não para a aplicação do conhecimento. É raro que um laboratório comece um novo projeto tecnológico sem um estudo de base científica, mesmo quando não está buscando novos conhecimentos em si. Ao mesmo tempo, os resultados da investigação científica quanto às propriedades da natureza - no campo da física, química, biotecnologia, geologia ou qualquer outra ciência - são imediatamente analisados por milhares de cientistas aplicados e tecnólogos para averiguar sua possível aplicação na tecnologia.


A tecnologia, portanto, não é a aplicação da ciência a produtos e processos, como se costuma afirmar. Na melhor das hipóteses, esta é uma simplificação da verdade. Em algumas áreas - por exemplo, a química de polímeros, a de produtos farmacêuticos, energia atômica, exploração espacial e computadores - , a linha que divide a pesquisa científica e a tecnologia é bem sutil. Um cientista que se depara como novos conhecimento básicos e um tecnólogo que desenvolve processos e produtos específicos são exatamente a mesma pessoa. Em outras áreas, contudo, os esforços produtivos ainda estão voltados para problemas puramente tecnológicos e têm pouca conexão com a ciência. na concepção de equipamentos mecânicos - máquinas operatrizes, maquinaria têxtil, prensas tipográficas etc. -, as descobertas científicas geralmente desempenham uma papel ínfimo. Não encontram-se cientistas no laboratório de pesquisa. Mais importante do que isto é o fato de que a ciência, mesmo onde possui muita relevância, representa apenas o ponto de partida para o trabalho tecnológico. A maior do trabalho em novos produtos e processos acontece muito tempo depois da contribuição científica. O know-how, contribuição do tecnólogo, geralmente demanda muito mais tempo e energia do que praticidade do cientista. No entanto, embora não substitua a tecnologia atual, a ciência é a base e seu ponto de partida.


Apesar de se saber hoje em dia que a tecnologia baseia-se na ciência, pouca gente ( exceto os tecnólogos ) se dá conta de que a tecnologia tornou-se, por mérito próprio, uma espécie de ciência no século vinte: tornou-se pesquisa  - uma disciplina á parte, com métodos específicos.


A tecnologia do século dezenove era invenção - não organizada, não sistemática. Era, conforme definido por leis e patentes, agora com duzentos anos, resultado de um momento de insight. Evidentemente, era necessário muito trabalho, às vezes por décadas, para converter este momento em algo que funcionasse e pudesse ser usado. Mas ninguém sabia como fazer o trabalho, como organizá-lo ou o que esperar dele. O ponto de virada, provavelmente, foi o trabalho de Edison com a lâmpada elétrica, em mil oitocentos e setenta e nove. Como seu biógrafo, Matthew Josephson, lembra, Edison não pretendia realizar uma pesquisa organizada. Ele acabou sendo levado a isto pelo fracasso no desenvolvimento de uma iluminação elétrica viável resultante de um flash de gênio. Edison se viu forçado a trabalhar nas especificações da solução necessária, explicitando, de modo bastante detalhado, os passos a serem dados e testando sistematicamente mil e seiscentos materiais diferentes para encontrar um que pudesse ser utilizado como elemento incandescente para a Lâmpada que tentava desenvolver. Na verdade, Edison descobriu que teria de fazer avanços em três grandes frentes tecnológicas de uma vez para conseguir a iluminação elétrica que buscava. Precisava de uma fonte de energia elétrica que produzisse uma voltagem equilibrada de magnitude constante; de vácuo num pequeno recipiente de vidro; e de um filamento que ardesse sem queimar imediatamente. O trabalho que Edison esperava terminar sozinho em algumas semanas levou um ano inteiro com a ajuda de grande número de assistentes capacitados, isto é, uma equipe de pesquisa.


Ocorreram muitos aprimoramentos nos métodos de pesquisa desde os experimentos de Edison. Em vez de testar mil e seiscentos materiais diferentes, hoje em dia o mais provável é valer-se de cálculos matemáticos e análises conceituais para diminuir o número de opções ( o que nem sempre funciona; nas pesquisas atuais sobre câncer, por exemplo, estão sendo testadas mais de sessenta mil substâncias químicas para possível tratamento terapêutico ). Talvez as maiores melhorias tenham ocorrido da administração de equipes de pesquisa. Em mil oitocentos e setenta e nove, um trabalho em equipe como aquele era algo inédito, e Edison teve de improvisar no decorrer do processo, mas foi capaz de detectar os elementos básicos da pesquisa:


1) a definição da necessidade - no caso de Edison, um sistema confiável e econômico para converter a eletricidade em luz;


2) uma meta objetiva - um recipiente transparente em que a resistência à corrente elétrica aqueceria uma substância, produzindo incandescência;


3) a identificação das etapas de trabalho e dos elementos a serem desenvolvidos - no caso em questão a energia elétrica, o recipiente e o filamento;


4) feedback constante em relação aos resultados do trabalho planejado - por exemplo, ao descobrir que precisava de um vácuo maior em vez de gás inerte como meio para o filamento, Edison mudou totalmente o rumo de sua pesquisa quanto ao recipiente e


5) a organização do trabalho em equipes, de modo que cada uma ficasse responsável por uma parte.


Estes passos em conjunto constituem, até hoje, o método básico e o sistema do trabalho tecnológico. O dia vinte e um de outubro de mil oitocentos e setenta e nove, o dia em que Edison conseguiu criar uma lâmpada elétrica que ficasse acessa mais dos que alguns minutos, portanto, não é só o dia do nascimento da luz elétrica. Marca também o surgimento da pesquisa tecnológica moderna. Não há como saber se Edison tinha total consciência do que havia realizado - e, aliás, pouca gente na época reconheceu que Edison começou a ser imitado por todos - pelos químicos e bacteriologistas alemães em seus laboratórios e pelo laboratório da GE nos EUA. Desde este momento, contudo, o trabalho tecnológico desenvolveu-se progressivamente como disciplina de pesquisa metódica em todo o mundo ocidental.


A pesquisa tecnológica, além de ter uma metodologia diferente da invenção, conduz a uma abordagem distinta, conhecida como inovação, ou à tentativa deliberada de promover, por meios tecnológicos, novas mudanças na forma de ser viver e no ambiente - a economia, a sociedade, a comunidade etc. A inovação pode começar pela definição de uma necessidade ou oportunidade, em que então leva á organização de esforços tecnológicos para atender a esta necessidade ou explorar a oportunidade. Para chegar á Lua, por exemplo, é necessário fazer grandes investimentos em nova tecnologia. Uma vez definida a necessidade, o trabalho tecnológico pode ser sistematicamente organizado para produzir esta tecnologia. Ou a inovação pode provir de novos conhecimentos científicos e de uma análise das oportunidades que ela é capaz de criar. Fibras sintéticas, como o nálion, passaram a existir na década de trinta em consequência do estudo sistemático das oportunidades oferecidas pela nova compreensão dos polímeros ( isto é, longas cadeias de moléculas orgânicas ) por parte dos cientistas químicos ( a maioria na Alemanha ) durante a Primeira Guerra Mundial.


A inovação não é um produto do século vinte. Siemens e Edison eram tanto inventores quanto inovadores. Os dois começaram com a oportunidade de criar novas indústrias de peso - a ferrovia elétrica ( Siemens ) e a iluminação elétrica ( Edison ). Ambos analisaram a a necessidade de nova tecnologia e foram atrás dela. No entanto, só no século vinte - e, em grande parte, nos laboratórios de pesquisa, com uma abordagem específica - a inovação tornou-se fundamental para o trabalho tecnológico.


Na inovação, a tecnologia é usada como meio de promover mudanças na economia, na sociedade, na educação, nas operações militares etc. Isto aumentou consideravelmente o impacto da tecnologia. Tornou-se o aríete capaz de arrombar as muralhas mais sólidas da tradição e do hábito. Deste modo, a tecnologia moderna influencia a sociedade e a cultura tradicional em países subdesenvolvidos. Mas inovações também significa que o trabalho tecnológico não é realizado somente por motivos tecnológicos, mas com finalidades não tecnológicas - econômicas, sociais ou militares.


A descoberta científica sempre foi mensurada por sua capacidade de fornecer ajuda na compreensão dos fenômenos naturais. A prova de fogo da invenção, entretanto, é técnica - de que forma ela possibilita realizar tarefas específicas. A prova de fogo da inovação é seu impacto na vida das pessoas. As inovações mais poderosas, portanto, podem acontecer sem obstruir o caminho das novas invenções tecnológicas.


Um ótimo exemplo é a primeira grande inovação do século vinte, a produção em massa, iniciada por Henry Ford entre mil novecentos e cinco e mil novecentos e dez, para produzir o Modelo T. É verdade, como já se falou tantas vezes, que a Ford não fez alguma grande contribuição à invenção tecnológica. A fábrica de produção em massa, criada e desenvolvida por Ford entre mil novecentos e cinco e mil novecentos e dez, não apresentava alguma novidade: as peças intercambiáveis já eram conhecidas desde antes de Eli Whitney, um século antes; a correia transportadora e outros meio de mover materiais já eram usados havia trinta anos ou mais, principalmente nas fábricas de embalagem de carne de Chicago. Poucos anos antes de Ford, Otto Doering utilizou - na construção da primeira grande fábrica de vendas por catálogo da Sears em Chicago, A Roebuck - praticamente todos os recursos técnicos que Ford usaria em Highland Park, Detroit, para produzir o Modelo T. O próprio henry Ford era um inventor bastante talentoso que encontrou soluções simples e elegantes para uma série de problemas técnicos - desde o desenvolvimento de novos aços de liga até a melhoria de quase todas as máquinas operatrizes utilizadas na fábrica. Mas sua contribuição foi uma inovação: uma solução técnica para o problema econômico de produzir grande número de produtos com a maior qualidade e o menor custo possível. E esta inovação teve um impacto na vida da sociedade maior do que muitas das grandes invenções técnicas do passado.


A abordagem sistemática


A produção em massa representa também uma nova dimensão à tecnologia no século vinte: a abordagem sistemática. A produção em massa não é um fator ou um conjunto de fatores. É um conceito - uma visão unificada do processo produtivo. Depende, evidentemente, de grande número de fatores, como máquinas e ferramentas, mas não parte deles. Os fatores são decorrentes da visão do sistema.


O programa espacial de hoje é outro sistema como este, cuja base conceitual é verdadeira inovação. Ao contrário da produção em massa, contudo, o programa espacial requer grande quantidade de novas invenções, assim como de novas descobertas científicas. No entanto, os conceitos científicos fundamentais por trás do programa espacial não representam alguma novidade  - resumem-se, de modo geral, à física newtoniana. O que é novo é a ideia de levar o homem ao espaço utilizando uma abordagem organizada e sistemática.


A automação é um conceito sistemático, mais parecido com a produção em massa de Ford do que como o programa espacial. Mesmo antes de cunharem o termo, já havia diversos exemplos de verdadeira automação. Qualquer refinaria de petróleo construída nos últimos setenta anos é, em essência, automatizada. Mas, enquanto alguém não vê o processo produtivo inteiro como um fluxo contínuo e controlado de materiais, não há automação. Isto gerou grande quantidade de novas atividades tecnológicas para desenvolver computadores, controles de processo para máquinas, equipamentos de movimentação de materiais etc. Mesmo assim, a tecnologia básica para automatizar grande parte dos processos industriais já existe há muito tempo. Só faltava uma abordagem sistemática para convertê-los em inovação.


A abordagem sistemática, que considera uma série de atividades e processos antes desconexos como parte de um todo maior e integrado, não é algo tecnológico em si. É, ao contrário, uma forma de enxergar o mundo e cada um a si mesmo. Deve muito á psicologia da Gestalt ( da palavra alemã configuração ou estrutura ), que demonstrou que não se vêem linhas e pontos numa pintura, mas configurações - isto é, um todo - e que não se ouvem sons isolados por tons, mas o tom e si - a configuração. E a abordagem sistemática também foi gerada pelas tendências tecnológicas do século vinte: a ligação entre a tecnologia e a ciência, o desenvolvimento da disciplina sistemática de pesquisa e inovação. A abordagem sistemática, aliás, é uma medida da recém-descoberta capacidade tecnológica. Em épocas mais remotas, visualizavam-se sistemas, mas faltam recursos tecnológicos para colocar em prática estas visões.


A abordagem sistemática também aumenta incrivelmente o poder da tecnologia. Permite que tecnólogos de hoje falem de materiais, em vez de aço, vidro, papel ou concreto, cada um com sua própria ( e antiquíssima ) tecnologia. Atualmente, considera-se o conceito genérico - materiais, que são disposições diferentes dos mesmo constituintes básicos da matéria. Deste modo, o que acontece é que há uma ocupação em concepção de materiais que não existem na natureza: fibras sintéticas, plásticos, vidros que não quebram e vidros que conduzem eletricidade etc. Cada vez mais, decidi-se primeiro o fim desejado e depois escolheu-se ou criou-se o material requirido para uso visando ao alcance dos objetivos. Definiu-se, por exemplo, as propriedades específicas desejadas num recipiente e depois decidiu-se se o melhor material para o alcance do resultado desejado é o vidro, o aço, alumínio, o papel, o plástico ou um das centenas de materiais em conjunto. é isto que significa revolução de materiais, cujas manifestações específicas são tecnológicas, mas cujas raízes encontram-se num conceito sistemático.


Esta-se, da mesma forma, à beira de uma revolução de energia atômica, energia solar, energia maremotriz etc. - , mas também com um novo conceito sistemático: energia. Mais uma vez, este conceito é resultado e grandes desenvolvimentos tecnológicos - principalmente no caso da energia nuclear - e o ponto de partida de grandes trabalhos na área. À frente, ainda incipiente, está o maior trabalho sistemático que se consegue enxergar: a exploração e o desenvolvimento sistemático dos oceanos.


A água cobre cerca de três quartos da superfície da Terra. Como a água ( ao contrário do solo ) é penetrada pelos raios de Sol a uma profundidade considerável, o processo básico da fotossíntese acontece muito mais no mar que na terra - além do fato de que cada centímetro quadrado do oceano é fértil. E a própria água do mar, assim como o fundo do mar, é rica em metais e minerais. No entanto, mesmo hoje em dia, no que se refere aos oceanos, ainda somos caçadores nômades em vez de cultivadores. Está-se no mesmo estágio inicial de desenvolvimento dos antepassados, há quase dez mil anos, quando eles começaram a cultivar a terra. Comparativamente, pequenos esforços para adquirir conhecimento a respeito dos oceanos e desenvolver tecnologia para cultivá-los deveriam, portanto, render resultados - não apenas em relação ao conhecimento, mas também à alimentação, energia e matérias-primas - muito maiores do que os que seria possível obter com a exploração das terras já exploradas dos continentes. O desenvolvimento oceânico, não a exploração espacial, deverá ser o verdadeiro objeto de estudo do século vinte e um. Por trás deste desenvolvimento estará o conceito dos oceanos como sistema, resultante de desenvolvimentos tecnológicos como o submarino, que desencadeará novos trabalhos tecnológicos como o projeto Mohole, de perfurar a crosta sólida do fundo do mar.


Existem muitas outras áreas em que a abordagem sistemática pode causar grande impacto, desencadeando importantes iniciativas tecnológicas e, por conseguinte, gerando grandes mudanças na forma de viver e na capacidade de execução. Um exemplo são as cidades modernas - uma criação, em grande parte, da tecnologia moderna.


Uma das maiores invenções do século dezenove foi a invenção em si, como já foi dito muitas vezes. A invenção está por trás do enorme desenvolvimento tecnológico dos anos entre mil oitocentos e sessenta e mil e novecentos, a a era heroica da invenção. Pode-se dizer também que a grande invenção do início do século vinte foi a inovação - a base da busca deliberada de organizar mudanças conscientes de áreas inteiras da vida que caracteriza a abordagem sistemática.


A inovação e a abordagem sistemática estão dando seus primeiros passos. Seu grande impacto, provavelmente, acontecerá mais tarde. No entanto, já se conseguiu sentir sua influência na vida, na sociedade e na visão de mundo, além das modificações profundas no mundo tecnológico e nas funções da tecnologia. Outras informações podem ser obtidas no livro Tecnologia, administração e sociedade; de autoria de Peter F. Drucker.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/inova%C3%A7%C3%A3o-a-abordagem-sist%C3%AAmica-em-seus-primeiros-passos .

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