segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Sociedade e organizações: a necessidade da coexistência de regras e de desregulamentação

"Tenho mais medo dos japoneses do que dos russos", disse um jovem advogado, sócio de um importante escritório de advocacia. "Com certeza, os russos estão afim de conquistar o mundo. Mas sua unidade é imposta de cima para baixo, e é improvável que sobreviva a um desafio. Os japoneses estão afim de conquistar os Estados Unidos da América ( EUA ), e sua unidade vem de dentro. eles agem como um superconglomerado.". Mas isto é mais mito do que realidade. Os japoneses realmente aprenderam como agir com eficácia na economia mundial e com consenso nacional por trás de suas políticas. Porém, sua unidade não resulta de um "Japão S.A.", de um monólito de pensamento e ação. Ela resulta de algo bem mais interessante e talvez bem mais importante: de políticas visando a utilizar o conflito, a diversidade, o dissenso para produzir políticas e ações eficazes.


Para qualquer japonês, o "Japão S.A." é uma piada; e não muito engraçada. Ele enxerga apenas rachaduras, e não um monólito, como vê o estrangeiro.  Em sua vida diária e no trabalho, ele vivencia mais tensões, pressões e conflitos, do que harmonia. Existe, por exemplo, uma competição intensa, ou até mesmo implacável, entre os principais bancos e entre os principais grupos industriais. Diariamente, quase todos os japoneses se envolvem pessoalmente na amarga luta interna entre facções que, ao contrário de unidade e cooperação, caracteriza as instituições japonesas: a ininterrupta guerra de guerrilha que cada ministério trava contra todos os outros ministérios; os ataques e as disputas  de facções dentro do partidos políticos e dentro do gabinete, mas também dentro de cada empresa e de cada universidade. Onde o estrangeiro vê cooperação íntima entre o governo e empresa, o empresário japonês vê uma tentativa do governo de se intrometer e de ditar regras, e um constante cabo de guerra. "Com certeza", observa o CEO de uma grande companhia, "nós puxamos a mesma corda, mas puxamos em direções opostas". O governo nem sempre é bem-sucedido em fazer a indústria trabalhar em conjunto e se subordinar ao que ele vê como interesse nacional. Apesar de vinte anos de pressão contínua, o supostamente todo-poderoso  MITI ( Ministério de Comércio Internacional e da Indústria - sigla em inglês ) não conseguiu, por exemplo, que os principais fabricantes de computador japoneses reunissem seus esforços ( algo que a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha conseguiram ).


Um estrangeiro após outro exalta as relações industriais excepcionalmente harmoniosas no Japão. Mas o povo japonês amaldiçoa as greves selvagens bastante comuns na ferrovia estatal National Railroads. Somente onde os sindicatos dos trabalhadores são extremamente fracos, ou seja, no setor privado, é que as relações trabalhistas são harmoniosos. Não há sinal de harmonia no setor público, onde os sindicatos são fortes ( um legado da ocupação dos EUA ). Na verdade, os líderes trabalhistas japoneses se inclinam a destacar, de forma um tanto ácida, que as empresas ocidentais sem sindicatos ( a IBM, por exemplo ) tendem a ter exatamente as mesmas políticas trabalhistas e a mesma harmonia que o "Japão S.A.", de forma que a situação japonesa significa hostilidade da administração para com os sindicatos, e não a harmonia das fábulas.


Mesmo assim, embora o "Japão S.A." possa ser mais mito do que realidade, o Japão desenvolveu hábitos em política econômica e na concorrência econômica internacional. Um destes hábitos é a profunda reflexão sobre o impacto de uma política proposta sobre a produtividade da indústria japonesa, sobre a força competitiva do Japão nos mercados mundiais e sobre o balanço de pagamento e de comércio do Japão. Isto passou a ser feito quase naturalmente pelas autoridades japonesas, seja nos ministérios, no parlamento ou nas empresas, da mesma forma que pelos analistas e críticos nos jornais populares ou nos departamentos de economia das universidades. Os japoneses são bastante conscientes de sua dependência da importação em relação à maior parte de sua energia, de suas matérias-primas e de quarenta por cento de seus alimentos para descarte no mundo exterior ou para tirá-lo completamente de seu campo de visão, como os legisladores americanos, os departamentos de governo americanos e tantos economistas americanos estão acostumados a fazer.


Os japoneses não têm interesse especial em declarações formais sobre impacto na produtividade. Além disto, seu impacto na posição competitiva e na produtividade  não é de forma alguma o único critério par adotar ou rejeitar uma política proposta. Mesmo que a agência governamental mais poderosa se oponha a uma política por causa de seu impacto deletério na posição do Japão na economia mundial, o povo japonês e a indústria japonesa podem abraçá-la ( como fizeram em relação à expansão da indústria automobilística japonesa ).


O MITI, poderoso, tem, desde mil novecentos e sessenta ou mil novecentos e sessenta e um, firmemente se colocado em oposição à expansão da indústria automobilística ( em grande parte, porque vê o automóvel privado como autoindulgência e como uma cunha abrindo para a sociedade de consumo, que o puritano MITI abomina ). Havia também, pelo menos nos primeiros anos, considerável ceticismo sobre a capacidade dos inexperientes fabricantes de automóveis japoneses de concorrer contra seus equivalentes da General Motors Company ( GMC ), Ford Motors Company ( FMC ), Fiat e Volkswagen. Além disto, havia, e continua havendo, um grande temor de que um grande mercado automobilístico no Japão provocasse pressão irresistível para a abertura do país aos carros estrangeiros importados ( a única coisa que o MITI está determinado a impedir ). Mas o MITI também sustentava ( com bastante sinceridade ) que a expansão da indústria automobilística teria um efeito adverso ( na verdade, deletério ) na balança de comércio do Japão, na capacidade de conquistar seu caminho para o mercado mundial e em sua produtividade em geral. Os economistas do MITI argumentavam que quanto maior fosse o sucesso da indústria automobilística japonesa, pior seria o impacto sobre o Japão. Eles destacavam que o automóvel exige duas matérias-primas escassas no Japão: petróleo e minério de ferro. Esta atividade também exigira o desvio de recursos escassos, de terras agriculturáveis e de capital, para estradas e construção de estradas. O MITI queria um maciço investimento para melhorar a movimentação de cargas pelas ferrovias.


Existem ainda muitos outros teimosos ( não apenas o MITI ) que sustentam se um grave erro deixar a indústria automobilística japonesa se expandir. Estes teimosos argumentam que os ganhos com a exportação da indústria representam apenas uma fração do que o automóvel custa para o Japão em divisas para importa petróleo e minério de ferro, mesmo com um recorde de vendas de automóveis para a América do Norte e para a Europa ocidental. Uma pequena parcela do gasto total em rodovias teria dado às ferrovias japonesas a capacidade de movimentação de cargas de que o país precisa e que ainda lhe falta. No entanto, embora tivessem sido gastas enormes quantias em estradas, isto não foi o suficiente para construir um sistema rodoviário adequado ( resultando, assim, em caminhões entupindo as estradas inadequadas, em alto custo de transporte para a indústria japonesa, em concentração insalubre de pessoas e fábricas em torno de poucas cidades portuárias já superlotadas, tais como Tóquio, Yokohama, Nagoya, Osaka e Fukuoka, e em crescente poluição do ar ).


O MITI perdeu a luta contra o automóvel, apesar de sua reputação como uma espécie de super-homem da economia. Ele foi derrotado em parte pela indústria automobilística, que seguiu em frente apesar da desaprovação do MITI. Em grande parte, o MITI foi derrotado pela paixão do "Nabe-san" ( o "cidadão comum" japonês ) pelos automóveis, apesar de seu alto custo, apesar da falta de lugar para estacionamento e apesar dos congestionamentos, que tornaram um pesadelo a ida para o trabalho em cada cidade japonesa, e apesar da poluição do ar, sobre os quais ninguém reclama mais do que o próprio "Nabe-san" sentado no banco de motorista de seu carro.


Mas pelo menos ( e este é o ponto importante ) houve uma reflexão séria sobre o impacto do automóvel na produtividade, na posição competitiva e na balança comercial do Japão. Mesmo os executivos dos companhias automobilísticas que lutaram firmemente contra o MITI admitem que se tratava de uma obrigação do ministério garantir que estes impactos fossem levados a sério, não importando a popularidade dos carros entre os consumidores e os eleitores japoneses.


O impacto na posição competitiva do Japão na economia mundial é apenas um aspecto sobre o qual se espera que os líderes japoneses reflitam e pesem cuidadosamente antes de esposar um política ou assumir um curso de ação. Espera-se, em geral, que eles comecem perguntando: "O que é bom para o país?", e não: "O que é bom para nós, nossa instituição, nossos membros e partes interessadas?".


Em nenhum outro país os grupos de interesse são tão bem organizados como no Japão, com sua infindável variedade de federações econômicas, associações industriais, sociedades profissionais, grupos de comércio, clubes com interesses especiais, corporações e outros mais. Cada um destes grupos de pressão utiliza de forma descarada e aberta seu poder eleitoral e seu dinheiro para fazer avançar os próprios objetivos egoístas de uma maneira que faria corar um chefe Tammany ( A Tammany Hall foi uma sociedade política que dominou a prefeitura de Nova Iorque entre mil oitocentos e cinquenta e quatro e mil novecentos e trinta e quatro, formada por membros do Partido Democrata ). Mesmo assim, se quiser ser ouvido e ter influência sobre o processo de formulação de políticas, cada grupo seja altruísta e que defenda políticas que possam lhe custar dinheiro, poder ou votos; a tradição do confucionismo no japão desconfia do autossacrifício como antinatural. Porém, espera-se que o grupo encaixe o que atende a seu próprio interesse dentro de um quadro de necessidades nacionais, metas nacionais, aspirações e valores nacionais. Algumas vezes, isto é pura hipocrisia, como quando os médicos japoneses alegaram que o único pensamento por trás de sua demanda bem-sucedida por quase total isenção de impostos era a preocupação com a saúde da nação. Mesmo assim, os médicos pretensamente levaram em consideração a regra que exige que primeiro se pergunte: "Qual é o interesse nacional?". O fato de não conseguirem sequer fazer isto e de serem forçados pela própria lógica do sindicalismo a afirmar que "o que é bom para o trabalho é ipso facto bom para o país" é provavelmente o grande responsável pela falta de influência política e aceitação pública dos sindicatos, apesar de seus números impressionantes. Por outro lado, o fato de a gestão empresarial no Japão ( ou pelo menso uma substancial minoria entre os líderes empresariais ) ter, por cem anos, aderido à regra de que o interesse nacional tem precedência, e de esta regra ter sido inicialmente formulada por um dos primeiros líderes empresariais modernos, o empreendedor, banqueiro e filósofo empresarial do século dezenove Eiichi Shibuzawa ( que viveu entre mil oitocentos e quarenta e um e mil novecentos e trinta e um ) pode também explicar por que a gestão empresarial é ouvida respeitosamente para o que quer que se discuta em tempos de políticas sociais e econômicas, mesmo pelos quarenta por cento da população japonesa que, fielmente, vota pelos partidos e candidatos declaradamente comunistas e estridentemente contrários às empresas.


A demanda no sentido de que assumam a responsabilidade de pensar através de políticas exigidas pelo interesse nacional força os grupos de liderança, especialmente os líderes empresariais, a liderarem. Isto exige que eles tomem a iniciativa e formulem, proponham e defendam políticas nacionais antes que elas se tornem problemas. Na verdade, isto força os grupos de liderança a definirem quais são e quais deveriam ser os problemas.


No Ocidente, especialmente nos EUA, espera-se que os interesses" ( tais como os interesses convencionais na esfera econômica: empresa, trabalho e agricultura ) comecem com suas próprias preocupações e suas próprias vontades e necessidades. Isto significa, então como regra geral, que eles raramente podem agir em alguma questão que seja geral em vez de específica. Eles apenas reagem. Estes interesses não conseguem liderar: só conseguem se opor ao que outra pessoa propõe. Sempre que surge uma questão de preocupação geral, e alguém dentro do grupo teme ser prejudicado, outro se oporá a fazer qualquer coisa e um terceiro agirá lentamente. Qualquer proposta no Japão certamente também pode receber oposição dentro de algum grupo. Mas os interesses também especiais dos membros do grupo que formam o ponto de partida para a deliberação de políticas no Ocidente são colocados de lado no Japão até que o interesse nacional tenha sido analisado. No ocidente, os interesses e preocupações individuais, específicos, locais representam o foco; no Japão, eles são os qualificadores. A abordagem ocidental tende a levar para a inação ( ou para outro estudo ) até que alguém de fora proponha uma lei ou regulamentação que possa então ser combatida como inaceitável. Porém, isto é apenas ação de retaguarda para evitar a derrota ou conter o prejuízo e, ainda pior, o outro lado determinando quais são ou deveriam ser os problemas. No entanto, conforme enxergam claramente os japoneses, o primeiro dever de um líder é definir o problema.


Mas a abordagem japonesa também significa que a empresa ( e outros grupos de liderança na sociedade ) raramente é pega de surpresa. Afinal, é seu trabalho antecipar e definir os problemas. Certamente, isto nem sempre funciona. Tanto a burocracia quanto os líderes empresariais no Japão estavam totalmente despreparados para a explosiva eclosão do problema ambiental dez anos antes ( muito embora ele já tivesse surgido na época nos EUA; portanto, houve muitos alertas ). Atualmente, os grupos de liderança no Japão ( empresas, burocracia, trabalho e academia ) preferem ignorar o desafio das mulheres entrando no mercado de trabalho em empregos administrativos e profissionais; no entanto, este movimento ganha impulso e está fundamentado em dados demográficos irreversíveis. No entanto, enquanto nos EUA das empresas, os sindicatos trabalhistas, o governo e a academia falavam em reduzir a aposentadoria compulsória, as grandes empresas no Japão antecipavam o problema. Embora os custos fossem bastante elevados, as maiores companhias japonesas aumentaram por si próprias a idade de aposentadoria compulsória, sem qualquer pressão do governo, dos sindicatos ou da opinião pública. "É disto que o pais precisa", foi a explicação.


A abordagem ocidental funcionou enquanto a política nacional pode efetivamente ser formada através de procedimentos rivais e pelo equilíbrio de reações conflitantes de grandes blocos ou interesses bem estabelecidos ( a tradicional tríade econômica composta pela empresa, sindicatos e agricultura ). No entanto, com a fragmentação de políticas em todos os países ocidentais onde agora grupos fanáticos de pequenos defensores de causas individuais detêm o voto decisivo e o equilíbrio de poder, a abordagem tradicional claramente não é mais adequada. Assim, a regra japonesa segundo a qual os grupos de lideranças, principalmente aqueles dos interesses, extra-nacional, e a regra da definição e resolução dos problemas antecipadamente no tempo, devem servir melhor em uma sociedade pluralista.


O terceiro dos hábitos japoneses de comportamento eficaz também teve origem com o filósofo banqueiro, empreendedor e empresário Eiichi Shibuzava, nos últimos anos do século dezenove: ele ensinava que os líderes dos principais grupos, inclusive empresariais,  têm o dever de entender as opiniões, o comportamento, os pressupostos, expectativas e valores de todos os outros grandes grupos, e uma obrigação igual de fazer seus pontos de vista, comportamentos, pressupostos e valores serem conhecidos e entendidos. Na verdade, trata-se de relações bastante privadas entre indivíduos: relações não feitas por discursos, pronunciamentos, comunicados de imprensa, mas pela contínua interação de homens responsáveis em posições de elaboração de políticas.


Irving Shapiro, presidente e CEO da DuPont de Nemours, a maior companhia química do mundo à época, chegou a ser citado na imprensa americana por destacar em um discurso que agora estava sendo forçado a dedicar oitenta por cento de seu tempo em relações, especialmente com formuladores de políticas no Congresso Nacional ( CN ) e na burocracia em Washington, e que só conseguia dedicar vinte por cento de se tempo à administração de sua companhia. A única coisa que poderia ter causado surpresa a um CEO japonês de uma empresa de importância equivalente eram os vinte por cento que o Sr. Shapiro tinha disponíveis para dirigir a companhia que encabeçava; pouquíssimos CEOs de grandes companhias japonesas possuíam à época algum tempo disponível para administrar suas companhias. Todo o seu tempo era dedicado para relações. Além disto, qualquer tempo que possuíam para a companhia também era dedicado a relações, e não à administração. Eles mantinham o controle através de uma atenção minuciosa e cuidadosa às decisões do pessoal mais graduado na empresa e através de meticulosos relatórios financeiros e de planejamento. Porém, eles não administravam - isto era deixado para os níveis subalternos. Os administradores no topo passavam o tempo conversando com pessoas, bebendo uma xícara de chá verde, ouvindo, fazendo mais perguntas. Eles conversavam com pessoas da empresa de comercialização, com os administradores das subsidiárias. Conversavam com pessoas graduadas de outras companhias em seu grupo ( como nos famosos almoços de quatro horas em que os presidentes de todas as companhias no grupo Mitsubishi se reuniam uma vez por semana ). Eles conversavam com as pessoas dos bancos. Eles conversavam com os burocratas graduados dos vários ministérios, e em meia dúzia de comitês de cada uma das diversas federações econômicas e industriais. Eles conversavam com o pessoal de suas próprias empresas em festas após o expediente em algum bar de Ginza. Eles conversavam e conversavam e conversavam...


Nestas reuniões, eles nem sempre necessariamente discutiam negócios ( e certamente não seus próprios negócios ). Na verdade, para um ocidental, a conversa parecia ser às vezes algo supérflua. Ela passava por assuntos muito variados, ou assim parecia, abordando de questões de política econômica a preocupações pessoais, de questões e problemas do interlocutor a tópicos do dia, de expectativas quanto ao futuro á reavaliação de lições do passado. O objetivo não é resolver algo, mas estabelecer compreensão mútua. então, sabe-se para onde ir quando há um problema; e certamente, cedo ou tarde, sempre aprece um. Então, sabe-se qual é a expectativa de outra pessoa e de sua instituição, o que ela pode fazer e o que irá fazer; mas também  o que não consegue ou não irá fazer; mas também o que não consegue ou não irá fazer. Em seguida, quando surge a crise ou a oportunidade, estes CEOs sentados imóveis agem subitamente com incrível rapidez e determinação, e de forma implacável. Por outro lado também, quando surge a crise, os outros estão prontos a apoiar ou igualmente, se julgarem necessário, a se opor. Pois o propósito de conversar com tantas pessoas não é que gostem umas das outras; nem que concordem umas com as outras; nem mesmo que confiem umas nas outras: é de conhecer e compreender umas às outras e, acima de tudo, saber e compreender onde ( e como ) não se deve gostar, concordar ou confiar nos outros. Finalmente, a eficácia japonesa tem fundamento no fato de eles terem aprendido que viver junto não pode basear-se em relações de inimizade, e sim se escorar no interesse comum e na confiança mútua.


As relações de inimizada no Japão têm sido historicamente mais ferozes, gerando lutas travadas de forma mais violenta e com menos perdão ou compaixão do que no ocidente. O conhecido filme Shogun não exagera a violência da história japonesa, embora possa romancear outros aspectos. "Ame seus inimigos" ou "Ofereça a outra face" não são frases encontradas nos credos japoneses. Até a natureza é violenta no Japão: um país com tufões, vulcões e terremotos. De fato, a convenção japonesa dita que as relações sejam adversárias ( ou pelo menos pareçam ser ) onde o ocidental não vê necessidade de briga ou recriminação quando, por exemplo, um pintor ou outro artista se separa do antigo mestre e estabelece o próprio estilo ou escola. Esta tradição se estende atualmente ao divórcio, que alcançou proporções epidêmicas no Japão e está se aproximando dos índices da Califórnia, especialmente entre casais jovens e instruídos. Aparentemente, não é considerado apropriado um divórcio amigável; ele precisa parecer conflituoso, mesmo quando o casal se separa por consenso mútuo e em termos razoavelmente tranquilos.


Mas todas estas são situações em que o relacionamento é dissolvido para o bem. Quando as pessoas ou as partes vivem juntas ( ainda mais quando precisam trabalhar juntas ), os japoneses se certificam de que o relacionamento tenha em seu núcleo reciprocidade de interesses e preocupação em comum. Depois pode haver o conflito, a divergência e até mesmo o combate; pois, nesta situação, o conflito, a divergência e ao combate ainda podem ser confirmados e integrados em um vínculo positivo.


Um dos principais motivos embora raramente expressos ) de as companhias automobilísticas japonesas ficarem relutantes em construir fábricas nos EUA é sua perplexidade quanto ao relacionamento entre a administração e os sindicatos na indústria automobilística americana. Eles não conseguem entender. "Nossos sindicatos", disse um jovem engenheiro da Toyota, um esquerdista e socialista declarado com forte inclinação a favor dos sindicatos, "lutam contra a administração. Mas os seus luta contra a companhia. Como não percebem que, para qualquer coisa ser boa para os empregados da empresa, precisa ser boa para a companhia? Onde isto não estiver garantido ( e isto é completamente óbvio ), nenhum japonês poderia ser um gerente, mas também nenhum japonês poderia ser um empregado ou subordinado".


A pessoa não precisa viver e trabalhar com um concorrente; consequentemente, a concorrência tende a ser implacável entre companhias diferentes do mesmo setor e entre grupos diferentes; por exemplo, entre a Sony e a Panasonic ou entre a Mitsui Bank e o Fuji Bank. No entanto, sempre que houver necessidade de um relacionamento contínuo com um oponente, é preciso encontrar uma base comum. Então, a pergunta que sempre surge em primeiro lugar 9 a questão à qual se dedicam, na verdade, todas estas reuniões sem-fim entre líderes de grupos diferentes ) é: "Quais interesses compartilhamos?" ou "Sobre quais assuntos estamos de acordo?" ou "O que podemos fazer juntos que ajude a ambas as empresas a atingirem seus respectivos objetivos?". Passa-se então a tomar um grande cuidado para evitar a destruição ou o prejuízo do propósito em comum e da unidade.


Também se torna um grande cuidado para garantir que não exista uma vitória final sobre algum grupo ou interesse com o qual uma empresa precisa conviver e trabalhar. Pois, desta forma, ganhar a guerra significaria perder a paz. Assim, sempre que grupos ou interesses precisam viver em conjunto no Japão, ambos ficam mais preocupados em tornar seu conflito mutuamente produtivo do que em vencer ( embora as mesmas pessoas no mesmo grupo partam para a vitória total e para a rendição incondicional contra um oponente com o qual seu grupo não precise conviver e que, portanto, pode - na verdade, deve - ser destruído ).


trata-se de regras e, como todas as regras deste tipo, são ideais e normativas, em vez de descritivas, do que todo mundo faz o tempo todo. Todo japonês consegue apontar dezenas de casos em que as regras foram quebradas ou desrespeitadas, e com impunidade. As regras também não são necessariamente aceitas por todos. Alguns dos empreendedores mas bem-sucedidos no Japão ( Honda, por exemplo, ou Matsushida na Panasonic, ou Sony ) têm demonstrado pouco respeito por algumas delas. Estes líderes de sucesso, por exemplo, não dedicam muito tempo e atenção da alta administração a relações externas, e não se preocupam muito em ser aceitos ou não no clube. Eles não concordam necessariamente que colocar o interesse nacional em primeiro lugar em suas reflexões e políticas seja responsabilidade do líder empresarial; e podem até mesmo ter estado, em algumas ocasiões, bastante dispostos a infligir derrotas esmagadoras sobre oponentes com os quais ainda precisam conviver e trabalhar.


Há também bastante crítica dentro do Japão ( especialmente no mundo empresarial ) a algumas regras, e sérias dúvidas se elas ainda são totalmente apropriadas às necessidades do japão. A alta administração poderia, por exemplo, dedicar praticamente todo o seu tempo às relações externas ou perderia contato com a realidade de seu negócio em uma época de rápidas mudanças na economia, nos mercados e nas tecnologias? Além disto, há ainda uma boa base comum com outros grupos ( especialmente de empresas encontrando uma base comum com o governo ) tenha apenas levado a uma conciliação covarde e apenas incentivado uma arrogância burocrática.


Em outras palavras, as regras são semelhantes a todos os outros tipos de regras, no sentido de apresentarem pontos fracos, limitações, deficiências ( e, nisto, elas não se aplicam universalmente e sem exceções ). No entanto, elas certamente também apresentam pontos fortes exclusivos e têm-se mostrado eficazes. Qual é então a sua essência, aquilo que representa o segredo de seu sucesso?


A resposta mais comum, no Japão assim como no ocidente, é que estas regras representam tradições e valores especificamente japoneses. Mas esta não é certamente a resposta toda ( na verdade, é em grande parte a resposta errada ). Sem dúvida, as regras de comportamento social e político fazem parte da cultura e precisam se encaixar nela, ou pelo menos ser aceitas por ela. Além disto, a maneira de os japoneses lidarem com suas políticas, regras e relações é realmente bem característica. Mas as regras em si representam mais uma tradição japonesa do que a tradição japonesa. A harmonia individual do Japão é normalmente atribuída à história e aos valores tradicionais. Mas a única tradição japonesa é a de violência e conflito aberto. Na década de vinte, isto é, durante o estágio de formação da moderna indústria japonesa, o Japão teve as piores, mais tumultuadas e mais violentas relações trabalhistas do mundo, em comparação com qualquer país industrializado. Além disto, nos cento e cinquenta anos anteriores ao nascimento do Japão moderno na Restauração Meiji de mil oitocentos e sessenta e sete, as relações entre chefes e trabalhadores ( entre os lordes e seus súditos militares, os Samurais, que eram os chefes, e os camponeses, que eram os trabalhadores ) significaram pelo menos uma revolta sangrenta de camponeses por ano ( mais de duzentas no período ), que também foram reprimidas de forma sangrenta. A regra para os relacionamentos entre os diferentes grupos nos anos trinta ainda era a de governar através de assassinatos, em vez de construir relacionamentos ou encontrar uma base comum. Não é totalmente uma coincidência que a violência estudantil e o terrorismo tivessem começado no Japão nos anos sessenta e assumissem, naquela país, sua forma mais extremada; ambos certamente são tão representativos ( ou talvez até mais ) da tradição japonesa quanto a tentativa de encontrar uma base comum entre oponentes.


Além disto, estas regras não representaram o fruto de uma evolução. Elas tiveram forte oposição ao serem propostas e foram consideradas pouco realistas por um longo período. A maior figura da história empresarial japonesa não é Eiichi Shibuzawa, que formulou as regras de comportamento mais importantes para a sociedade japonesa de hoje. É Yataro Iwasaki ( que viveu entre mil oitocentos e trinta e quatro e mil oitocentos e oitenta e cinco ), fundador e construtor da Mitsubishi, que representou para o Japão do século dezenove o que J.P. Morgan, Andrew Carnegie e John D. Rockfeller Sr. juntos representaram para os EUA. Iwasaki rejeitava completamente Shibuzawa e suas regras ( seja na exigência de que a liderança empresarial assuma a responsabilidade e a inciativa no que diz respeito ao interesse nacional, ou na exigência de que construa e cultive seus relacionamentos ou, especialmente, na ideia de encontrar uma base comum com oponentes e da incorporação do conflito em um vínculo de interesse comum e de unidade ). Shibuzawa era muito respeitado, mas seus ensinamentos tinham pouca influência com os homens práticos, que ficavam bem mais impressionados com o sucesso de Iwasaki nos negócios.


Quaisquer que sejam suas raízes nas tradições japonesas, estas regras se tornaram aceitas e o comportamento aprovado somente após a Segunda Guerra Mundial. Então, quando um Japão derrotado, humilhado e quase destruído começou dolorosamente sua reconstrução, fez-se a seguinte pergunta: "Quais seriam as regras corretas para uma sociedade completa moderna, incorporadas em uma economia mundial competitiva e dependente dela?". Somente a partir disto é que as respostas dadas por Shibuzawa sessenta anos antes começaram a ser vistas como corretas e relevantes.


Analisar por que e como isto aconteceu vai bem além do escopo deste texto, e o autor dificilmente estaria qualificado para responder a esta questão. Não havia algum líder específico, alguma grande figura, para colocar o Japão em um novo caminho. Na verdade, os historiadores estarão tão ocupados tentando explicar o que aconteceu na época Meiji, oitenta anos antes, quando um Japão igualmente humilhado e chocado se organizou para se tornar uma nação moderna e, ainda assim, permanecer profundamente japonesa em sua cultura. Pode-se talvez especular que o choque da derrota total e a humilhação de ser ocupado por tropas estrangeiras 9 nenhum soldado estrangeiro havia jamais adentrado em solo japonês anteriormente ) tenham gerado uma disposição para adotar coisas nunca antes tentadas, embora forças poderosas na história do Japão houvessem insistido nelas e as defendido. Em relação às relações industriais, por exemplo, sabe-se que não houve um líder único. No entanto, a forte necessidade dos trabalhadores japoneses ( muitos deles sem-teto, muitos deles veteranos de um exército derrotado, muitos deles sem emprego de qualquer tipo ) de encontrar um lar e uma comunidade foi certamente um fator importante, assim como a forte pressão exercida pelos trabalhadores sobre a administração para protegê-los das pressões da ocupação americana e de seus especialistas do trabalhismo liberal para participarem de sindicatos de esquerda e se tornarem uma força revolucionária. O conservadorismo do trabalhador japonês no final dos anos quarenta e início da década de cinquenta, mas também a necessidade do trabalhador japonês em ter um pouco de segurança quando seus vínculos emocionais, econômicos e, em muitos casos, familiares foram cortados, indubitavelmente desempenhou importante papel no curso tomado pelo japão. No entanto, ninguém sabe ainda por que a administração se viu capaz de responder a estas necessidades, e de forma efetiva.


Na verdade, as regras japonesas também poderiam ser explicadas pelos ensinamentos e tradições puramente ocidentais. A ideia de que as lideranças empresariais, especialmente nas grandes empresas, devessem assumir responsabilidade ativa e a iniciativa pelo interesse nacional e precisassem começar com o que é bom para a nação, e não com o que é bom para a empresa, foi, por exemplo, pregada no ocidente por volta do ano mil e novecentos por líderes nada japoneses, como Walter Rathenau, na Alemanha, e Mark Hanna, nos EUA. A ideia de que um inimigo não deve ser destruído, transformando-se em amigo, e que não se deve jamais derrotá-lo e humilhá-lo, foi ensinada inicialmente por volta de mil quinhentos e trinta, por Nicolau Maquiavel, o primeiro pensador pelítico moderno. Além disto, a política do japão de incorporar o conflito em um núcleo de unidade também é de Maquiavel ( mais o Maquiavel de "Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio" do que o de "O Príncipe" ). Passados quatrocentos anos, na década de vinte, Mary Parker Follet, mais bostoniana do que os próprios bostonianos, concluiu novamente que os conflitos devem tornar-se construtivos, incorporando-os em um núcleo de propósitos em comum e de um ponto de vista em comum. Todos estes ocidentais ( Rathenau, Hanna, Maquiavel e Follet ) fizeram as mesmas perguntas: Como uma sociedade complexa moderna, uma sociedade pluralista com independência, uma sociedade em rápida mudança, pode ser efetivamente governada? Como ela pode tornar produtivos sua tensão e seus conflitos? como pode evoluir uma unidade de ação a partir da diversidade de interesses, valores e instituições? E como, conforme indagou Maquiavel, pode obter força e coesão se estiver cercada e dependente de uma multiplicidade de poderes concorrentes?


Por que o Ocidente, principalmente os EUA, teria rejeitado esta tradição, enquanto os japoneses a aceitaram? Mais uma vez, o escopo desta pergunta extrapola em muito o alcance deste texto e o conhecimento do autor. No entanto, pode-se especular que a Grande Depressão e o trauma causado por ela tenham algo a ver com isto. Pois antes dela, efetivamente existiam lideranças que subscreviam  estes valores> Tanto Herbert Hoover nos EUA quanto Heinrich Bruening ( o último chanceler de uma Alemanha democrática ) representaram uma tradição que via no interesse comum de todos os grupos o catalisador da unidade social e nacional. Foi sua derrota pela Grande Depressão ( por exemplo, no New Deal de Franklin D. Roosevelt ) que inaugurou a crença no poder da compensação, em relações rivais, como levando a uma relação de compromisso aceitável a todos, porque não ofende demais nenhum grupo e, portanto, une todos em torno do menor denominador comum. Certamente, a vitória da economia no ocidente, especialmente nos EUA, com sua apoteose de governo nacional quase de forma independente do que ocorre no exterior, teve algo a ver com o fato de se esquecer o velho ditado da política americana de que a política ( e as disputas econômicas ) para no limite das águas. Mas isto é especulação.


O fato é que o segredo por trás da realização do Japão não está em um misterioso "Japão S.A.", mais adequado a um filme B de Hollywood. Talvez não esteja nem mesmo nos valores específicos de comportamentos que o Japão tem praticado. Pode ser que o Japão, até agora o único entre os países industrializados, tenha feiro a pergunta correta: Quais são as regras para uma sociedade complexa moderna, uma sociedade de pluralismo e de grandes organizações que precisam coexistir em um ambiente de concorrência e antagonismo, uma sociedade que está incorporada em um mundo competitivo e em rápida mudança e cada vez mais depende dele? Outras informações podem ser obtidas no livro Rumo à nova economia, de autoria de Peter F. Drucker.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/sociedade-e-organiza%C3%A7%C3%B5es-a-necessidade-da-coexist%C3%AAncia-de-regras-e-de-desregulamenta%C3%A7%C3%A3o e


https://www.avozdosmunicipios.com.br/post/sociedade-e-organiza%C3%A7%C3%B5es-a-necessidade-da-coexist%C3%AAncia-de-regras-e-de-desregulamenta%C3%A7%C3%A3o .

Nenhum comentário:

Postar um comentário