A significação dos Direitos Humanos no Cone Sul da América Latina ( *42 vide nota de rodapé ) se inscreve num processo mais abrangente de revalorização da democracia ( *40 vide nota de rodapé ) e da política ( *32 vide nota de rodapé ). Esta revalorização denota uma mudança radical de perspectiva com relação à concepção da ação política ( * 32 vide nota de rodapé ) dominante durante os anos Sessenta e início dos anos Setenta. Neste período, dominado pelo imperativo da transformação econômico-social no quadro de interesses irredutivelmente antagônicos, a política ( *32 vide nota de rodapé ) se define segundo a lógica da guerra, dividindo os sujeitos sociais entre amigos ou inimigos, e visando à eliminação destes últimos como condição de realização de próprio projeto ( *43 vide nota de rodapé ). A irredutibilidade dos antagonismos remetia a democracia ( *40 vide nota de rodapé ) para o futuro utópico de uma sociedade sem conflitos. A prática política ( *32 vide nota de rodapé ) do presente a excluía como forma de administração de conflitos, outorgando à própria política ( *32 vide nota de rodapé ) um caráter instrumental.
A experiência histórica do período autoritário preside a mudança de atitude dos setores progressistas face à política ( *32 vide nota de rodapé ) e à democracia ( *40 vide nota de rodapé ). Em primeiro lugar, porque o estabelecimento e prolongada estabilização dos regimes autoritários, bem como as circunstâncias de sua substituição, desmentem a inevitabilidade do desfecho revolucionário, projetado desde o quadro teórico vigente nos anos Sessenta. Em segundo lugar, porque a lógica da política ( *32 vide nota de rodapé ) entendida como guerra evidencia no período sua capacidade de acirrar a dominação, atingindo centralmente, e em nível social, o direito à vida ( *7 vide nota de rodapé ). No bojo da mudança de atitude encontra-se uma mudança fundamental de percepção, oriunda do abandono de uma visão otimista do processo histórico concedido como necessário. À luz da experiência histórica, a teoria perde sua conotação quase religiosa - de ampla inspiração no marxismo - fundada no caráter dominante das relações econômicas e - a partir destas - na constituição necessária dos sujeitos sociais e de seus projetos.
O papel determinante - mesmo que "em última instância" - da estrutura econômica sobre os processos políticos ( *32 vide nota de rodapé ) e sociais constituía o fundamento teórico do qual derivava a criação necessária das condições subjetivas que tornariam inevitáveis a transformação revolucionária. Esta leitura parecia nos anos Sessenta confirmada tanto pelo processo histórico mundial quanto pela evolução histórica da América Latina.
Ao nível mundial a consolidação da Revolução Cubana e as dificuldades - e posteriormente a derrota - dos Estados Unidos da América ( EUA ) no Sudeste Asiático pareciam indicar o enfraquecimento da dominação imperialista. Nos países centrais a expansão da contracultura nos EUA, as revoltas populares na França e na Itália sugeriam a perspectiva do crescimento de contestação do capitalismo do tipo liberal ( *39 vide nota de rodapé ) na sua sede central e o progressivo enfraquecimento de sua hegemonia ideológica. Embora o processo então em curso nos países centrais não admitissem uma leitura coerente no interior do paradigma revolucionário dominante na América Latina, o conjunto parecia indicar o desenvolvimento de um movimento gigantesco e polifacético a trilhar os caminhos da revolução.
Nos países do Cone Sul, as teses sobre a estagnação inevitável das economias nacionais nutriram a percepção de inevitáveis consequências sociais e políticas ( *32 vide nota de rodapé ) da crise econômica estrutural. A crise dos populismos foi interpretada neste quadro como o esgotamento de formas contraditórias - porém no passado eficientes - de controles sobre as massas urbanizadas e proletarizada, deixando-as disponíveis para a conscientização revolucionária. O triunfo da Unidade Popular no Chile, as dificuldades da ditadura de Ongania na Argentina, enfim o crescimento da luta política ( * 32 vide nota de rodapé ) - e armada - no Uruguai e na Argentina e em menor medida em outros países, alimentavam a perspectiva da inexorável polarização e de seu desfecho. Mesmo o estabelecimento dos regimes autoritários foi interpretado neste quadro como um capítulo a mais do processo revolucionário, último recurso da dominação capitalista do tipo liberal ( *39 vide nota de rodapé ), potente polarizador das contradições, demiurgo da formação da consciência popular e por isto mesmo preâmbulo da revolução.
A experiência dos anos Setenta e da primeira metade dos Oitenta evidenciou uma complexidade não prevista dos processos sociais, aportando juntamente com a não verificação das previsões a crise dos postulados teóricos que as fundamentaram. Ao nível da economia, a história recente dos países do Cone Sul colocou em evidência um quadro complexo, sem afastar a situação crítica das economias nacionais, todavia desmentindo, no caso do Brasil, a teoria da estagnação. Porém, tanto nos países que cresceram economicamente como nos que sofreram uma deterioração real, os processos políticos ( *32 vide nota de rodapé ) evoluíram fora de todos os padrões previstos pela teoria vigente nos anos Sessenta. O esgotamento dos regimes autoritários abriu espaço não para transformações revolucionárias ou mesmo substantivamente reformistas, mas a processos de transição de conotação nitidamente conservadora, mantendo intocados os interesses dominantes no período precedente e as estruturas econômicas e sociais herdadas dos autoritarismos.
Esta evolução imprevista dos processos políticos ( *32 vide nota de rodapé ) nos países da área, acelerou a e aprofundou a crise teórica do marxismo, que se nutre também de outras fontes e processos. No bojo desta crise convém assinalar a que se refere à concepção das articulações entre democracia ( *40 vide nota de rodapé ) e transformação social. Perante a democracia ( *40 vide nota de rodapé ), os atores sociais, cuja prática se remete de algum modo a uma matriz de esquerda, parecem adotar duas posições alternativas. Uma delas consiste em aderir a uma imagem modesta e resignada da democracia ( *40 vide nota de rodapé ). Modesta porque concebida como mal menor, resignada porque avaliada como um sistema, em última instância, incapaz de produzir transformações substantivas. Esta posição representa, na maior parte dos casos, uma ruptura implícita entre o quadro teórico, de que se valem seus defensores, e sua práxis política ( *32 vide nota de rodapé ). Em outros, a conhecida teoria das etapas lhes permite remeter para um futuro indeterminado a problemática da transformação social, reiterando assim uma visão instrumental da própria democracia ( *40 vide nota de rodapé ). A outra posição, mantida que o único caminho para a transformação social é o assalto ao "Palácio de Inverno", segundo a feliz expressão de José Aricó ( *44 vide nota de rodapé ).
A utopia renitente desta última posição, assim como a praxis resignada da primeira, guardam estreita relação com uma das notas características das correntes que postulam a transformação social na América Latina. A referência é à concepção da dinâmica do processo de mudança, fortemente centrada no Estado. Assinala Aricó que esta concepção estalista - copartilhada pelos diversos movimentos de inspiração marxista e pelos populismos - constitui uma adaptação do leninismo. Este teria fornecido a matriz ideológica e política ( *32 vide nota de rodapé ) para um movimento social ( *40 vide nota de rodapé ) muito mais numerosos e polifacético que o representado pelos pequenos partidos comunistas.
Permanentemente presente nos discursos, a problemática da transformação social foi deslocada do centro da reflexão teórica e adiada na prática política ( *32 vide nota de rodapé ). Quando expressa no quadro da luta pela consolidação da democracia ( *40 vide nota de rodapé ), caracteriza-se implicitamente como uma etapa posterior. A própria democracia ( *40 vide nota de rodapé ) é concebida essencialmente em perspectiva estalista. Todavia, esta problemática continua presente, atualizando a questão das condições sociais da democracia ( *40 vide nota de rodapé ) ou, dito de outro modo, da estabilidade das instituições representativas.
A crise teórica dos setores que postulam uma transformação social substantiva remete - pelas razões aludidas acima e desenvolvidas por Aricó - a uma crise do paradigma marxista.
P.S.:
Notas de rodapé:
* As violações aos Direitos Humanos que sustentaram a Doutrina de Segurança Nacional são melhor detalhadas em:
*2 O que é a Doutrina de Segurança Nacional e seu impacto sobre os Direitos Humanos são melhor detalhado em:
*3 O que é o crime de tortura é melhor explicado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-23 .
*4 O que é a limitação do poder estatal sobre o status libertatis do indivíduo é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-82 .
*5 O que são as penas inaplicáveis como a pena de morte e banimento, é melhor explicado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-70 .
*6 O direito ao desenvolvimento nacional é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-8 .
*7 O direito à vida é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .
*8 Os crimes contra a humanidade, em especial o de genocídio são melhor detalhados em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-67 .
*9 O direito ao trabalho é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-48 .
*10 O direito de livre associação é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-53 .
*11 O direito à presunção de inocência é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-77 .
*12 O direito à liberdade de manifestação do pensamento é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-24 .
*13 O direito à liberdade de culto é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-34 .
*14 A teoria geral dos direitos humanos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*15 O princípio da igualdade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-16 .
*16 O direito à intimidade e à vida privada é melhor detalhado em
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-44 .
*17 O direito à inviolabilidade do domicílio é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-43 .
*18 O direito à propriedade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .
*19 O fenômeno da exploração de uma maioria por uma minoria é melhor detalhado em:
*20 A violência no campo é melhor detalhada em:
*21 O direito a um meio ambiente equilibrado é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*22 O direito à saúde pública é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*23 O direito das crianças e adolescentes à proteção integral é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*24 O direito ao acesso à justiça é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-85 .
*25 O direito à dignidade humana é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*26 A liberdade de informação e livre divulgação dos fatos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-49 .
*27 O mito de que defensores de Direitos Humanos são defensores de bandidos, são melhor desfeitos em:
*28 A lei dos crimes hediondos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-68 .
*29 O direito de reunião é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-52 .
*30 A exploração pelo jornalismo policial radiofônico contra os Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*31 As regras mínimas para tratamento de reclusos são melhor detalhadas em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-74 .
*32 A politização dos Direitos Humanos no Cone Sul é melhor detalhada em:
*33 A impossibilidade de fazer política a partir dos DH é melhor detalhada em:
*34 O princípio da legalidade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .
*35 Os impactos do endividamento externo no exercício dos Direitos Humanos é melhor detalhado em:
*36 O realismo inverossímil e o sentido da democracia para os DH são melhor detalhados em:
*37 O princípio do juiz natural é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-61 .
*38 O direito à assistência jurídica integral é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-85 .
*39 Os impactos da ideologia liberal sobre os Direitos Humanos são melhor detalhados em:
*40 Os impactos dos movimentos sociais na democracia e nos Direitos Humanos são melhor detalhados em:
*41 O direito ao juiz natural ou neutro é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-61 .
*42 A significação dos DH no Cone Sul é melhor detalhada em:
*43 Conforme Lechner, Norbert, "De la révolution à la democratie. Le débat intellectuel en Amérique du Sul", Revue Esprit, Paris, julho de Mil novecentos e oitenta e seis.
*44 José Aricó, "La Producción de un Marxismo Americano", in Punto de Vista, ano Sete, número Vinte e cinco, Buenos Aires, Mil novecentos e oitenta e cinco.
Referência
Santos Júnior, Belisário; Plastino, Carlos Alberto; Junqueira, Eliane Botelho; Rodrigues, José Augusto de Souza; Gómez, José Maria; Barbosa, Marco Antonio Rodrigues. Direitos humanos - um debate necessário. Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Editora Brasiliense. Mil novecentos e oitenta e oito. Páginas Cento e quarenta e um a Cento e quarenta e cinco.
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