sexta-feira, 8 de abril de 2022

Direitos Humanos: proporcionalidade versus constitucionalidade na interpretação da norma

Ao estudar o critério da proporcionalidade ( * vide nota de rodapé ), há o risco de se considerar que a ofensa à proporcionalidade gera, em si, a invalidade de determinada norma. Por exemplo, no plano da avaliação da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo, existiria o seguinte raciocínio: uma lei é desproporcional e considerando que a proporcionalidade é cláusula implícita no devido processo legal substancial ( Artigo Quinto, Inciso Cinquenta e quatro ) da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) ( *2 vide nota de rodapé ), consequentemente a lei referida seria inconstitucional porque violou o referido Inciso Cinquenta e quatro do Artigo Quinto da CF - 88.


Ocorre que este raciocínio impede que se perceba que a proporcionalidade é um critério, mera ferramenta na aplicação das normas. Nesta linha e voltando ao exemplo anterior, vê-se que o raciocínio correto ér diferente: a lei tratou de modo desproporcional determinado direito ou valor constitucional; por violar este direito específico ( tratando de modo desproporcional ) é que a referida lei é inconstitucional.


A diferença é sutil e não afeta a conclusão ( "a lei é inconstitucional" ), mas há a grande vantagem de se dar transparência e exigir do julgador que explicite qual é o direito que foi tratado de modo desproporcional e por qual motivo este tratamento previsto pela lei foi considerado desproporcional. Tratar a proporcionalidade como um critério ou método de avaliação tem a imensa vantagem de exigir dos julgadores uma exposição clara e consistente da argumentação jurídica que levou à prevalência de um direito ou valor constitucional, não bastando afirmar que é "desproporcional" e po0r isto inconstitucional por si só.


Esta discussão tem tido repercussão no Supremo Tribunal Federal ( STF ), tendo o Ministro Eros Grau sustentado: "Eu pediria ao Tribunal que dissesse: há uma ofensa a tal ou qual preceito constitucional. Singelamente, sem explicitar que há uma ofensa ao tal princípio da proporcionalidade, que nem é princípio; é uma pauta, é um método de avaliação da ofensa, ou não, da Constituição. ( ... ) Nós não estamos julgando segundo a proporcionalidade, mas eventualmente dizendo que, por não ser proporcional em relação à liberdade, a afirmação da igualdade, por exemplo, julgamos inconstitucional. Mas a inconstitucionalidade está referida não à proporcionalidade ou à razoabilidade, porém a direito fundamental ( *3 vide nota de rodapé ) que tenha sido violado pelo texto" ( passagem da intervenção oral - sem direito a voto - do Ministro Eros Grau na Ação Direta de Inconstitucionalidade ( ADI ) número Oitocentos e oitenta e cinco, relator para o acórdão Ministro Gilmar Mendes, julgada em Seis de março de Dois mil e oito, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Vinte e sete de março de Dois mil e nove ).


Quadro Sinótico


A resolução dos conflitos entre DH


1) Força expansiva dos DH: consiste no fenômeno pelo qual os DH contaminam as mais diversas facetas do ordenamento jurídico.

2) Intensa abertura do ordenamento jurídico brasileiro aos DH - existência de amplo rol de direitos previsto na CF - 88 e nos tratados internacionais de DH.

3) Os direitos previstos na CF - 88 e nos tratados internacionais são redigidos de forma imprecisa, com uso frequente de conceitos indeterminados, que podem ser interpretados de modo ampliativo, atingindo facetas novas da vida social, a depender da interpretação.

4) Jusfundamentalização do direito gera conflitos aparentes entre direitos de titulares diversos, exigindo do intérprete sólida argumentação jurídica sobre os moti8vos da prevalência de um direito em detrimento de outro, em determinada situação.

5) DH encontram seus limites tanto na sua redação original quanto na interação com os demais direitos. Não existem direitos absolutos, porque os direitos convivem com os demais DH.

6) Colisão de direitos:

a) Colisão de direitos em sentido estrito: é constatada quando o exercício de um determinado direito prejudica o exercício de outro direito do mesmo titular ou de titular diverso.

i) Do ponto de vista subjetivo:

o Direitos do mesmo titular ( nascendo a discussão sobre se o titular pode dispor do direito a ser sacrificado ): concorrência de direitos ( cruzamento ou acumulação de direitos );

o Direitos de titulares diferentes: colisão autêntica.

ii) Do ponto de vista objetivo:

o Direitos idênticos;

o Direitos de diferentes espécies.

7) Colisão de direitos em sentido amplo: consiste no exercício de um direito que conflita ou interfere no cumprimento de um dever de proteção de um direito qualquer por parte do Estado.


Teoria interna


1) Os conflitos são superados pela determinação do verdadeiro conteúdo dos direitos envolvidos. Trata-se de fórmula de superação dos conflitos aparentes entre DH, mediante uso da interpretação sistemática e finalística, que determinaria o verdadeiro conteúdo dos direitos envolvidos e a adequação deste conteúdo à situação fática analisada.

2) Para a teoria interna, há limites internos a todo direito, quer estejam trançados expressamente no texto da norma, quer sejam imanentes ou inerentes a determinado direito, que faz com que não seja possível um direito colidir com outro.

a) Limite expresso ou aparente: o direito fundamental traz, em seu texto, a própria ressalva que o exclui da aplicação no caso concreto.

b) Limite imanente: trata-se do poder do intérprete de reconhecer qual é a estrutura e finalidades do uso de determinado direito, delimitando-o.

3) A teoria interna impõe ao intérprete que conheça a natureza, estrutura, finalidades do direito em análise, para que possa delinear seu âmbito de atuação. Tudo o que estiver fora deste âmbito é uma conduta desprovida de amparo da ordem jurídica.

4) Teoria estruturante do direito de Friedrich Müller ( "metódica normativa-estruturante" ): defende a separação entre programa da norma ( gerado da análise da linguagem e finalidade do texto ) e âmbito da norma ( composto dos dados da realidade abrangida pelo programa da norma ).

5) Para a teoria interna, as restrições aos DH devem ser expressamente autorizadas pela CF - 88 e pelos tratados de DH, ou, ainda, devem ser extraídas dos limites imanentes de cada direito. A delimitação de cada direito será realizada por meio da apreciação tanto da redação do direito quanto também dos dados da realidade social sobre o qual o texto incide.

6) Resultado do uso da teoria interna: ou a situação fática é albergada no âmbito de incidência de um DH, ou não é albergada e consequentemente não há direito algum a ser invocado.


Teoria externa


1) Adota a separação entre o conteúdo do direito e limites que lhes são impostos do exterior, oriundos de outros direitos.

2) Objetivo da teoria: superação dos conflitos de direitos dividindo o processo de interpretação dos DH em colisão em dois momentos:

a) Delimitação do direito prima face envolvido ( identificação sobre  se o direito incide aparentemente sobre a situação fática );

b) Investigação sobre a existência de limites justificáveis impostos por outros direitos, de modo a impedir que o direito aparente seja considerado um direito definitivo. A justificação se dá pelo critério da proporcionalidade.

3) Casos difíceis ( hard cases ): casos nos quais há conflitos de direitos redigidos de forma genérica e imprecisa, contendo valores morais contrastantes e sem consenso na comunidade sobre sua resolução - insuficiência da teoria interna para solucioná-los - adoção da teoria externa nestes casos resulta em maior transparência do raciocínio jurídico do intérprete.

4) Critério da prop0orcionalidade: chave-mestra da teoria externa, pois garante racionalidade e controle da argumentação jurídica que será desenvolvida para estabelecer os limites externos de um direito e afastá-lo da regência de determinada situação fática.

5) Posição de Hesse: os conflitos entre direitos fundamentais podem ser resolvidos pela concordância prática: os direitos de estatura constitucional podem ser equilibrados entre si, gerando uma compatibilidade da aplicação destas normas jurídicas de idêntica hierarquia, mesmo que, no caso concreto, seja minimizada a aplicação de um dos direitos envolvidos.


O critério da proporcionalidade


Conceito


Consiste na aferição da idoneidade, necessidade e equilíbrio da intervenção estatal ( por meio de lei, ato administrativo ou decisão judicial ) em determinado direito fundamental. Trata-se de uma ferramenta de aplicação dos DH em geral, em situação de limitação, concorrência ou conflito de DH, na busca de proteção.


Situações típicas de invocação do critério da proporcionalidade na temática dos DH


1) existência de lei ou ato administrativo que, ao incidir sobre determinado direito, o restrinja;

2) existência de lei ou ato administrativo que, ao incidir sobre determinado direito, não o proteja adequadamente;

3) existência de decisão judicial que tenha que, perante um conflito de DH, optar pela prevalência de um direito, limitando outro.

a) Facetas do critério da proporcionalidade

i) fiscalização e proibição do excesso dos atos limitadores do Estado;

ii) promoção de direitos, pela qual o critério da proporcionalidade fiscaliza dos atos estatais excessivamente insuficientes para promover um direito, gerando uma "proibição da proteção insuficiente";

iii) ponderação em um conflito de direitos, pela qual o critério da proporcionalidade é utilizado pelo intérprete para fazer prevalecer um direito, restringindo outro.

b) Fundamentos

i) Implícitos na CF - 88, na visão da doutrina e dos precedentes do STF, embora não haja consenso:

o Estado Democrático de Direito;

o Devido processo legal;

o Dignidade humana e direitos fundamentais;

o Princípio da isonomia;

o Direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios da CF - 88

c) Elementos da proporcionalidade

i) adequação das medidas estatais à realização dos fins propostos: examina-se se a decisão normativa restritiva de um determinado direito fundamental resulta, em abstrato, na realização do objetivo perseguido;

ii) Necessidades das medidas: busca-se detectar se a decisão normativa é indispensável ou se existe outra decisão passível de ser tomada que resulte na mesma finalidade almejada, mas que seja menos maléfica ao direito em análise;

iii) proporcionalidade em sentido estrito: ponderação ( ou equilíbrio ) entre a finalidade perseguida e os meios adotados para sua consecução ( proporcionalidade em sentido estrito ); avaliação da realação custo-benefício da decisão normativa avaliada.

c) Proibição da proteção insuficiente

i) Proibição da proteção insuficiente é o sentido positivo do critério da proporcionalidade: o critério não é apenas controle das restrições a direitos, mas também controle da promoção a direitos.

o Decorre co conhecimento dos deveres de proteção, fruto da dimensão objetiva dos DH.

o A proibição da proteção insuficiente também utiliza os mesmos três elementos da proporcionalidade.

d) "Ponderação de segundo grau"

i) Apesar de a regra de colisão já ter sido previamente estabelecida na CF - 88 ( e o constituinte ter ponderado a limitação dos direitos em colisão ), submete-se esta regra a uma nova ponderação.

e) "Duplo controle de constitucionalidade"

i) Trata-se de avaliar se a aplicação de normas que aparentemente não violariam direitos fundamentais poderiam, no caso concreto, resultar em violação de direitos.

f) Princípio da razoabilidade no campo dos DH

i) Consiste na exigência de verificação da legitimidade dos fins perseguidos por uma lei ou ato administrativo que regulamente ou restrinja o exercício destes direitos

o Origem do instituto: norte-americana ( extraído da cláusula do devido processo legal ).

o Doutrina Brasileira: duas correntes:

Ideia de que há equivalência entre os conceitos de proporcionalidade e razoabilidade, uma vez que ambos têm como fundamento o chamado "devido processo legal substancial";

Ideia de que razoabilidade e proporcionalidade se diferenciam; a razoabilidade representa apenas um dos elementos do critério da proporcionalidade ( elemento adequação ), sendo este mais amplo.

g) Proporcionalidade e inconstitucionalidade

i) A proporcionalidade é um critério, uma ferramenta na aplicação das normas. Assim, se a alei tratou de modo desproporcional determinado direito ou valor constitucional, por violar este direito específico ( tratado de modo desproporcional ), a referida lei é inconstitucional.     


P.S.:


Notas de rodapé:


* O princípio da proporcionalidade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-proporcionalidade-de-direitos-esgotada-em-caso-concreto .


*2 O direito ao devido processo legal, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .


*3 A diversidade terminológica referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em:

https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-as-terminologias-utilizadas-ao-longo-da-hist%C3%B3ria-dos-dh .


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-proporcionalidade-versus-constitucionalidade-na-interpreta%C3%A7%C3%A3o-da-norma .

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