quinta-feira, 2 de abril de 2020

Inovação social: a nova dimensão da administração

Será que está sendo dada ênfase exagerada à ciência e à tecnologia como os agentes da mudança do século vinte e um? As inovações sociais - poucas têm algo a dever à ciência e  à tecnologia - podem ter tido impacto ainda mais profundo na sociedade e na economia, embora, efetivamente tenham tido também impacto naquelas duas áreas. E a administração está, cada vez mais, se tornando agente de inovação social.

Seguem exemplos, entre muitos:

1) O laboratório de pesquisa;

2) O eurodólar e os títulos negociáveis;

3) Massa e movimento de massa;

4) O agente rural ( também conhecido como prestador de assistência técnica e extensão rural ) e

5) A administração propriamente dita, como função organizada e disciplina.

O laboratório de pesquisas como é conhecido hoje, data de mil novecentos e cinco. Foi concebido e construído pela General Electric Company ( GE ), em Schenectady, estado de Nova Iorque, por um dos primeiros gerentes de pesquisa, o físico germano-americano Charles Proteus Steinmetz. Ele tinha dois objetivos claros desde o começo: organizar a ciência e o trabalho científico para produzir invenções tecnológicas responsáveis e construir uma contínua autorrenovação por meio da inovação, de modo que ela se torne inerente ao novo fenômeno social - a grande corporação.

Steinmetz Selecionou duas das características de seu novo laboratório de predecessores do século dezenove. Do engenheiro alemão Hefner-Alteneck, ele se apropriou da ideia de montar dentro da empresa um grupo separado de pessoas treinadas que se devotassem exclusivamente a trabalhos científicos e técnicos - algo em que Hefner-Alteneck havia sido pioneiro em mil oitocentos e setenta e dois, na Siemens Company, em Berlin, cinco anos após ter sido admitido na empresa como primeiro engenheiro da história a ser treinado em uma universidade e contratado por uma organização industrial. E, de Thomas A. Edison, Steinmetz absorveu o projeto de pesquisa: a organização sistemática da pesquisa, a começar pela clara definição do esperado resultado final e pela identificação das etapas do processo e de sua sequência.

Contudo, Steinmetz acrescentou, então, três características suas. A primeira era a de que seus pesquisadores deveriam trabalhar organizados em equipes. Os designers de Hifner-Alteneck - o termo pesquisador veio vem depois - haviam trabalhado de modo como os cientistas trabalhavam na universidade do século dezenove: cada um em seu próprio laboratório, com um ajudante ou dois que desempenhavam as tarefas menores para o chefe, buscavam coisas para ele e, no máximo, faziam experiências conforme as especificações do chefe. No laboratório de Steinmetz havia seniores e juniores, em vez de chefes e ajudantes. Trabalhavam como colegas, cada qual contribuindo individualmente para chegar a um esforço coletivo. As equipes, portanto, precisavam de um diretor de pesquisa para determinar as tarefas de cada pesquisador.

A segunda característica foi que Steinmetz agrupou na mesma equipe pessoas de diversas disciplinas e capacitações - engenheiros, físicos, matemáticos, químicos e até biólogos. Isso era uma novidade completa e um heresia. Na verdade, violava o mais sagrado princípio de uma organização científica do século dezenove: o da máxima especialização. Entretanto, o primeiro prêmio Nobel outorgado a um cientista envolvido em pesquisa industrial foi destinado, em mil novecentos e trinta e dois, a um químico, Irving Langmuir, que trabalhava no laboratório eletrotécnico de Steinmetz.

Finalmente, o laboratório de Steinmetz redefiniu radicalmente a relação entre ciência e tecnologia em pesquisa. Ao estabelecer os objetivos de seu projeto, Steinmetz identificou a nova ciência teórica necessária para que se alcançassem os resultados tecnológicos desejados e, em seguida, organizou a pesquisa pura apropriada para obter o novo conhecimento de que precisava. O próprio Steinmetz era, originalmente, um físico teórico. Em um selo postal dos Estados Unidos da América ( EUA ), ele é homenageado por sua contribuição para a teoria da eletricidade. Contudo, cada uma de suas contribuições resultou de pesquisas que ele havia planejado e especificado como parte de um projeto para conceber e desenvolver uma nova linha de produtos, como motores de cavalo-força fracionados. Tecnologia, segundo o senso comum da época e de hoje também, significa ciência aplicada. No laboratório de Steinmetz, a ciência - inclusive a mais pura das pesquisas puras - é orientada para a tecnologia, ou seja, é um meio para um fim tecnológico.

Dez anos após Steinmetz ter concluído o laboratório da GE, o afamado Bell Labs foi montado, replicando-se os mesmo padrões. Um pouco mais tarde, a DuPont seguiu pelo mesmo caminho e, em seguida, também a IBM. Ao desenvolver o produto que acidentalmente, veio a ser o náilon, a DuPont desenvolveu uma boa parcela de ciência pura no campo de química de polímeros. Nos anos trinta, quando a IBM começou a desenvolver o que acabou por se tornar o computador, a empresa incluiu, desde o começo, em seu projeto e engenharia, pesquisas sobre teoria de comutação, física de solid-state e lógica de computadores.

A inovação de Steinmetz também levou ao laboratório sem paredes, a contribuição específica e importante dos EUA para programas científicos e tecnológicos de grande porte. O primeiro destes, concebido e administrado por Basil O'Connor, antigo sócio do escritório de advocacia do Presidente Franklin D. Roosevelt, foi a Fundação Nacional para a paralisia Infantil ( March of Dimes ), que enfrentou a poliomielite no começo dos anos trinta. Este projeto continuou por mais de vinte e cinco anos e reuniu, com um esforço planejado, passo a passo, um grande número de cientistas de meia dúzia de disciplinas, em uma dúzia de diferentes locações espalhadas pelo país, cada um deles trabalhando no próprio projeto, mas dentro de uma estratégia central e sob uma coordenação geral. Isto estabeleceu, então, o padrão para grandes projetos da Segunda Guerra Mundial: o laboratório do RADAR, o Laboratório Lincoln e, o mais gigantesco deles, o Projeto Manhattan, de energia atômica. Da mesma maneira, a NASA ( Agência Espacial Norte-americana - sigla em inglês ) organizou um laboratório de pesquisa sem paredes quando os EUA decidiram, após Sputnik, colocar um homem na Lua. A ciência orientada para a tecnologia de Steinmetz ainda hoje é altamente controversa e um anátema para muitos cientistas da academia. Apesar disto, é a organização à qual recorre-se imediatamente sempre que surge um novo problema científico, como a AIDS ( Síndrome da Imunodeficiência adquirida - sigla em inglês ) que repentinamente se tornou um enorme problema de saúde entre mil novecentos e oitenta e quatro e mil novecentos e oitenta e cinco.

Em menos de vinte anos, os sistemas financeiros do mundo mudaram mais do que talvez nos duzentos anos anteriores. Os agentes da mudança foram duas inovações sociais: o eurodólar e o uso de títulos negociáveis como uma nova forma de empréstimo comercial. O primeiro criou uma nova economia mundial, dominada pela economia de símbolos do fluxo de capital, taxas de câmbio e créditos. O segundo desencadeou a revolução financeira nos EUA. Substituiu a antiga e aparente perene segmentação de instituições financeiras, como empresas de seguro, bancos de poupança, bancos comerciais, corretoras de títulos e valores mobiliários ( ações ), etc., por supermercados financeiros, cada um focado no serviço financeiro demandado pelo mercado, e não em produtos financeiros específicos. E esta revolução agora se espalha pelo mundo todo.

Nem o eurodólar nem os títulos negociáveis foram concebidos para ser revolucionários. O primeiro foi inventado pelo banco estatal da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ( URSS - atual Federação Russa ) quando o General Eisenhower foi eleito presidente dos EUA em mil novecentos e cinquenta e dois, no meio da Guerra da Coreia. Os russos temiam que o novo presidente promovesse o embargo de seus depósitos destes bancos, mas ainda assim, queriam continuar a ter seu dinheiro em dólares americanos. A solução que encontraram foi o eurodólar: um depósito denominado em moeda americana mas mantido em um banco fora dos EUA. E assim foram criados, em um período de vinte anos, um novo mercado de capitas e uma nova moeda supranacional. Ela está fora, além do controle dos bancos centrais nacionais e, efetivamente, totalmente desregulada. No entanto, em sua totalidde - e existem agora, além do eurodólar, o euroiene, o eurofranco-suíço e o euromarco - é maior, em depósitos e movimentações, que soma de seu equivalente em todos os sistemas bancários dos principais países que atuam no comércio internacional. Na verdade, sem esta inovação dos executivos internacionais do banco estatal da URSS - cada um deles, indubitavelmente, um com comunista - , o capitalismo ( se sua forma liberal até a forma comunista ) poderia não ter sobrevivido e descambado numa espécie de neo-feudalismo. Isto tornou possível a enorme expansão internacional do comércio mundial, que tem sido, nos últimos setenta anos, o dínamo do crescimento econômico e da prosperidade nos países praticantes do livre mercado.

Mais ou menos na mesma época, talvez um pouco mais tarde, duas instituições financeiras americanas - uma, a corretora Doldman Sachs, e a outra, a empresa financeira GE Credit Corporation ( fundada para prover crédito aos clientes do maquinário elétrico da GE ) - tiveram a ideia de usar um antigo, embora totalmente obscuro, instrumento financeiro, o título negociável, como uma nova forma de empréstimo comercial, isto é, como substituto do crédito bancário. Nenhuma destas atuais instituições tem permissão, segundo a legislação financeira americana, para fazer empréstimos comerciais - apenas bancos podem fazer isto. Contudo, títulos negociáveis - essencialmente, apenas uma promessa de pagamento de determinado valor em determinada data - não são considerados empréstimos ( ou operações de crédito ), mas um título mobiliário, e isto, por sua vez, os bancos não têm permissão de emitir. Economicamente, contudo, não existe a menor diferença entre as duas coisas - algo que ninguém havia vislumbrado até então. Ao explorar esta tecnicidade legal, estas duas empresas, e as dezenas de outras que as seguiram imediatamente, conseguiram contornar a barreira aparentemente inexpugnável do monopólio dos empréstimos dos bancos comerciais, principalmente porque o crédito baseado em títulos negociáveis pode ser oferecido a taxas de juro muito menores que aquelas oferecidas pelos bancos contra os depósitos dos clientes. Em um primeiro momento, os bancos ignoravam os títulos negociáveis, achando que seriam um mero artifício. Entretanto, em quinze anos, estes papeis haviam abolido a maior parte, se não todas as linhas demarcatórias e barreiras entre todos os tipos de crédito e investimentos na economia americana, a aponto de hoje praticamente todas as instituições e instrumentos financeiros competirem entre si.

Durante duzentos anos, os economistas consideravam o sistema financeiro e de crédito o núcleo da economia e sua mais importante característica. Em todos os países, este sistema está protegido por leis, regras, e regulamentações, tudo concebido para preservá-lo e evitar qualquer mudança. E em nenhum lugar o sistema financeiro foi mais meticulosamente estruturado e mais cuidadosamente guardado que nos EUA. Os títulos negociáveis - uma mudança, embora pequena, e uma inovação quase insignificante - conseguiram ultrapassar todas as salvaguardas da lei, regulações e costumes, e subverteram o sistema financeiro americano. Ainda são feitos um ranking de bancos. Contudo, embora o Citibank de Nova Iorque ainda seja, com certeza, o maior banco do país - e, no conjunto, também a maior instituição financeira - , o banco número dois provavelmente nem é um banco, mas a GE Credit Corporation. e Walter Wriston, há muito tempo chairman do Citibank, observava que seu maior concorrente em atividades bancárias e finanças não é uma instituição financeira, mas a Sears Roebuck, a maior cadeia de lojas de departamentos do país, que agora faz mais financiamentos ao consumidor do que qualquer instituição de crédito.

A terceira inovação social do século vinte são a massa e os movimentos de massa. A massa é um coletivo. Tem comportamento e identidade próprios. Não é irracional; pelo contrário, é altamente previsível. Mas sua dinâmica é aquilo que, em um indívíduo, seria chamado de o subconsciente.

A essência do movimento de massa é a concentração. Suas moléculas individuais, os indivíduos que a constituem, são o que um químico chama de altamente organizadas e energizadas. Todas apontam na mesma direção e carregam a mesma energia. Em termos de um físico nuclear, a massa é uma massa crítica, isto é, a menor fração, de tamanho suficiente para alterar a natureza e o comportamento do todo.

A massa foi inventada - e foi uma invenção, e não apenas uma descoberta - nos últimos anos do século dezenove, quando, ao explorarem a então novíssima alfabetização das pessoas, dois americanos, Joseph Pulitzer e William Randolph Hearst, criaram o primeiro meio de comunicação de massa: o jornal, que era barato e tinha ampla circulação. Até então, um jornal deveria ser redigido por gentlemen para gentlemen, como o cabeçalho de um periódico londrino orgulhosamente proclamou durante anos. Por outro lado, a imprensa marrom de Pulitzer e Hearst era olhada com desprezo, como redigida por cafetões para trombadinhas. Contudo, ela criou um mercado de massa de leitores e de admiradores.

Estes dois homens e seus jornais então criaram e lideraram o primeiro movimento político de massa moderno: a campanha que forçou a entrada dos EUA na Guerra Hispano-Americana, de mil oitocentos e noventa e oito. A tática desenvolvida por eles se tornou, desde então, um padrão para todos os movimentos de massa. Eles nem pensaram em convencer a maioria, como alguns movimentos anteriores - o dos abolicionistas ou dos Free Soilers ( pequeno mas influente partido americano do século dezenove, mais tarde absorvido pelo Partido Republicano, que se opôs à ampliação da escravatura para estados do oeste do país ), por exemplo - haviam tentado. Pelo contrário, tentaram organizar uma minoria de pessoas fieis, os verdadeiros crentes - e provavelmente jamais chegaram a ter mais de dez por cento do eleitorado. Mas organizaram este público de seguidores como uma tropa de choque, em torno de uma única causa: lutar contra a Espanha. Em cada edição, eles incitavam seus leitores a recortar um cartão-postal e enviá-lo a seus representantes no Congresso Nacional, exigindo que os EUA declarassem guerra contra os espanhóis. e tornaram a predisposição de um candidato de se comprometer com a questão da guerra como o único critério para endossá-lo ou repeli-lo, independentemente de sua posição em qualquer outra questão. Assim, uma pequena minoria, embora quase todos os formadores de opinião do país se opusesse, a esta ideia.

Um movimento de massa é poderoso precisamente porque a maioria tem diversidade de interesses em relação a vários assuntos e, portanto, preocupação moderada em relação ao todo e nenhum zelo específico. A causa única dá ao movimento de massa disciplina e disposição de seguir um líder. Deste modo, a causa de destaca e parece ser muito maior do que realmente é. O movimento de massa permite a uma única causa dominar o noticiário e, efetivamente, determinar o que é notícia. E, pelo fato de tornar seu apoio a partidos ou candidatos totalmente dependente da disposição deles de se comprometerem ou não com com única causa, representa, com frequência, o fator decisivo de uma eleição.

O primeiro a aplicar o que Pulitzer e Hearst haviam inventado a uma cruzada permanente foi o movimento de controle do consumo de álcool ( nos EUA, denominado temperance movement ). Por quase um século, tais grupos, como a Anti-Saloon League e o Women's Christian Temperance Union, haviam lutado e feito campanhas sem muito sucesso. Por volta do ano mil e novecentos, o apoio a estes movimentos estava provavelmente em seu nível mais baixo desde a Guerra Civil. E, então, eles, adotaram a nova tática do movimento de massa. A Women's Christian Temperance Union até mesmo contratou diversos editores que trabalhavam para Pulitzer e Hearst. Os verdadeiros crentes da Pohibition ( o movimento legal de banimento a fabricação e venda e trasnporte do álcool nos EUA ) jamais ultrapassaram cinco ou dez por cento do eleitorado, mas, em menos de vinte anos, seus preceitos foram transcritos na Constituição.

Desde então, causas únicas - meio ambiente, segurança dos automóveis, desarmamento nuclear, direitos dos homossexuais e outros - se tornara lugar-comum. Contudo, somente agora há um começo de atino de quão profundamente os movimentos de massa de causa única mudaram a política de todos os países democráticos.

E fora dos EUA, a inovação social da massa teve impactos ainda maiores. As grandes tiranias do século vinte - os bolcheviques e Lênin e Stalin, o fascismo de Mussolini, o nazismo de Hitler e mesmo o maoismo de Mao Tsé tung - são todas aplicações do movimento de massas, a altamente disciplinada minoria de verdadeiros crentes de uma única causa, ao objetivo político final de conquistar o poder e mantê-lo.

Certamente, nenhuma descoberta ou invenção do século vinte teve maior impacto do que a inovação social da massa e dos movimentos de massa. Apesar disto, nenhum é menos compreendido.

Na verdade, naquilo que diz respeito à massa, se está hoje mais ou menos onde se estava em relação à psicodinâmica do indivíduo há cento e quarenta anos. É que era sabido da existências das paixões. Mas isto era algo que só se podia justificar como parte da natureza animal. Eram explicações que ficavam fora do racional, isto é, fora de previsão, análise ou compreensão. Tudo o que se podia fazser era suprimi-las. E então, há cento e quarenta anos, Freud mostrou que as paixões têm suas razões ou, como efetivamente, disse Pascal: "O coração tem razões que a própria razão desconhece.". Freud demonstrou que o subconsciente é tão estritamente racional quanto o consciente, e que tem a própria lógica e os próprios mecanismos. E, embora nem todos os psicólogos de hoje - na verdade, nem mesmo uma maioria - aceitem fatores causais específicos da psicanálise freudiana, todos aceitam a psicodinâmica do indivíduo.

No entanto, até aqui, ainda não há um Sigmund Freud da massa.

O evento econômico único mais importante do século vinte é, certamente, o crescimento quase exponencial da produção agrícola e da produtividade das terras no mundo inteiro ( exceto, é claro, na URSS ). Este fenômeno foi provocado principalmente por uma inovação social do começo do século vinte: o agente rural ( também conhecido como o prestador de serviço de assistência técnica e extensão rural ).

Há cento e quarenta anos, Karl Marx tinha uma boa razão para o desprezo que dedicava ao camponês, que considerava irrecuperavelmente ignorante e não produtivo. Com efeito, praticamente todos os observadores do século dezenove compartilhavam da visão de Marx. Em mil oitocentos e oitenta, já havia duzentos anos que trabalhos científicos sistemáticos sobre métodos e tecnologias agrícolas eram desenvolvidos. Cem anos antes já tivera início até mesmo o sistemático treinamento de fazendeiros e agrônomos em uma universidade agrícola. No entanto, apenas um número muito reduzido de grandes proprietários de terra estava prestando atenção. Em mil oitocentos e oitenta, a maioria - por exemplo, praticamente todos os fazendeiros americanos - não mantinha qualquer prática rural que fosse diferente, melhor ou resultante em maior produção do que aquelas praticadas por seus ancestrais durante séculos. E, vinte anos mais tarde, por volta do ano mil e novecentos, ainda não houvera qualquer mudança.

Então, repentinamente, por volta dos anos da Primeira Guerra Mundial, talvez um pouco mais tarde, as coisas se transformaram drasticamente. A mudança começou nos EUA. Hoje, ela já se espalhou pelo mundo. De fato, o surto da produção e da produtividade agrícola se tornou mais pronunciado em países do Terceiro Mundo, como, por exemplo a Índia e provavelmente também os demais membros dos BRICS.

O que aconteceu não foi que os fazendeiros tenham repentinamente mudado a locação de suas terras e, sim, uma inovação social que colocou o novo conhecimento agrícola ao alcance deles. Julius Rosenwald, diretor de uma empresa de vendas pelos Correios, a Sears Roebuck, ele mesmo um comerciante de artigos de vestuário de Chicago e o mais puro dos cidadão urbanos, inventou o agente rural ( e, durante dez anos, pagou seu salário do próprio bolso, até que o governo dos EUA finalmente assumiu o Serviço de Extensão Rural). Ele não fez isto somente por razões filantrópicas, mas principalmente para criar poder de compra junto a seus principais clientes, os fazendeiros americanos. O agente rural oferecia aquilo que, até então, não existia: um escoamento a partir do crescente conjunto de conhecimentos e informações agrícolas até seus praticantes nos campos. E, em poucos anos, o camponês ignorante, reacionário e arraigado às tradições, dos tempos de Marx, se tornara um tecnólogo agrícola da revolução científica dos campos.

O último exemplo de inovação social é a administração. Administradores, é claro, já existem há muito tempo. O termo em si foi, contudo cunhado no século vinte. Mas somente neste século, principalmente nos últimos noventa anos, foi que a administração surgiu como uma função genérica da sociedade, como um tipo de trabalho distinto e como disciplina. Há mais de um século, a maior parte das grandes tarefas, inclusive a tarefa econômica que é denominada negócio, era formada e realizada principalmente por famílias ou por empreendimentos familiares, como uma pequena oficina de artesanato. A esta altura, todas as tarefas já se haviam transformado em instituições organizadas: agências de governo, universalidades, hospitais, empreendimentos de negócio, a Cruz Vermelha, sindicatos e assim por diante. E todas devem ser administradas. A administração é, portanto, a função específica da sociedade de organizações atual. É a prática específica que converte uma turba em um grupo eficaz, focado e produtivo.

A administração e a organização se tornaram globais, e não ocidentais ou capitalistas. No começo dos anos cinquenta, a administração foi introduzida no Japão como disciplina organizada e se tornou o fundamento do espetacular sucesso econômico e social do país. A administração é um assunto calorosamente discutido na URSS ( atual Federação Russa ) e um dos primeiros movimentos dos chineses após o recuo do Maoismo foi o estabelecimento da Agência de Administração de Empreendimentos, subordinada ao gabinete do primeiro-ministro, e a importação de uma escola de administração de estilo americano.

A essência da organização moderna é tornar pontos fortes individuais e conhecimentos produtivos, enquanto reduz os pontos fracos à irrelevância. Em organizações tradicionais - aquelas que construíram as pirâmides e as catedrais góticas, ou os exércitos dos séculos dezoito e dezenove - , todos executavam exatamente o mesmo trabalho não qualificado, em que a força bruta era a maior contribuição. Tal conhecimento, como ele existia, estava concentrado no topo e em pouquíssimas cabeças.

Em organizações modernas, todos têm conhecimento e capacitações razoavelmente avançadas - há o metalúrgico, o especialista em acidentes da Red Cross, o designer de ferramentas, o especialista em treinamento, o captador de recursos, os fisioterapeuta, o analista financeiro, o programador de computadores. Todos fazem seu trabalho, contribuem com seu conhecimento e compartilham um objetivo comum. O pouco que cada um sabe, conta. O infinito que descobrem, não importa.

As duas culturas hoje podem não ser mais a do humanista e a do cientista, como proclamou há setenta anos, C. P. Snow, o físico inglês que se transformou em escritor. Elas podem ser as culturas que seriam chamadas de intelectuais e administradores: os primeiros enxergam a realidade como ideias e símbolos; os segundos a veem como desempenho e pessoas.

Administração e organização ainda são muito primitivas. Como é comum em uma disciplina que evolui rapidamente - como aconteceu, por exemplo, com a medicina até há poucos anos - , a lacuna entre os praticantes líderes e a maioria é enorme, mas está diminuindo, embora lentamente. Pouquíssimos, mesmo os mais bem-sucedidos administradores de hoje em todas as organizações, percebem que a administração é definida pela responsabilidade, não pelo poder. Pouquíssimos combatem a debilitante doença do excesso de burocracia: a crença de que grandes orçamentos e um numeroso corpo de assessores são conquistas, e não incompetência.

Apesar disto, o impacto tem sido gigantesco. A administração e seu surgimento tornaram, por exemplo, igualmente obsoletos tanto as teorias sociais que dominavam o século dezenove quanto sua retórica política: a crença jeffersoniana de que a sociedade estava se movendo rumo a uma estrutura cristalina de pequenos proprietários - o fazendeiro com seus quarenta acres ( ou dezesseis hectares ) de terra ( o equivalente a dezesseis campos de futebol ), o artesão com sua oficina, o vendedor que é dono da própria lojinha, o profissional independente - e o teorema marxista de uma sociedade que se transforma inexoravelmente em um gás amorfo, igualmente empobrecido de proletários igualmente destituídos. Em vez disto, a organização criou uma sociedade de empregados. Nela, os operários são uma minoria que diminui regularmente. Trabalhadores com conhecimento são a nova e crescente maioria - tanto o principal recurso de todas as sociedades desenvolvidas. E, embora trabalhadores com conhecimento sejam empregados, não são proletários, mas, por meio de seus fundos de pensão, os únicos capitalistas e, coletivamente, os proprietários dos meios de produção.

A administração é, em grande parte, responsável pelo mais extraordinário fenômeno do século vinte: a explosão educacional. Quanto mais educadas forem as pessoas, mais dependentes serão das organizações. Praticamente todas as pessoas, mais dependentes serão das organizações. Praticamente todas as pessoas com nível educacional além dos ensino médio, em todos os países desenvolvidos - nos EUA, representam mais de noventa por cento - , passarão a vida de trabalho como empregadas de organizações administradas e jamais poderiam sobreviver sem elas. e nem seus professores.

Conclusão

Se isto fosse uma história de inovação social no século vinte, teria de ser citado e discutido inúmeros exemplos adicionais. Mas este não é o objetivo deste texto. Seu propósito não consiste em mostrar a importância desta questão, mas, acima de tudo, mostrar que a inovação social no século vinte se tornou, em grande parte, uma tarefa do administrador.

Nem sempre isto foi assim; pelo contrário, é uma novidade.

O ato que, por exemplo, abriu o século dezenove foi uma inovação: a Constituição Americana. Constituições não eram, é claro, nenhuma novidade. Elas remontavam à Grécia antiga. Mas a Constituição americana era diferente. Foi a primeira a dar instruções presumivelmente imutáveis e expressão da eterna verdade. E, então, os americanos criaram na Suprema Corte um mecanismo para adaptar a Constituição a novas condições e demandas. Estas duas inovações explicam porque a Constituição americana sobrevive enquanto todas as anteriores se extinguiram após um breve período de frustração total.

Um século mais tarde, o Príncipe Bismarck, da Alemanha, criou, sem qualquer precedente, as inovações sociais que hoje é denominada Previdência Social / Seguro-saúde / Pensão para idosos / Seguro contra acidentes de trabalho, que mais tarde, foram seguidos pelo seguro-desemprego. Bismarck sabia exatamente o que estava fazendo: desarmando o detonador de uma guerra de classes que ameaçava destruir o próprio tecido social. E ele foi bem-sucedido. Em quinze anos, o socialismo no leste e no norte da Europa havia deixado de ser revolucionário para se tornar revisionista.

Fora do Ocidente, o século dezenove produziu a tremenda inovação social da Restauração Meiji, no Japão, que permitiu ao menos ocidental e mais isolado de todos os países contemporâneos tornar-se, ao mesmo tempo, um moderno Estado e nação e manter a identidade social e cultural.

O século dezenove foi, portanto, um período de grande inovação social. Contudo, com apenas algumas exceções, as inovações sociais do século dezenove foram produzidas por governos - a invenção, isto é, a descoberta técnica, foi deixada para o setor privado. A inovação social era um ato de governo e político.

De alguma forma, no século vinte, o governo parece ter perdido a capacidade de promover inovações sociais eficazes. Nos EUA do New Deal, nos anos trinta, isto ainda era possível, embora as únicas inovações deste período que funcionaram tenham sido as coisas que foram concebidas e exaustivamente testadas em uma época anterior, geralmente antes da Primeira Guerra Mundial, em experimentos-piloto de larga escala, conduzidos individualmente por estados da federação, como Wisconsin, Nova Iorque e Califórnia. Desde então, contudo, houve pouquíssimas inovações conduzidas pelo governo em qualquer país desenvolvido que tenham produzido os resultados para os quais foram concebidas - na verdade, poucas produziram qualquer tipo de resultado, exceto altíssimos custos.

Em vez disto, as inovações sociais foram encampadas pelo setor privado, não governamental. De ato político, elas se transformaram em tarefas administrativas. Ainda não há metodologias suficientes para elas, embora seja possível dizer que já há a disciplina da inovação. Poucas sociais em administração sabem, neste momento, o que pretendem conseguir, da mesma maneira como os Pais Fundadores dos EUA, Bismarck e os estadistas do Meiji conseguiram - embora o exemplo dos agentes rurais ( ou prestadores do serviço de assistência técnica e extensão rural ) de Rosenwald indique o que pode ser feito. Ainda assim, a inovação social se tornou, claramente, a nova dimensão da administração. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

Mais em:

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