A pandemia de HIV completou quarenta anos em Dois mil e vinte e um com números menores de casos e mortes no Estado de Santa Catarina ( SC ), mas também com desafios como uma maior adesão à testagem e ao diagnóstico precoce. O Dia Mundial de Combate à Aids foi celebrado nesta quarta-feira ( primeiro de dezembro de dois mil e vinte e um ) e marcou a luta pela prevenção e também contra o estigma que ainda envolve o tema.
Em SC, o número de casos de HIV caiu Vinte e nove por cento nos últimos cinco anos, entre Dois mil e dezesseis e Dois mil e vinte, segundo dados da Diretoria de Vigilância Epidemiológica de SC ( DIVE ). Foram Dois mil duzentos e setenta e três diagnósticos em Dois mil e dezesseis contra Mil seiscentos e dezoito em Dois mil e vinte. Movimento parecido teve o número de óbitos causados por Síndrome de Imunodeficiência Adquirida ( AIDS - sigla em inglês ) no Estado, que caiu Vinte e cinco por cento no mesmo intervalo. As mortes passaram de Quinhentos e trinta e uma em Dois mil e dezesseis para trezentos e noventa e seis em Dois mil e vinte.
Nos dois casos, no entanto, a maior parte da redução ocorreu no ano de Dois mil e vinte, quando já pode ter sofrido impacto da pandemia de Covid - Dezenove. A médica infectologista e gerente de IST, HIV / Aids e Doenças Infecciosas Crônicas da DIVE, Regina Valim, diz que ainda não é possível quantificar, mas admite que a crise de saúde do Coronavírus trouxe reflexos para os diagnósticos de HIV no Estado.
– Muitas unidades de atendimento ficaram voltadas somente à Covid, ou fechadas, e isto impactou em diminuição de diagnóstico e abandono de tratamento – afirma.
De forma geral, Regina afirma que o que vem se observando no mundo nos últimos anos é uma estabilidade de casos.
– Mas a gente não quer estabilidade, afinal, são quarenta anos. A gente quer redução. Nestes últimos anos, os óbitos foram reduzidos, mas precisam reduzir ainda mais. E isto só melhora se conseguir detectar ( a infecção ) mais precocemente – sustenta.
Segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde ( MS ), SC tinha a quarta maior taxa de detecção de AIDS no país, ao lado do Estado do Mato Grosso ( MS ), com Vinte e cinco vírgula Um por cento. Os dois Estados eram superados apenas pelo Rio Grande do Sul ( Vinte e oito vírgula Três por cento ), Amazonas ( Trinta e quatro vírgula Oito por cento ) e Roraima ( Quarenta vírgula Um por cento ).
Relatório divulgado nesta semana pelo UNICEF apontou que ao menos trezentos e vinte mil crianças foram infectadas pelo HIV em Dois mil e vinte – o que equivale a uma criança a cada dois minutos. Outras Cento e vinte mil crianças morreram de causas relacionadas à AIDS também em Dois mil e vinte - uma a cada cinco minutos.
Testagem e diagnóstico precoce são desafios
Na visão da infectologista, ainda existem muitos diagnósticos tardios, feitos quando a pessoa já está internada por causa de outra doença, com a imunidade muito comprometida:
– Temos que deixar o teste de fácil acesso como é hoje uma verificação de pressão arterial. Que possa ser feito em qualquer unidade básica. A infecção é silenciosa, se a pessoa esperar ter sintoma, geralmente, vai fazer um diagnóstico tardio. O que as pessoas têm que fazer, além de ter ações preventivas, o que se consegue de forma gratuita, com preservativos fornecidos em todos os postos, é fazer mais testagens para ter diagnóstico precoce.
Para alcançar esse objetivo, conversas mais abertas sobre sexualidade podem ajudar. Isso porque são capazes de fazer as pessoas não se sentirem tão inseguras ou com receio de procurar testagem e atendimento.
Nestes quarenta anos, a infectologista diz que a criação de drogas eficientes, com baixo efeito adverso e facilidade de administração, com poucos comprimidos e doses apenas uma vez ao dia, foram passos importantes. Eles permitem deixar o paciente com carga viral indetectável – o que, consequentemente, significa que ela não transmitirá o vírus. Também faz com que ele não desenvolva Aids, o estágio avançado da infecção por HIV em que a imunidade fica muito comprometida.
– Este é outro ponto importante: se eu inicio a medicação logo após o diagnóstico, a chance de expectativa de vida é igual à da população não portadora – compara Regina.
‘Estigma é a maior doença’, diz ativista
A moradora de Florianópolis ( Capital do Estado de SC ), Letícia de Assis, de Quarenta e quatro anos de idade, descobriu que tinha o vírus HIV depois que precisou ser internada por conta de uma forte pneumonia, no fim de Dois mil e dezesseis. O quadro chegou a deixá-la em coma por Vinte dias. Após um teste que diagnosticou a infecção, ela recebeu uma estimativa de que teria contraído o vírus entre seis e sete anos antes. O cálculo a levou a concluir que foi infectada por um antigo namorado.
Letícia lembra que no começo se sentiu aprisionada, mas que logo quis ter a liberdade de falar abertamente e tentar naturalizar o assunto. Ela hoje mantém um canal de vídeos na internet em que fala, entre outros temas, sobre a relação com o HIV e orienta pessoas que possam descobrir recentemente a infecção.
A estratégia foi adotada para tentar ajudar pessoas a não precisarem chegar ao estado grave que ela teve por ignorar a importância da testagem frequente. E, claro, para tentar desfazer o estigma que, 40 anos após os primeiros casos, ainda cerca a doença.
– Costumo dizer que o estigma é pior que o HIV. Mais ferino, mais poderoso, no sentido negativo, e não tem tratamento. O estigma é realmente a maior doença, é o que mais coloca a vida da gente em risco, coloca pessoas em depressão, síndrome do pânico – conta.
Ela diz que em cidades pequenas esse tabu é ainda mais acentuado.
– As pessoas te marcam, marcam os filhos, pais, parentes. Pela ignorância em torno da doença, acham que não podem beber do mesmo copo, respirar do mesmo ar – afirma
Letícia afirma que para vencer esse preconceito, são importantes campanhas que conversem com o público jovem, mas diz que essas ações se tornaram mais raras nos últimos anos, ou feitas com linguagem menos acessível.
‘Assunto ainda é ponto de interrogação para muitos’
Leonardo*, de Vinte e quatro anos de idade, recebeu o diagnóstico de HIV positivo no final de Dois mil e dezoito. Fez o teste após apresentar sintomas de IST, poucas semanas após manter relação sem proteção.
– Na época, foi bem difícil aceitar. Foi um choque, algo que não esperava. Até por sempre ter tido conscientização, cuidar, me prevenir. Mas nas poucas vezes que não usei proteção, não tinha esse medo, não pensava nessa possibilidade – reconhece.
Morador de Florianópolis, ele admite que não sabia nada sobre HIV até então e, a partir daí, passou a pesquisar e entender mais sobre o assunto. O apoio da família e dos amigos foi algo fundamental nesse período.
– Sinto que ainda é algo que as pessoas falam pouco, muitos ainda têm medo, vergonha. Confesso que não é algo que eu exponho, a não ser quando é alguém muito próximo. Ainda sinto, sim, esse estigma, pessoas não falam muito disso, acho que isso deixa esse assunto ainda como um ponto de interrogação para muitos, e aí muitos julgam – avalia.
No dia dedicado à luta contra a doença, ele propõe que a principal reflexão seja sobre a importância de se proteger e também de conhecer melhor a doença.
– Acredito que é realmente naturalizar. Quanto mais a gente falar e entender sobre esse assunto, como é conviver com o vírus, mais vão entender que não é um monstro, que vai acabar com a vida. Eu lembro, hoje, olhando as crises que eu tinha, eram as coisas que eu mesmo falava, que pessoas não iam mais me sentir da mesma forma, e vejo que não, não é assim. Precisamos falar sobre o assunto e entendê-lo para que deixe de ser essa coisa ruim, porque não é por aí – defende.
* Nome fictício
Tratamentos e novo comprimido único
As medicações existentes atualmente já permitem que o paciente fique indetectável – e consequentemente intransmissível – entre dois e seis meses. Também facilitaram a adesão ao tratamento, já que passaram a ter poucos comprimidos, com administração uma vez ao dia. O suporte oferecido no Brasil, todo gratuito, é considerado um dos mais avançados do mundo. A rede de saúde também oferece gratuitamente tratamentos pré e pós-exposição ao HIV, para aumentar a proteção de quem convive com pessoa com o vírus ou se expôs acidentalmente em menos de Setenta e duas horas.
Os testes rápidos podem ser feitos sem estrutura laboratorial e têm resultados divulgados em até Trinta minutos. Eles podem ser agendados em unidades de saúde ou diretamente nos centros de testagem rápida. Os tratamentos são indicados logo após as pessoas receberem o diagnóstico positivo.
Outras tecnologias também estão em curso para oferecer ainda mais saúde e melhoria na qualidade de vida às pessoas vivendo com HIV.
Uma destas novidades teve nesta segunda-feira ( Vinte e nove de dezembro de dois mil e vinte e um ) aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária ( ANVISA ). O órgão aprovou o primeiro tratamento para HIV que combina em um comprimido único duas substâncias necessárias a pacientes – lamivudina e dolutegravir sódico. Ele deve ser o primeiro medicamento com dose única para pessoas em início de tratamento. A novidade é vista como um avanço porque simplifica o controle e facilita a adesão à terapia.
Com informações de:
Jean Laurindo ( jean.laurindo@nsc.com.br ) .
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