Em junho de Dois mil e treze, na Assembleia Ordinária da Organização dos Estados Americanos ( OEA ), realizada em Antígua, foram aprovadas duas importantes convenções contra a intolerância e discriminação: a Convenção Interamericana Contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância ( CICRDRFCI ) ( numerada como A - Sessenta e oito ) e a Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância ( CICTFDI ) ( numerada como A - Sessenta e nove ). A elaboração dessas convenções teve início com a iniciativa, no ano Dois mil, da Assembleia Geral da OEA, que recomendou ao Conselho Permanente ( CP ) estudasse a possibilidade de elaborar projeto de convenção interamericana para prevenir, sancionar e erradicar projeto de convenção interamericana para prevenir, sancionar, erradicar o racismo e toda forma de discriminação e intolerância.
Em Dois mil e onze, o Grupo de
Trabalho ( GT ) encarregado da redação da minuta do texto entendendo ser
necessário dividir o projeto original, abandonando-se a ideia de uma grande
convenção antidiscriminação, uma vez que alguns Estados não ratificariam uma
convenção que abarcasse temas envolvendo identidade de gênero e orientação
sexual.
Por isso, a primeira convenção
( A - Sessenta e oito ) centrou-se no combate ao racismo e à
discriminação racial; a segunda ( A - Sessenta e nove ) ataca a discriminação e
a intolerância em geral, combatendo facetas inéditas no Direito Internacional
convencional referentes à discriminação, como aquelas geradas por orientação
sexual, identidade de gênero e condição infectocontagiosa estigmatizada.
Essas convenções tratam de
atualizar e fazer avançar o acervo antidiscriminação do Direito Internacional
dos Direitos Humanos ( DIDH ) ( * vide nota de rodapé ), que tem seu marco inicial na edição da Convenção da Organização das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial ( CONUETFDR ) de Mil novecentos e sessenta e cinco ( *2 vide nota de rodapé ).
Quanto à Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância ( CICTFDI ), esta já foi assinada, mas não ratificada pelo Brasil. Possui, até Dois mil e vinte, apenas dois Estados Partes ( Uruguai e México ) ( *3 vide nota de rodapé ). Essa CICTFDI é pioneira nas Américas e também precede a eventual tratado universal sobre o combate à discriminação e intolerância em geral. Além disso, essa CICTFDI realizou avanço significativo na matéria: nenhuma outra convenção de Direitos Humanos ( DH ) possui, até o momento, um conceito tão inclusivo no que tange às diferentes facetas da discriminação, explicitando fatores de discriminação e grupos vulneráveis ( contra a orientação sexual e migrantes ) outrora esquecidos.
Em linhas gerais, a adoção de um trtado específico sobre discriminação e intolerância é importante porque fornece:
1) visibilidade e
2) aprofunda a redação e amplitude dos direitos ao segmento vulnerável, como ocorreu, agora, com essa CICTFDI.
Nos "Considerandos", a CICTFDI estabelece o dever dos Estados de fomentar e estimular o respeito aos DH sem distinção de gênero, idade, orientação de gênero, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer natureza, origem social, posição econômica, condição de migração, refugiado ou deslocado interno, nascimento, condição infectocontagiosa estigmatizada, característica genérica, deficiência, sofrimento psíquico incapacitante ou qualquer outra condição social.
Por isso, fica estabelecido que uma sociedade pluralista e democrática deve respeitar a identidade cultural, linguística, religiosa, de gênero e sexual de toda pessoa, que pertença ou não a uma minoria, bem como criar condições que lhe permitam expressar, preservar e desenvolver tal identidade.
A CICTFDI é composta por Vinte e dois Artigos e visa à promoção de direitos pautada na dignidade, ausência de qualquer discriminação odiosa e respeito à alteridade, combatendo simultaneamente a intolerância e a busca da exclusão ilegítima do outro.
Nessa linha, a CICTFDI define discriminação como sendo qualquer:
1) distinção,
2) exclusão,
3) restrição ou
4) preferência em qualquer esfera pública ou privada, que tenha como objetivo ou efeito anular ou limitar o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de DH consagrados em instrumentos internacionais.
Assim, a discriminação é todo tratamento de diferenciação, restrição ou mesmo exclusão sem justificativa racional e proporcional, realizado por agentes públicos ou privados, visando à privação ou prejuízo a direitos de outrem.
Na linha dos "considerandos", o Artigo Primeiro ponto Um da CICTFDI estipula que a discriminação pode estar baseada em Quinze motivos, a saber:
1) nacionalidade,
2) idade,
3) gênero,
4) orientação de gênero,
5) identidade e expressão de gênero,
6) idioma,
7) religião,
8) identidade cultural,
9) opiniões políticas ou de qualquer natureza,
10) origem social,
11) posição socioeconômica,
12) nível de educação,
13) condição migratória, de refugiado, repatriado, apátrida ou deslocado interno,
14) deficiência,
15) característica genética,
16) condição de saúde mental ou física, incluindo doença infectocontagiosa, psíquica, incapacitante ou qualquer outra.
A discriminação pode ser direta ou indireta:
1) a discriminação direta assume um dos critérios de diferenciação vistos acima para gerar desvantagem de modo desigual e injusto;
2) a discriminação indireta adota critério aparentemente neutro, mas que implica em desvantagem maior para os que pertencem a determinado grupo.
Ainda, a discriminação pode ser múltipla ou agravada, que consiste em qualquer preferência, distinção, exclusão ou restrição, baseada, concomitantemente, em dois ou mais fatores de diferenciação já expostos acima.
A CICTFDI não considera discriminação odiosa as medidas especiais ou ações afirmativas que são adotadas para assegurar a igualdade material e o exercício de direitos por parte de determinados grupos, desde que tais medidas não impliquem na manutenção de direitos separados para grupos distintos e ainda que sejam temporárias ( até que seus objetivos sejam atingidos ).
Já a intolerância consiste no ato, conjunto de atos ou manifestações que expressam o desrespeito, rechaço ou desprezo da dignidade, características, convicções e opiniões de seres humanos por serem diferentes ou contrárias. A intolerância pode ser manifestada em atos de marginalização ou mesmo exclusão da participação na vida pública ou privada de grupos em condições de vulnerabilidade, bem como pode ser expressa em atos de violência.
Entre seus principais dispositivos estão:
1) Direitos protegidos. a CICTFDI determina que todo ser humano é igual perante a lei e tem direito à proteção igualitária contra toda forma de discriminação e intolerância em qualquer âmbito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção, em condições de igualdade, de todos os demais direitos e liberdades consagrados no direito nacional e internacional, tanto no âmbito individual quanto no coletivo.
2) Reconhecimento do dever do Estado em prevenir e reprimir a discriminação e intolerância. Os Estados devem prevenir, eliminar, proibir e sancionar os atos e manifestações de intolerância e discriminação em todas as áreas, o que inclui o uso da internet ou qualquer meio de comunicação para tais propósitos ( combate ao hate speech ).
3) Adoção de políticas e ações afirmativas. Os Estados devem adotar políticas e ações afirmativas para garantir o gozo e o exercício de direitos por parte das pessoas e grupos discriminados e alvos de intolerância, com o objetivo de promover condições de igualdade e oportunidade para todos.
4) Representação política pautada na diversidade. Os Estados devem assegurar que seus sistemas políticos e jurídicos reflitam apropriadamente a diversidade dentro de suas sociedades, a fim de atender ás necessidades especiais e legítimas de cada setor da população, para combater a discriminação e intolerância.
5) Mandados de criminalização. Os Estados comprometem-se a assegurar às vítimas de discriminação e intolerância um tratamento equitativo, igualitário e não discriminatório no acesso ao sistema de justiça, com processos ágeis e eficazes, para que seja obtida uma justa reparação no âmbito civil ou penal.
6) Supervisão da Comissão para a Prevenção e Eliminação do Racismo, Discriminação Racial e Todas as Formas de Discriminação e Intolerância ( CPERDRTFDI ). Foi criado um Comitê, composto por especialistas independentes nomeados pelos Estados Partes, que tem a atribuição de monitorar os compromissos assumidos perante esta CICTFDI e também perante a Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância ( CICRDRFCI ).
Quadro sinótico
CICTFDI
Natureza jurídica: Tratado assinado, mas não ratificado ainda pelo Brasil.
Objetivo: Promover o respeito aos direitos sem discriminação odiosa de qualquer natureza, abrangendo fatores de discriminação e intolerância não mencionada explicitamente em tratados anteriores, como a discriminação e intolerância por orientação de gênero, por condição infectocontagiosa estigmatizada etc.
Essência da CICTFDI: Estabelece o dever dos Estados de fomentar e estimular o respeito aos DH sem distinção de gênero, idade, orientação de gênero, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer natureza, origem social, posição econômica, condição de migrante, refugiado ou deslocado interno, nascimento, condição infectocontagiosa estigmatizada, característica genética, deficiência, sofrimento psíquico incapacitante ou qualquer outra condição social.
P.S.:
Notas de rodapé:
* A diversidade terminológica referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-as-terminologias.html .
*2 A Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-convencao-visa_9.html .
*3 Disponível em: < http://www.oas/es/sla/ddi/tratados_multilaterales_interamericanos_A-69_discriminacion_intolerancia_firmas.asp > . Acesso em Quinze de setembro de Dois mil e vinte.
Mais em: