quinta-feira, 4 de abril de 2024

Direitos Humanos: o direito de locomoção e ao habeas corpus

A Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) prevê, no seu Título Segundo, direitos e garantias fundamentais. por garantias fundamentais, entendem - se os instrumentos, inseridos na CF - 88, que asseguram e promovem os direitos fundamentais. Entre essas garantias, há ações constitucionais, também chamada de remédios constitucionais, que possuem natureza híbrida: representam ações regidas pelo Direito Processual, mas, ao mesmo tempo, são inseridas na CF - 88 e desempenham a função de proteger direitos fundamentais .


Há oito ações constitucionais: o habeas corpus ( * vide nota de rodapé ), mandado de segurança ( remédio jurídico que visa a proteger direito líquido e certo ), mandado de injunção ( *7 vide nota de rodapé ), o habeas data ( *8 vide nota de rodapé ), a ação popular ( *9 vide nota de rodapé ), a ação civil pública ( *10 vide nota de rodapé ) e ainda o direito de petição ( *11 vide nota de rodapé ) . Neste texto, será detalhado o habeas corpus. Os demais direitos fundamentais serão detalhados em outros textos .


Habeas corpus


Conceito - O habeas corpus consiste em ação constitucional cabível sempre que alguém sofrer ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, conforme dispõe o Artigo Quinto, Inciso Cinquenta e oito da CF - 88 .


Origem - O habeas corpus tem raízes na Carta Magna ( de Mil duzentos e quinze ) ( *2 vide nota de rodapé ) e no Habeas Corpus Act ( de Mil seiscentos e setenta e nove ) ( *3 vide nota de rodapé ). No Brasil, foi previsto no Código Criminal do Império ( de Mil oitocentos e trinta ) e pela primeira vez em um texto constitucional, na Constituição de Mil oitocentos e noventa e um .


Cabimento - Logo após a Constituição de Mil oitocentos e noventa e um, a interpretação ( *4 vide nota de rodapé ) do cabimento do habeas corpus foi ampliada para abarcar a violação de todo de qualquer direito constitucional, uma vez que a redação do Artigo Setenta e dois, Parágrafo Vinte e dois, da Constituição  de Mil oitocentos e noventa e um ( que tratou do habeas corpus ) não mencionava " liberdade de locomoção " . Essa ampliação do alcance do habeas corpus foi denominada " teoria brasileira do habeas corpus ", eliminada somente na Reforme Constitucional de Mil novecentos e vinte e seis, que alterou a redação do Artigo Setenta e dois, Parágrafo Vinte e dois, para incluir a redação próxima da atual ( com referência expressa à liberdade de locomoção ) . Atualmente, é cabível o habeas corpus para combater lesão ou ameaça de lesão à liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder .


Restrição - A CF - 88 prevê que não caberá habeas corpus em face de punições disciplinares militares ( Artigo número Cento e quarenta e dois, Parágrafo Segundo ) .


Competência para julgamento  - Será determinada de acordo com o tipo de autoridade coatora e, excepcionalmente, de acordo com o paciente ( aquele que sofre ou sofreu violência ou coação em sua liberdade ambulatorial ) .


Espécies e ordem - O habeas corpus pode ser preventivo ( antes da ocorrência da lesão ), quando, se concedido, gerará um " salvo conduto " ao paciente para assegurar seu direito de ir ou repressivo, quando se obtém um alvará de soltura liberatório contra ato abusivo ou ilegalidade .


Propositura e trâmite - Pode ser proposto por qualquer pessoa física ( em sua defesa ou  na defesa de terceiro ) ou jurídica, inclusive, o Ministério Público ( MP ) e a Defensoria Pública para proteger direito de ir e vir de determinado indivíduo ( liberdade de locomoção ou liberdade ambulatorial ) . Pode ser proposta sem advogado ou formalidade. O juiz, no exercício de sua atividade jurisdicional, pode conceder de ofício. O trâmite é singelo : o Impetrante sustenta a existência de lesão ou ameaça de lesão à liberdade de locomoção por conduta imputada à Autoridade Coatora, em desfavor do paciente. A Autoridade Coatora presta informações, o MP oficia como custos legis ( *4 vide nota de rodapé ), dando parecer ( já que pode ter ocorrido inclusive crime por parte da Autoridade Coatora ), e o juízo concede ou denega a ordem de habeas corpus .


Habeas corpus contra ato de Ministro do STF e competência do Pleno do STF. A jurisprudência do STF foi alterada em agosto de Dois mil e quinze, passando a admitir habeas corpus contra ato coator de Ministro do STF. A competência é do Pleno do STF . Essa mudança foi gerada pelo aumento dos casos criminais originários ( por exemplo, a Operação Lava Jato, que envolveu dezenas de parlamentares federais ), nos quais os atos do Ministro Relator do STF - pela jurisprudência antiga - eram insuscetíveis de ataque pela via do habeas corpus ( Habeas Corpus - HC - número Cento e vinte e sete mil quatrocentos e oitenta e três / Paraná - Ministro Dias Toffoli, julgado em Vinte e sete de agosto de Dois mil e quinze, Diário da Justiça eletrônico de Quatro de fevereiro de Dois mil e dezesseis ) .


Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Houve alteração da jurisprudência do STF, para impedir o uso da estratégia defensiva conhecida como " habeas corpus " sucessivo ou substitutivo, sem a utilização dos recursos cabíveis: da negativa de liminar de um habeas corpus agora proposto perante Tribunal, que, negando a liminar, permitiria o último habeas corpus sucessivo agora perante o STF . De acordo com o STF, " o habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do cidadão. Ação constitucional que é não pode ser amesquinhado, mas também não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico . Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a CF - 88 remédio jurídico expresso, o recurso ordinário . Diante da dicção do Artigo Cento e dois, Inciso Segundo, Alínea a, da CF - 88, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional " ( Primeira Turma, HC número Cento e quatro mil e quarenta e cinco / Rio de Janeiro, Relator Ministra Rosa Weber, julgado em Vinte e um de agosto de Dois mil e doze ) .


Habeas corpus coletivo. Em Dois mil e dezessete, o então Ministro Ricardo Lewandowski do STF admitiu o trâmite de habeas corpus coletivo, impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Ceará ( DPE / CE ), tendo como pacientes todas as mulheres submetidas á prisão cautelar no Sistema Penitenciário nacional ( SPN ), que ostentem a condição de gestantes, puérperas ou mães com filhos de até Doze anos de idade sob sua responsabilidade, e das próprias crianças . Na petição, são inseridas como autoridades coatoras todos os magistrados criminais ( inclusive do STJ ) do país. Para o Ministro Relator, deve - se autorizar o uso do habeas corpus na forma coletiva, pois se lesão pode assumir caráter coletivo e, em assim sendo, " o justo consiste em disponibilizar um remédio efetivo e funcional para a proteção da coletividade - mormente de coletividades vulneráveis socioeconomicamente " . Salientou ainda o Ministro Lewandowski que o exercício da faculdade de extensão da ordem de um habeas corpus individual a todos os que estejam na mesma situação pode transformá - lo em " legítimo habeas corpus coletivo ", mostrando que essa coletivização do instrumento do habeas corpus não é estranha á prática processual penal brasileira . Também anotou que nessa extensão não se exige o nome de cada paciente, nos termos do Artigo número Seiscentos e cinquenta e quatro, Parágrafo Primeiro, Alínea a do Código de Processo  Penal ( CPP ) e, por igual razão, não se deve exigir tal requisito no habeas corpus coletivo, lembrando que a interpretação do CPP deve ser orientado pelo prisma constitucional . Quanto ao argumento da existência de outros instrumentos de defesa coletiva de direitos - por exemplo, a Ação Declaratória de Preceito Fundamental 9 ADPF ) - , o Relator recordou que rol de legitimados da ADPF é restrito, podendo ser utilizado o habeas corpus coletivo como " instrumento flexível e relevante ", que amplifica o acesso á Justiça previsto na CF - 88 e no Artigo Vinte e cinco da Convenção Americana sobre Direitos DH ( CADH ) ( *5 vide nota de rodapé ). Quanto à legitimação ativa, decidiu o Relator pelo uso analógico das regras do mandado de injunção coletivo ( Artigo número Doze, Inciso Quarto, da Lei número Treze mil e trezentos / Dois mil e dezesseis ), reconhecendo a legitimidade ativa à Defensoria Pública da União ( DPU ), por se tratar de ação de caráter nacional, admitindo as impetrantes como assistentes, em condição análoga à atribuída às demais Defensorias Públicas atuantes no feito ( STF, HC Coletivo número Cento e quarenta e três mil seiscentos e quarenta e um, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, decisão de Quinze de agosto de Dois mil e dezessete ) .


Em Dois mil e dezoito, a Segunda Turma do STF concedeu o HC coletivo ordenando a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que sejam


1) gestantes ou

2) mães de crianças de até Doze anos de idade ou de Pessoas com Deficiência ( PcD ).


A turma concedeu ainda HC coletivo de ofício estendendo tal substituição também para adolescentes em conflito com a lei cumprindo medidas socioeducativas em idêntica situação 9 STF, HC Coletivo número Cento e quarenta e três mil seiscentos e quarenta e um, Relator ministro Ricardo Lewandowski, julgado em Vinte de fevereiro de Dois mil e dezoito ) .


Súmulas do STF sobre habeas corpus:


1) Súmula número Duzentos e noventa e nove - O recurso ordinário e o extraordinário impostos no mesmo processo de Mandado de Segurança, ou de Habeas Corpus, serão julgados conjuntamente pelo Tribunal Pleno.

2) Súmula número Trezentos e dezenove - O prazo do recurso ordinário para o STF em habeas Corpus ou Mandado de Segurança, é de cinco dias .

3) Súmula número Trezentos e quarenta e quatro - Sentença de primeira instância concessiva de habeas Corpus, em caso de crime praticado em detrimento de bens serviços ou interesses da União, está sujeita a recurso ex officio ( *6 vide nota de rodapé ) .

4) Súmula número Trezentos e noventa e cinco - Não se conhece de recurso de Habeas Corpus cujo objeto seja resolver sobre o ônus das custas, por não estar mais em causa a liberdade de locomoção.

5) Súmula número Quatrocentos e trinta e um - É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação ou publicação da pauta, salvo em Habeas Corpus ou no respectivo recurso.

6) Súmula número Seiscentos e seis - Não cabe habeas Corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do Plenário, proferida em Habeas Corpus ou no respectivo recurso .

7) Súmula número Seiscentos e noventa - Compete originariamente ao STF o julgamento de habeas Corpus contra decisão de Turma recursal de Juizados Especiais Criminais .

8) Súmula número Seiscentos e noventa e um - Não compete ao STF conhecer de habeas Corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas Corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar.

9) Súmula número Seiscentos e noventa e dois - Não se conhece de habeas Corpus contra omissão de relator de extradição, se fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi  ele provocado a respeito .

10) Súmula número Seiscentos e noventa e três - Não cabe Habeas Corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada .

11) Súmula número Seiscentos e noventa e quatro - Não cabe habeas Corpus contra a imposição de pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública .

12) Súmula número Seiscentos e noventa e cinco - Não cabe Habeas Corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade .   


P.S.:


Notas de rodapé:


* O habeas corpus é decorrente do direito à liberdade de locomoção - melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/05/direitos-humanos-doutrinas-e_12.html .


*2 A Magna Carta de Mil duzentos e quinze, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-liberdade-e-gozo-de-direitos-na-sua-integridade-e-da-inviolabilidade .


*3 O habeas Corpus Act de Mil seiscentos e setenta e nove, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-lei-do-habeas-corpus.html .


*4 Custos legis: o guardião da lei. Dicionário latim-português : termos e expressões / supervisão editorial Jair Lot Vieira - São Paulo : Edipro, Dois mil e dezesseis .


*5 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .


*6 ex officio: em virtude do cargo; por obrigação; por imposição da lei. Dicionário latim-português : termos e expressões / supervisão editorial Jair Lot Vieira  - São Paulo : Edipro, Dois mil e dezesseis .


*7 O direito ao mandado de injunção, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-falta-de.html .


*8 O direito de habeas data, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-as-informacoes-sobre.html .


*9 O direito à ação popular, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-as-informacoes-sobre.html .


*10 O direito à ação civil pública, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-ministerio-publico-e.html .


*11 O direito de petição, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2024/04/direitos-humanos-o-acesso-justica-e-o.html .

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