As relações entre estrutura ( *44 vide nota de rodapé ) e processo não constituem um problema para o reducionismo economicista ( 45 vide nota de rodapé ). A leitura que nesta ótica é feita do processo de construção do Modo de Produção ( *46 vide nota de rodapé ) da vida social inclui a explicação a priori de sua transformação. Porém, a rejeição deste reducionismo recoloca o problema e para pensá-lo convém discutir a significação que se outorga, em perspectiva não determinista, ao conceito marxista ( *43 vide nota de rodapé ) de Modo de Produção ( *46 vide nota de rodapé ). A proposta é discutir brevemente este ponto, acompanhando a reflexão de Jürgen Habermas ( *47 vide nota de rodapé ).
Um modo de produção ( *46 vide nota de rodapé ) se caracteriza por um determinado nível de desenvolvimento das forças produtivas e por determinadas formas das relações sociais de produção. Aquelas incluem, além da força de trabalho disponível, um saber técnico utilizável ( técnicas produtivas ) e um saber organizativo, que qualifica e ordena o processo de trabalho. O desenvolvimento atingido pelas forças produtivas determina o grau de dominação ( *19 vide nota de rodapé ) sobre a natureza e os processos naturais.
As relações sociais de produção incluem as instituições e mecanismos sociais que regulam a utilização, por parte da força de trabalho, dos meios de produção, possibilitando ainda a transformação do saber técnico acumulado em técnicas produtivas. Assim, estas instituições e mecanismos controlam a força de trabalho disponível, decidindo, em consequência, a distribuição da riqueza produzida.
A relação entre forças produtivas e relações de produção pode ser entendida em sentido tecnicista. Conforme esta leitura, as forças produtivas induzem as relações sociais correspondentes. E a transformação e produz quando, através de mecanismos endógenos de aprendizagem, o crescimento do saber técnico e organizativo modifica as forças produtivas, criando incompatibilidade entre esta nova situação das forças produtivas e as relações sociais de produção viventes. O rompimento do equilíbrio leva a um processo que resulta na modificação das instituições e mecanismos sociais que organizam as relações sociais de produção.
O dinamismo da transformação social resultaria assim de um processo endógeno de aprendizagem e da conversão deste novo saber acumulado em técnicas produtivas. Aceitando provisoriamente que a transformação do saber acumulado em técnicas produtivas responde a um processo também endógeno, pode-se concluir que a mudança nas forças produtivas provoca o desequilíbrio do sistema, através da contradição criada entre aquelas e as relações sociais de produção. Todavia, para explicar a passagem a uma nova - e superior - forma de equilíbrio seria necessário ainda explicar o surgimento de novas instituições e mecanismos de relacionamento social, surgimento este que não pode ser considerado uma consequência automática da acumulação endógena do saber técnico.
A acumulação endógena do saber técnico explicaria a crise do equilíbrio precedente, porém não o surgimento de novas formas de equilíbrio ou de integração social. Estas novas formas de integração social - instituições, mecanismos - requerem um saber prático-moral, sobre o qual se constroem novas relações de produção. Deste modo, se o saber técnico supõe o crescimento da autonomia social face á natureza, o saber prático-moral significa uma ampliação da autonomia social com relação à própria natureza interna do homem.
A transformação das forças produtivas provocaria a crise do sistema, tornando necessária a transformação das relações sociais de produção, porém não produziria automaticamente um novo sistema de integração social, um novo equilíbrio. convém salientar ainda que a suposição segundo a qual a acumulação do saber acumulado em técnicas produtivas se opera endogenamente, não parece pertinente. É necessário distinguir entre o saber disponível e sua utilização, e explicar como se opera a passagem de um ao outro. Mas uma vez não parece pertinente fazer derivar esta passagem de um mero automatismo, sendo necessário considerar a mediação das instituições e mecanismos sociais.
Recapitulando: o mecanismo endógeno de acumulação do novo saber técnico exige, para sua transformação em novas forças produtivas, o surgimento de um novo quadro institucional ( acumulação de saber prático-moral ). E a crise do sistema provocada pela implementação de novas formas produtivas também requer, para sua solução, um novo quadro institucional. Exemplificando: o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo do tipo liberal ( *39 vide nota de rodapé ) levou a uma estruturação altamente diferenciada dos processos de trabalho - socialização da produção; porém o saber que sustenta este processo não possui alguma afinidade estrutural com a consciência prático-moral a partir da qual se constrói o projeto do capitalismo do tipo socialista ( *43 vide nota de rodapé ). Este não é produzido por aquelas, embora o tornem possível.
Do que antecede se deduz que o desenvolvimento do saber prático-moral e das instituições e mecanismos de interação social, que ele sustenta, deve ser considerado não como um produto da evolução das forças produtivas, mas como um elemento co-constitutivo do processo que leva à crise sistêmica e sua superação ( *48 vide nota de rodapé )
Esta reconstrução do materialismo histórico operada por Habermas não resolve entretanto o nexo entre estrutura e processo. Embora a distinção introduzida entre saber técnico e saber prático-moral permita captar teoricamente a maior complexidade do processo real, ela não permite responder dedutivamente à questão do modo segundo o qual se opera a passagem de um sistema a outro. Esta questão se vincula, de um lado, ao sujeito da transformação e, de outro, às características do processo. A análise do real concreto, de sua evolução histórica e de suas particularidades em cada formação social deverá guiar neste ponto, mais que em qualquer outro, o questionamento dos postulados teóricos.
Com relação ao problema do nexo entre processo e estrutura a formulação marxista ( *43 vide nota de rodapé ) pode ser sintetizada da seguinte maneira:
a) a transformação do sistema não resulta da evolução automática das estruturas, mas da ação consciente de um sujeito coletivo revolucionário agindo no quadro de condições estruturais;
b) este sujeito coletivo é o proletariado, classe social destinada pelas leis de evolução do capitalismo di tipo liberal ( *39 vide nota de rodapé ) a crescer constantemente em número e homogeneidade, objetivamente interessada na transformação do sistema e capaz - em virtude das condições globais da evolução social - de desenvolver uma consciência coletiva autônoma articulada pela sua condição de classe;
c) a ação deste sujeito coletivo, no quadro das crises objetivas do capitalismo do tipo liberal ( * 39 vide nota de rodapé ), é capaz de produzir uma ruptura radical da ordem social e de estabelecer uma nova síntese totalizadora;
d) uma nova estrutura social, na sua globalidade, surgirá daquela ruptura e desta síntese, não havendo continuidade entre as instituições e mecanismos que regulam a interação social na ordem burguesa e aquelas que serão estabelecidas pela revolução.
A pertinência atual desta teorização, que o marxismo ( *43 vide nota de rodapé ) vulgar incorpora acriticamente, deve ser analisada a partir dos pressupostos epistemológicos e históricos que a sustentam ( *49 vide nota de rodapé ).
P.S.:
Notas de rodapé:
* As violações aos Direitos Humanos que sustentaram a Doutrina de Segurança Nacional são melhor detalhadas em:
*2 O que é a Doutrina de Segurança Nacional e seu impacto sobre os Direitos Humanos são melhor detalhado em:
*3 O que é o crime de tortura é melhor explicado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-23 .
*4 O que é a limitação do poder estatal sobre o status libertatis do indivíduo é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-82 .
*5 O que são as penas inaplicáveis como a pena de morte e banimento, é melhor explicado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-70 .
*6 O direito ao desenvolvimento nacional é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-8 .
*7 O direito à vida é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .
*8 Os crimes contra a humanidade, em especial o de genocídio são melhor detalhados em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-67 .
*9 O direito ao trabalho é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-48 .
*10 O direito de livre associação é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-53 .
*11 O direito à presunção de inocência é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-77 .
*12 O direito à liberdade de manifestação do pensamento é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-24 .
*13 O direito à liberdade de culto é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-34 .
*14 A teoria geral dos direitos humanos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*15 O princípio da igualdade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-16 .
*16 O direito à intimidade e à vida privada é melhor detalhado em
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-44 .
*17 O direito à inviolabilidade do domicílio é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-43 .
*18 O direito à propriedade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .
*19 O fenômeno da exploração de uma maioria por uma minoria é melhor detalhado em:
*20 A violência no campo é melhor detalhada em:
*21 O direito a um meio ambiente equilibrado é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*22 O direito à saúde pública é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*23 O direito das crianças e adolescentes à proteção integral é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*24 O direito ao acesso à justiça é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-85 .
*25 O direito à dignidade humana é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*26 A liberdade de informação e livre divulgação dos fatos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-49 .
*27 O mito de que defensores de Direitos Humanos são defensores de bandidos, são melhor desfeitos em:
*28 A lei dos crimes hediondos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-68 .
*29 O direito de reunião é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-52 .
*30 A exploração pelo jornalismo policial radiofônico contra os Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*31 As regras mínimas para tratamento de reclusos são melhor detalhadas em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-74 .
*32 A politização dos Direitos Humanos no Cone Sul é melhor detalhada em:
*33 A impossibilidade de fazer política a partir dos DH é melhor detalhada em:
*34 O princípio da legalidade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .
*35 Os impactos do endividamento externo no exercício dos Direitos Humanos é melhor detalhado em:
*36 O realismo inverossímil e o sentido da democracia para os DH são melhor detalhados em:
*37 O princípio do juiz natural é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-61 .
*38 O direito à assistência jurídica integral é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-85 .
*39 Os impactos da ideologia liberal sobre os Direitos Humanos são melhor detalhados em:
*40 Os impactos dos movimentos sociais na democracia nos Direitos Humanos são melhor detalhados em:
*41 O direito ao juiz natural ou neutro é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-61 .
*42 A significação dos DH no Cone Sul é melhor detalhada em:
*43 A transformação social e a crise no paradigma marxista são melhor detalhados em:
*44 As relações entre Base e Estrutura são melhor detalhadas em:
*45 O reducionismo economicista é melhor detalhado em:
*46 O impacto do Modo de Produção nos DH é melhor detalhado em:
*47 Habermas, Jürgen, Para a reconstrução do materialismo histórico, São Paulo, Brasiliense, Mil novecentos e oitenta e três.
*48 Ver sobre este ponto o papel do Estado e do Direito no surgimento do capitalismo na França, in Miaille, Michel, L'Etat de Droit, Paris, Maspero, Mil novecentos e oitenta e um.
*49 Conforme Nún, José, "El otro reducionismo", trabalho apresentado no Décimo-segundo Congresso da Associação Internacional de Ciência Política, Rio de Janeiro, de Nove a Quatorze de agosto de Mil novecentos e oitenta e dois. Nesta parte do artigo o autor se inspira largamente neste excelente trabalho.
Referência
Santos Júnior, Belisário; Plastino, Carlos Alberto; Junqueira, Eliane Botelho; Rodrigues, José Augusto de Souza; Gómez, José Maria; Barbosa, Marco Antonio Rodrigues. Direitos humanos - um debate necessário. Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Editora Brasiliense. Mil novecentos e oitenta e oito. Páginas Cento e cinquenta e quatro a Cento e cinquenta e oito.
Mais em:
Nenhum comentário:
Postar um comentário