As mentiras e afirmações duvidosas propagadas incontrolavelmente por Jair Bolsonaro tornaram-se método e identidade de seu desgoverno. Nesta segunda-feira (2), foi a vez de o genro de Silvio Santos, Fábio Farias, que ocupa o cargo de ministro das Comunicações, apelar para falácias em rede nacional de rádio e TV para defender a entrega dos Correios aos interesses privados.
“Esta é a última oportunidade de garantir a sobrevivência dos Correios”, afirmou o ministro em recado direto a deputados e senadores. Para ele, o faturamento de R$ 1,53 bilhão do ano passado, maior que o R$ 1,2 bilhão de 2019, “se mostra insuficiente frente ao que precisa ser investido”.
Farias disse que o volume de cartas vem caindo, enquanto o de encomendas aumenta. Por isso, cresce a necessidade de investimentos para concorrer com as empresas estrangeiras que atuam no país.
“Essas empresas têm ganhado cada vez mais espaço porque investem pesado em tecnologia nos negócios”, argumentou, para jurar: “Tenham certeza que com a privatização os Correios irão expandir não só no Brasil, mas no exterior”.
O ministro também garantiu que a universalização dos serviços é prioridade no processo de privatização. Citou ainda “um amplo e longo estudo feito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sobre a privatização”. Ao Correio Braziliense, no entanto, entidades representativas dos servidores renegaram o estudo.
A Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap) afirma que Bolsonaro “segue sua trilha de atropelar a Constituição, o Congresso Nacional, a Justiça e outras instituições”. Também alega que a proposta do Executivo foi elaborada “sem qualquer base técnica, mas apenas ideológica”, colocando em risco um serviço público que funciona “com preços módicos e amplo acesso”.
Para a Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (FindEct), o projeto é “um crime contra a Nação”. A entidade ressalta que a proposta é inconstitucional, uma vez que o monopólio do serviço de entrega de cartas e impressos é assegurado pela Constituição.
Os eventuais compradores dos Correios, no entanto, não estão interessados na distribuição das cartas, mas no mercado bilionário de entrega de encomendas. A ECT sequer exerce monopólio nesse setor. Mas oferece os serviços a preços mais baixos que as empresas privadas de frete. Portanto, o verdadeiro intuito da privatização é eliminar a concorrência do Estado.
“Em um país mergulhado em uma crise econômica sem precedentes agravada pela pandemia e com milhões de desempregados, promover o desmonte e privatização dos Correios é atentar contra o futuro dos brasileiros”, afirmou a FindEct em nota.
Em fevereiro, a entidade já alertava para as consequências de uma eventual privatização. Agências e entregas em municípios pequenos e distantes e nas periferias das grandes cidades simplesmente “desapareceriam“.
“Não vamos aceitar uma barbaridade dessas de braços cruzados. Vamos mobilizar os trabalhadores e a sociedade para que o governo não faça isso. A forma e o momento de fazer vai depender de como o governo vai atacar. Não somos a favor de ficar fazendo greve. O problema é que o governo promove a greve para ter o desgaste”, afirmou José Aparecido Gandara, presidente da Findect, à coluna Painel, da Folha de São Paulo.
“Nenhuma dúvida sobre quem vai sair perdendo”, diz Gleisi
Presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann se manifestou logo após a fala de Farias. “Ministro bolsonarista vai à TV dizer que Correios são importantes mas quer vender! É assim que funciona o governo, desfaz do que é bom pro povo e deixa o capital comandar. Nenhuma dúvida sobre quem vai sair perdendo. Pressione seu deputado, a privatização tá na pauta de amanhã!”, alertou a deputada federal paranaense em postagem no Twitter.
Vice-presidente nacional do partido, o também deputado José Guimarães (CE) classificou como “gravíssimo” o pronunciamento. “Ministro das comunicações usou o tempo de pronunciamento em rede nacional de TV para defender a privatização dos Correios. Um espaço destinado para o Presidente ou assuntos graves. Usam a máquina pública para impor a entrega dos Correios a preço de banana”, afirmou o vice-líder da Minoria na Câmara.
Guimarães e o deputado federal Leonardo Monteiro (PT-MG), que preside a Frente Parlamentar em Defesa dos Correios, protocolaram projetos de decreto legislativo (PDL) para barrar a privatização da empresa. “Hoje, em alguns locais do país, os Correios são a única empresa que realiza entregas de mercadorias com tarifas menores e mais homogêneas. O que nos garante a manutenção disso pela iniciativa privada?”, questionou o deputado cearense.
Apropriação dos lucros
Uma das 32 pautas prioritária apresentadas por Bolsonaro aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), em fevereiro, o Projeto de Lei 591/21 está na pauta do plenário da Câmara desta terça-feira (3). Mas ainda há pendência de parecer da Comissão Especial. Faltam também estudos e as emendas apresentadas pelo relator, Gil Cutrim (PDT-MA), que emitiu parecer favorável à venda da estatal no início de julho.
A constitucionalidade da proposta, no entanto, já é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) em ação movida pela Adcap. No STF, a ação está sob relatoria da ministra Cármen Lucia e já recebeu parecer contrário à privatização da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Os Correios estão presentes nos 5.570 municípios brasileiros, entregando em média, 15,2 milhões de objetos postais por dia, serviço realizado por 100 mil trabalhadores. Desde 2017, a empresa fecha no azul.
Além da capilaridade, a estatal oferece sempre as menores tarifas, quando comparado com os valores cobrados pelas empresas privadas de logística. Por outro lado, auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o Índice de Entrega no Prazo (IEP) da empresa subiu de 87%, em 2015, para 97% em 2019.
“Eles querem que esses lucros sejam apropriados pelo setor privado”, afirmou o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), à RBA. Para ele, a privatização “é sempre uma promessa”, e não cumprida.
Ele cita o sistema elétrico, que foi parcialmente privatizado (em especial, as antigas empresas estaduais de distribuição de energia). Ainda assim, o Brasil detém hoje a segunda maior tarifa de energia do mundo. “De maneira bem clara, não consigo dizer que o setor privado vai ser mais produtivo e oferecer melhores serviços. Não tem absolutamente nada que garanta isso”, comentou o professor. No final, quem paga a conta é o cidadão, refém da corrida por lucros dos tubarões do “mercado”.
Com informações de pt.org.br .
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