quinta-feira, 19 de maio de 2022

Direitos Humanos: ONU determina regras para tratamento de mulheres infratoras

As Regras da Organização das Nações Unidas ( ONU ) para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras ( RNUTMPMNPLMI ) ( * vide nota de rodapé ) resultam do trabalho de um grupo de especialistas, realizado em Bangkok, entre Vinte e três e Vinte e seis de novembro de Dois mil e nove, visando ao desenvolvimento de normas específicas para o tratamento das mulheres submetidas a medidas privativas e não privativas de liberdade.


As também denominadas Regras de Bangkok ( RB ), consideradas como complementares às Regras Mínimas para o Tratamento de Presos ( RMTP ), também denominadas Regras Nelson Mandela  ( RNM ), ( *2 vide nota de rodapé ), foram aprovadas pela Assembleia Geral da ONU, na Resolução número Sessenta e cinco / Duzentos e vinte e nove, de Vinte e um de dezembro de Dois mil e dez ( *3 vide nota de rodapé ).


Com isto, trata-se de um conjunto de normas de soft law, não possuindo força vinculante aos Estados Partes. Porém, serve como importante vetor de interpretação do alcance de normas nacionais e internacionais sobre Direitos Humanos ( DH ) que podem incidir sobre mulheres presas, como, por exemplo, o direitos à integridade pessoal ( *4 vide nota de rodapé ), devido processo legal ( *5 vide nota de rodapé ), entre outras, bem como para orientar a produção normativa posterior. No caso brasileiro, em Dois mil e dezesseis, foi editado o Decreto número Oito mil oitocentos e cinquenta e oito, determinando o uso das RB como diretrizes para o emprego de algemas.


O objetivo principal do documento é estabelecer regras e políticas públicas de prevenção de crimes e justiça criminal especificamente voltadas para as mulheres, sendo direcionadas à autoridades nacionais ( legisladores, Poder Judiciário  - PJ - , Ministério Público - MP e agentes penitenciários ) envolvidas na administração da penas privativas de liberdade e alternativas à prisão.


As RB pautam-se por dois pressupostos:


1) as necessidades específicas das mulheres, as quais incluem entre ostras, a idade, orientação de gênero, identidade de gênero, nacionalidade, situação de gestação e maternidade;

2) o reconhecimento de que parcela das mulheres infratoras não representa risco à sociedade, de modo que o encarceramento pode dificultar a sua reinserção social ( *6 vide nota de rodapé ).


As RB são divididas em quatro seções:


1) A Seção Primeira aborda as Regras Primeira a Trinta e nove, relativas à administração das instituições, e possui aplicação geral e a todas as mulheres privadas de liberdade;

2) A Seção Segunda traz as Regras números Quarenta a Cinquenta e seis, aplicáveis a categorias especiais, sendo subdivididas entre as regras que se aplicam às presas condenadas ( Subseção A ) e aquelas concernentes às presas provisórias ( Subseção B );

3) A Seção Terceira contém as Regras números Cinquenta e sete a Sessenta e seis para as mulheres submetidas a sanções não privativas de liberdade; e, finalmente,

4) A Seção Quarta enumera as regras sobre pesquisa, avaliação, planejamento e compartilhamento de informações, aplicáveis a todas as categorias de mulheres infratoras.


No total, são enumeradas Setenta Regras do documento.


Antes das Regras, é enunciado um princípio básico: a proibição a qualquer tipo de discriminação na aplicação das RB. Em caráter complementar, a Regra Primeira reforça que a igualdade material de gênero depende do reconhecimento de necessidades distintas das mulheres presas.


As Regras Segunda, Terceira e Quarta dizem respeito ao ingresso, registro e alocação das mulheres infratoras. Ao ingressar no estabelecimento prisional, deve ser permitido o contato com parentes, acesso à assistência judiciária e às informações sobre o regulamento das prisões, em idioma de sua compreensão. Para as mães, deve ser autorizada a adoção de providências em relação a seus filhos, incluindo, no melhor interesse da criança, eventual suspensão da medida privativa de liberdade.


Ademais, devem ser incluídos no registro da infratora, em caráter confidencial, os nomes e as idades dos filhos, sua localização e situação de guarda ou custódia. Outra providência é a priorização da permanência em prisão próxima ao seu meio familiar, tomando em consideração as responsabilidades da mulher como fonte de cuidado dos filhos. No Brasil, a Lei número treze mil duzentos e cinquenta e sete de Dois mil e dezesseis alterou o Código de Processo Penal ( CPP ) para incluir uma série de medidas que visam a inserir nos atos procedimentais penais ( lavratura do auto de prisão em flagrante, inquérito policial, interrogatório policial ) o registro de informações sobre existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos.


A seguir, as Regras Quinta a Dezoito tratam da higiene pessoal e dos cuidados médicos das mulheres. Nesta linha, as instalações devem ser satisfatórias para as necessidades das mulheres, incluindo suprimento de produtos de higiene íntima gratuitos e água disponível.


O cuidado com a saúde das infratoras pressupõe, igualmente, a realização de amplo exame médico de ingresso, o qual deve incluir, entre outras medidas, o diagnóstico de abuso sexual ou outras formas de violência sofridas, acompanhado da informação do seu direito de denunciar aos abusos e recorrer às autoridades judiciais. Havendo crianças que acompanham a infratora, estas devem passar por exame médico.


Outras regras relativas à saúde das mulheres incluem:


1) o atendimento médico específico, físico e mental, com a prioridade, se for solicitado pela mulher, de tratamento ou exame realizado por médica ou enfermeira;

2) a presença apenas da equipe médica durante os exames, ressalvados os casos em que, para a segurança da equipe médica ou da própria mulher, for necessária a presença de funcionários do presídio;

3) o fornecimento de programas de prevenção e tratamento especializado para o Vírus da Imunodeficiência Humano ( HIV - sigla em inglês ) da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ( AIDS - sigla em inglês ), consumo de drogas e prevenção às lesões autoinflingidas e ao suicídio.


A segurança e a vigilância das mulheres são abordadas nas Regras Dezenove a Vinte e Cinco. Os métodos de inspeção devem respeitar a dignidade das mulheres, evitando-se as revistas íntimas e as inspeções corporais invasivas, as quais, quando necessárias, devem ser conduzidas por funcionárias devidamente treinadas.


Visando a proteger as crianças, é vedada a imposição de sanções de isolamento ou segregação disciplinar às gestantes e mães em período de amamentação. É vedada, também, a utilização de instrumentos de contenção em mulheres em trabalho de parto ou no período imediatamente posterior. Nesta linha e como já visto anteriormente, a Lei número Treze mil quatrocentos e trinta e quatro / Dois mil e dezessete vedou o uso de algemas


1) mulheres grávidas durante atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em

2) mulheres durante o período de puerpério imediato.


O contato entre a presa e o mundo exterior, pautado pelo estímulo à comunicação e visitas dos familiares, está enunciado nas Regras Vinte e seis a Vinte e oito.


Ao final da Seção Primeira, As Regras Vinte e nove a Trinta e cinco abordam a capacitação dos funcionários penitenciários, com atenção especial às necessidades das presas, e as Regras Trinta e seis a Trinta e nove reforçam o dever de aplicação das regras para as adolescentes em conflito com a lei, atentando-se para as peculiaridades de sua idade e gênero.


A Subseção A da Seção Segunda aborda as presas condenadas. As Regras Quarenta e quarenta e um determinam a classificação e individualização das presas de acordo com suas necessidades de gênero e situação, de modo a instituir programas apropriados de reabilitação. No mesmo sentido, a Regra Quarenta e dois disciplina o regime prisional, o qual deve oferecer serviços adequados para a realização de atividades específicas de gênero, bem como para o cuidado adequados para a realização de atividades específicas de gênero, bem como para o cuidado de crianças.


Já as regras Quarenta e três a Quarenta e sete trazem o dever de incentivos, por parte das auatoridades prisionais, às relações social e assistencial posterior ao encarceramento. Para facilitar a transição da prisão para a liberdade, estimula-se, na medida do possível, que as autoridades autorizem, por exemplo, o sursis, a fixação de regime prisional aberto e as saídas temporárias.


As mulheres gestantes, lactantes ou com filhos deverão receber orientações de dieta, saúde e qualidade de vida, conforme preceituado nas Regras Quarenta e oito a Cinquenta e dois. Deve-se estimular a amamentação e, visando ao melhor interesse da criança, fornecer ambiente adequado, com serviços de saúde e educação, para crianças que vivam com as mães na prisão.


A Subseção B da Seção Segunda contempla apenas a Regra Cinquenta e seis, que estipula a adoção de medidas para minimizar o risco específico de abuso às mulheres em prisão cautelar. Ressalta-se que, apesar da divisão entre as Subseções da Seção Segunda, as regras da Subseção A se aplicam a Subseção B, desde que beneficiem a mulher e não sejam incompatíveis com as regras específicas das presas condenadas ou provisórias.


Compreendendo o histórico de vitimização das mulheres infratoras e suas responsabilidades de cuidado, a Seção Terceira foca, nas Regras Cinquenta e sete e Cinquenta e oito, no estabelecimento de medidas despenalizadoras e alternativas à prisão das mulheres. A seguir, a Regra Cinquenta e nove traz a regra da utilização de medidas protetivas não privativas de liberdade ( albergues e serviços comunitários ), admitindo a privação temporária da liberdade unicamente para a proteção da mulher, caso seja por ela solicitada, com a devida fiscalização judicial da medida.


Para auxiliar as mulheres a combater os estímulos mais comuns à criminalidade, a Regra Sessenta prevê a disponibilização de cursos e orientações, especificamente para vítimas de violência doméstica e abuso sexual, tratamento para transtorno mental e programas de capacitação para melhorar as possibilidades de acesso ao mercado de trabalho.


A Regra Sessenta e um autoriza a consideração da primariedade, da natureza, da falta de gravidade do crime e das responsabilidades de cuidado das mulheres como fatores atenuantes da pena a ser imposta. A compreensão dos traumas sofridos exclusivamente por mulheres inspira a Regra Sessenta e dois, que prevê a prestação de serviços comunitários, destinados exclusivamente para mulheres como tratamento para o consumo de drogas. Além disto, a Regra Sessenta e três reforça a necessidade de políticas específicas de reintegração da mulher infratora na sociedade, assim como o reconhecimento das responsabilidades de cuidado, as quais devem ser ponderadas de forma positiva nas decisões sobre o livramento condicional.


A Regra Sessenta e quatro prevê que às mulheres gestantes e com filhos dependentes devem ser estipuladas medidas alternativas, sendo a prisão excepcional e aceita apenas para a prática de crimes graves ou violentos, ou quando a mulher representar ameaça contínua à sociedade. Neste sentido, a Lei número Treze mil duzentos e cinquenta e sete / Dois mil e dezesseis ( "Marco Legal de Atenção à Primeira Infância - MLAPI" ) dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e, em linha com as RB, autoriza ( por intermédio da alteração do Artigo Trezentos e dezoito do CPP ) a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, quando se tratar:


1) de gestante;

2) de mulher com filho de até Doze anos de idade incompletos;

3) de homem - caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até Doze anos de idade incompletos; ou

4) de agente considerado "imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de Seis anos de idade ou com deficiência" ( citando expressamente as RB, conferir Supremo Tribunal Federal ( STF ) Habeas Corpus ( HC ) número Cento e oitenta e dois mil quinhentos e oitenta e dois, relator Ministro Gilmar Mendes, decisão de Vinte de março de Dois mil e vinte; STF, HC Cento e trinta e quatro mil setecentos e trinta e quatro, relator Ministro Celso de Mello, decisão de Trinta de junho de Dois mil e dezesseis, e também STF, HC Cento e trinta e quatro mil cento e quatro, relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em Dois de agosto de Dois mil e dezesseis ).


A preocupação com a vulnerabilidade de gênero e com a máxima proteção das vítimas rege as Regras Sessenta e cinco a Sessenta e seis, as quais preceituam a inconstitucionalização mínima de adolescentes em conflito com a lei e a ratificação dos documentos internacionais para a prevenção e repressão do tráfico de mulheres e crianças.


Por fim, na Seção Quarta as Regras Sessenta e sete a Sessenta e nove valorizam o estímulo à pesquisa, planejamento e avaliação de aspectos relativos às características, delitos e encarceramento das mulheres infratoras, visando a contribuir para a formulação de políticas e programas que reduzam a estigmatização da mulher e facilitem a sua reintegração social. Em caráter acessório, a Regra Setenta enfatiza o papel de conscientização dos meios de comunicação e do público sobre os motivos que levam as mulheres à criminalidade e os mecanismos eficazes de lidar com tais problemas.


Quadro sinótico


RB


Natureza política: Resolução número Sessenta e cinco / Duzentos e vinte e nove, de Vinte e um de dezembro de Dois mil e dez, da Assembleia Geral da ONU ( soft law ). Serve como vetor de interpretação das normas nacionais e internacionais sobre os DH que incidem sobre as mulheres submetidas a tais medidas. Utilizada já expressamente em precedente do STF.


Objetivo: Desenvolver normas específicas para o tratamento das mulheres submetidas a medidas privativas e não privativas de liberdade. Em linha com a Lei número Treze mil duzentos e cinquenta e sete / Dois mil e dezesseis ( Marco Legal de Atenção à Primeira Infância ).


Essência do documento: Estabelecer regras e políticas públicas de prevenção de crimes e de justiça criminal especificamente voltadas para as mulheres, tendo em vista as suas necessidades específicas de idade, orientação de gênero, identidade de gênero, nacionalidade, situação de gestação e maternidade.     


P.S.:


Notas de rodapé:


* As Regras da Organização dos Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras são melhor detalhadas em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-as-regras-para-o-tratamento-de-mulheres-encarceradas .


*2 As Regras Mínimas para o Tratamento de Presos ( RMTP ), também denominadas Regras Nelson Mandela ( RNM ) são melhor detalhadas em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-congresso-adota-regras-m%C3%ADnimas-para-tratamento-de-presos .   


*3 Visando a promover e incentivar a aplicação das regras para o tratamento das mulheres infratoras pelos poderes Judiciário ( PJ ) e Executivo ( PE ) brasileiros, o Conselho Nacional de Justiça ( CNJ ) traduziu as RB, Disponível em < http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/03/27fa43cd9998bf5b43aa2cb3e0f53c44.pdf > . Acesso em: Quinze de setembro de Dois mil e vinte .


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-congresso-adota-regras-m%C3%ADnimas-para-tratamento-de-presos .


*4 O direito à integridade pessoal, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-72 .


*5 O direito ao devido processo legal, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .


*6 O próprio documento ressalva, todavia, que, a despeito de o seu foco ser a mulher e seus filhos, algumas das regras que envolvem responsabilidades maternas e paternas, serviços médicos e procedimentos de revista, aplicam-se também aos homens presos e infratores.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-onu-determina-regras-para-tratamento-de-mulheres-infratoras .    

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