quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Direitos Humanos: as normas para uso legal da força

O Código de Conduta da Organização das Nações  Unidas para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei ( CONUFRAL ), adotado pela Assembleia Geral da ONU, no dia Dezessete de dezembro de Mil novecentos e setenta e nove, por meio da Resolução número Trinta e quatro / Cento e sessenta e nove, prevê, no Artigo Terceiro, que os encarregados da aplicação da lei podem usar a força apenas quando


1) estritamente necessário e

2) na medida exigida para o cumprimento de suas obrigações ( * vide nota de rodapé ).


A partir dele, os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei ( PBUAFFRAL ) foram adotadas no Oitavo Congresso da Organização das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes ( CONUPCTD8 ) em Mil novecentos e noventa e, em Dezoito de dezembro de Mil novecentos e noventa, a Assembleia geral da ONU aprovou a Resolução número Quarenta e cinco / Cento e sessenta e seis, acolhendo os PBUAFFRAL e convidando os Estados a "respeitá-los e tomá-los em consideração no âmbito da legislação e das práticas nacionais". Os PBUAFFRAL estabelecem os parâmetros centrais para determinar a legalidade do uso da força pelo pessoal da aplicação da lei e estabelecer padrões para responsabilidade e revisão.


Os PBUAFFRAL refletem o padrão básico de que os encarregados da aplicação da lei devem, no cumprimento de suas obrigações, na medida do possível, aplicar meios não violentos antes de recorrer ao uso da força e armas de fogo. São Vinte e cinco princípios que definem um conjunto de parâmetros dentro dos quais os encarregados da aplicação da lei podem usar força e armas de fogo no desempenho de suas funções e proíbem o uso de força que não cumpra esses parâmetros e que, portanto, seja ilegal, arbitrário ou excessivo.


A centralidade dos PBUAFFRAL encontra-se disposta no Princípio Nove, pelo qual os responsáveis pela aplicação da lei não usarão armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de


1) legítima defesa própria ou de outrem contra ameaça iminente de morte ou ferimento grave;

2) para impedir a perpetração de crime particularmente grave que envolva séria ameaça á vida;

3) para efetuar a prisão de alguém  que represente tal risco e resista à autoridade; ou

4) para impedir a fuga de tal indivíduo, e isso apenas nos casos em que outros meios menos extremados revelem-se insuficientes para atingir tais objetivos.


Em qualquer caso, o uso letal intencional de armas de fogo só poderá ser feito quando estritamente inevitável à proteção da vida. De acordo com o Princípio Dez, nas circunstâncias previstas no Princípio Nove, os responsáveis pela aplicação da lei deverão


1) identificar-se como tais e

2) avisar prévia e claramente a respeito da sua intenção de recorrer ao uso de armas de fogo, com tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideração,

3) a não ser quando tal procedimento represente um risco indevido para os responsáveis para os responsáveis pela aplicação da lei ou acarrete para outrem um resco de morte ou dano grave, ou seja,

4) claramente inadequado ou inútil dadas as circunstâncias do caso.


De acordo com o Princípio Cinco, sempre que o uso legítimo da força e de armas de fogo for inevitável, os responsáveis pela aplicação da lei deverão:


a) exercer moderação no uso de tais recursos;

b) agir na proporção da gravidade da infração e do uso objetivo legítimo a ser alcançado;

c) minimizar danos e ferimentos;

d) respeitar e preservar a vida humana;

e) assegurar que qualquer indivíduo ferido ou afetado receba assistência e cuidados médicos o mais rápido possível;

f) garantir que os familiares ou amigos íntimos da pessoa ferida ou afetada sejam notificados o mais depressa possível.


Para os casos de uso da força, os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que exista um processo de revisão efetivo e que autoridades administrativas ou de persecução criminal independentes tenham condições de exercer jurisdição nas circunstâncias apropriadas ( Princípio Vinte e dois ). Nos casos de morte e ferimento grave ou outras consequências sérias, um relatório pormenorizado deve ser prontamente enviado ás autoridades competentes e responsáveis pelo controle administrativo e judicial. Os indivíduos afetados pelo uso da força e armas de fogo, ou seus representantes legais, devem ter direito a um inquérito independente, incluindo um processo judicial ( Princípio Vinte e três ).


Cabe ao Estado estabelecer um sistema que reforce o cumprimento das obrigações internacionais de Direitos Humanos ( DH ) e promova padrões e normas sobre prevenção ao crime e justiça criminal, bem como boas práticas internacionais, o que requer não apenas uma estrutura legal e operacional adequada, mas também ação política, recursos e instituições para implementar e agir em conformidade.


As normas em questão fazem parte da soft law, ( norma não vinculante ) porém há clara relação com DH protegidos em tratados internacionais ( hard law - normas vinculantes ). Entre os principais DH relacionados ao uso da força devem ser ressaltados:


1) direito á vida ( *2 vide nota de rodapé );

2) proteção contra a tortura e outras formas  de maus tratos ( *3 vide notas de rodapé );

3) direito à liberdade ( *4 vide nota de rodapé );

4) direito à segurança ( *5 vide nota de rodapé );

5) direito a um julgamento justo ( *6 vide nota de rodapé ); 

6) direito de reunião pacífica ( *7 vide nota de rodapé );

7) direito de associação ( *8 vide nota de rodapé );

8) direito à liberdade de expressão ( *9 vide nota de rodapé );

9) direito a um remédio jurídico eficaz - acesso à justiça ( *10 vide nota de rodapé ).


Por ter relação com tais direitos, esses instrumentos e, em particular, as suas disposições sobre o uso da força no que se refere ao direito á vida e à integridade física em particular - Artigo Terceiro do Código de Conduta e Princípio Nono dos PBUAFFRAL  - são tidos como aplicáveis por cortes regionais de DH e tribunais nacionais, sendo base para suas decisões. Por exemplo, tanto a Corte Europeia de DH quanto a Corte Interamericana de DH já utilizaram os PBUAFFRAL em casos envolvendo o uso da força na aplicação da lei, como se vê no Caso Benzer versus Turquia ( Corte EDH, julgado em Vinte e quatro de março de Dois mil e quatorze, Parágrafo Noventa ) e no Caso Cruz Sánchez e outros versus Peru ( corte  IDH, sentença de Dezessete de abril de dois mil e quinze, Parágrafo Duzentos e sessenta e quatro ).


No Supremo Tribunal Federal ( STF ), os PBUAFFRAL foram expressamente utilizados pelo Ministro Fachin, no seu voto ( condutor ) na Ação Direta de Inconstitucionalidade ( ADI ) número Cinco mil duzentos e quarenta e três, a qual impugnou a Lei número Treze mil e sessenta / Dois mil e quatorze ( disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo o território nacional ), salientando que " ( ,,, ) nenhuma pessoa pode ser arbitrariamente privada de sua vida. A arbitrariedade é aferida de forma objetiva, por meio de padrões mínimos de razoabilidade e proporcionalidade, como os estabelecidos pelos PBUAFFRAL, adotados em Sete de setembro de Mil novecentos e noventa, por ocasião do CONUPCTD8".


Na mesma ADI, ficou estabelecido que a lei número Treze mil e sessenta / Dois mil e quatorze respalda os PBUAFFRAL, adotando critérios mínimos de razoabilidade e objetividade, e, como tal, "nada mais faz do que concretizar o direito á vida" (  STF, ADI número Cinco mil duzentos e quarenta e três, relator para o acórdão Ministro Edson Fachin, julgada em Onze de abril de Dois mil e dezenove ).


A referida lei estipula, em seu Artigo Segundo, Parágrafo Primeiro, que  "Os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, e deverão obedecer aos seguintes princípios:


1) legalidade ( *11 vide nota de rodapé );

2) necessidade;

3) razoabilidade e

4 proporcionalidade".


E o Parágrafo Único do mesmo Artigo é explícito ao estabelecer que não é legítimo o uso de arma de fogo:


1) contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros e

2) contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros.


Quadro sinótico


PBUAFFRAL


Natureza jurídica: Soft law


Documentos diretamente relacionados ao controle do uso da força e das armas de fogo: PBUAFFRAL e CONUFRAL.


Pontos principais: 1) Os princípios gerais que regem qualquer uso da força ( os princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, e não discriminação ); 2) Os limites para o uso de força letal ( força potencialmente letal e intenção letal ); 3) regras sobre responsabilização ( criminal e outras formas ) e os direitos das ví9timas do uso ilegal, excessivo ou arbitrário da força e 4) Mecanismo de controle e supervisão.


Principais direitos protegidos: 1) Direito á vida, 2) Proteção contra tortura e outras formas de maus-tratos; 3) Direito á  liberdade; 5) Direito à segurança; 6) Direito a um julgamento justo; 7) Direito de reunião pacífica; 8) Direito de associação; 9) Direito de liberdade de expressão; 10) Direito de remédio jurídico eficaz - acesso à justiça.         


P.S.:


Notas de rodapé:


* O Professor Luís Renato Vedovato ( Unicamp ) na redação do material em que este texto esta baseado.


*2 O direito à vida é melhor detalhado em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .


*3 O combate à tortura é melhor detalhado em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-combate-%C3%A0-tortura-e-a-tratamentos-cru%C3%A9is .


*4 O direito à liberdade é melhor detalhado em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-82 .


*5 O direito à segurança é melhor detalhado em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-seguran%C3%A7a-p%C3%BAblica-a-criminalidade-e-as-viola%C3%A7%C3%B5es .


*6 O direito a um julgamento justo é melhor detalhado em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-independ%C3%AAncia-do-poder-judici%C3%A1rio-regida-por-princ%C3%ADpios .


*7 O direito de reunião é melhor detalhado em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-52 .


*8 O direito de livre associação é melhor detalhado em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-53 .


*9 O direito à liberdade de expressão e a vedação da censura prévia são melhor detalhados em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-39 .


*10 O direito ao acesso á justiça é melhor detalhado em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-garantia-do-acesso-%C3%A0-justi%C3%A7a-e-o-combate-%C3%A0-viol%C3%AAncia .


*11 O princípio da legalidade é melhor detalhado em: https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-as-normas-para-uso-legal-da-for%C3%A7a .

Nenhum comentário:

Postar um comentário