terça-feira, 14 de maio de 2019

Comércio internacional: o valor das moedas e o risco cambial

Desde mil novecentos e setenta e três, quando a flutuação das taxas de câmbio tornou-se a nova ortodoxia, as escolas de pensamento econômico vêm discutindo uma com a outra.

Uma, a maioria, acredita que taxas de câmbio flutuantes são necessárias e permanentemente desejáveis. esta escola consideraria qualquer eventual retorno às taxas potencialmente catastrófico por causa das crises periódicas que parecem se desenvolver quando os governos precisam proceder ao ajuste das taxas.

A outra escola, hoje minoria, acredita que taxas de câmbio flutuantes só fazem estimular a irresponsabilidade fiscal e a inflação. Ela defende um retorno às taxas fixas como forma de forçar os governos a manterem sua base monetária sob controle.

As duas escolas parecem ser incompatíveis. No entanto, é possível estar a meio caminho de uma estrutura monetária e cambial de dois níveis que institucionaliza ambas as visões. Um nível seria as moedas nacionais emitidas e manipuladas pelos governos nacionais e flutuando em uma relação à outra. O outro nível seria a moeda transnacional constituída de dinheiro de conta mantida pelo sistema bancário mundial e denominada em termos de seu poder de compra.

A maior parte dos negócios e comércio da economia mundial é hoje realizada em euromoedas - eurodólares, euroienes, eurofrancos suíços e assim por diante, pelo menos em países europeus que ainda não aderiram ao euro. Os livros-texto definiam originalmente eurodólares como dólares depositados em bancos americanos mas mantidos no exterior. Porém, esta definição de há muito não guarda qualquer relação com a realidade. O eurodólar - ou o euromarco ou o euroiene ou o eurofranco suíço - é puramente dinheiro transnacional, de propriedade de qualquer um e depositado em qualquer lugar. Comumente, as euromoedas são criadas quando uma empresa ou um induvíduo, talvez para ganhar uma taxa de juros mais alta, faz um depósito em outro país.

O eurodólar tornou-se popular em meados da década de sessenta, quando o presidente, dos Estados Unidos da América ( EUA ), Lyndon Johnson ( que sucedeu Kennedy ) recuou do papel de moedas-chave do dólar americano ao impor restrições ao investimento americano no exterior. Mas ele foi inventado - e esta é uma uma deliciosa ironia - pelo banco do Estado soviético na década de cinquenta, quando os soviéticos sacaram seus dólares depositados nos EUA, os colocaram em sua filial em Londres e começaram a fazer empréstimos com base neles. O intuito dos soviéticos era proteger os depósitos de eventual bloqueio por ação dos governo dos EUA; o resultado foi um instrumento financeiro que pode ter salvado a economia mundial e, na verdade, o sistema de livre mercado.

Pressupunha-se, na década de sessenta, que os eurodólares permaneceriam um acessório menor às moedas nacionais e nacionalmente controladas. Também se pressupunha que o dólar americano permaneceria sólido e que o governo americano teria a vontade, bem como os recursos, para manter seu valor interno e externo.

Ambas as premissas eram racionais até mil novecentos e sessenta e cinco. Ambas se revelaram falsas. As euromoedas tornaram-se o dinheiro dominante da economia mundial - com as moedas nacionais rapidamente se tornando acessórias. Havia em mil novecentos e setenta e nove, por exemplo, novecentos bilhões de euromoeda em circulação no sistema bancário mundial - seiscentos bilhões de dólares, se deduzidos os empréstimos interbancários. A cifra era substancialmente maior em mil novecentos e oitenta e um. Isto era mais do que todos os depósitos bancários nacionais dos países de livre mercado desenvolvidos do mundo.

Mas, decerto, está também mais do que claro agora que se deve esperar que todo governo moderno ponha as considerações domésticas e de curto prazo - emprego, proteção de indústrias agonizantes, posição competitiva de suas exportações - à frente de preocupações com o mundo exterior, muito embora seja, certamente, a economia mundial que hoje bota ovos de outro para os países desenvolvidos. Em outras palavras, não pode mais haver alguma moeda-chave que se possa confiantemente esperar que se manterá estável ou até previsível, seja pelo período que for, pelo menos na visão de Peter F. Drucker.

É verdade que alguns dos autores da nova união monetária europeia, o Sistema Monetário Europeu, que chegou a estar dando seus primeiros passos tentativos e vacilantes, chegaram a esperar que a moeda europeia baseado no marco alemão se tornasse o esteio monetário e comercial da economia mundial. Mas, como o muito capaz ministro das Finanças da Alamanh, Hans Matthofer, chegou a dizer em Frankfurt no verão de mil novecentos e setenta e nove, isto pressupõe:

a) que os EUA manteriam o dólar estável e não subordinando seu valor cambial a considerações domésticas de emprego e de balança comercial;

b) que os franceses estariam dispostos a defender o franco ao custo do risco substancial desemprego e 

c) que os britânicos, então sob o governo do Partido Conservador ( PC ) fariam o mesmo.

Matthofer pensou serem estas premissas razoáveis para o curto prazo, mas dificilmente são suficientes para se basear o futuro da economia mundial. Já em mil novecentos e oitenta e um, Drucker já concluiu que Matthofer estava errado, até para o curto prazo.

Há duas respostas ao desenvolvimento das euromoedas. A primeiora é tentar desfazê-lo. Com efeito, é isso que o governo dos EUA estava procurando fazer durante o governo Carter, com suas propostas amplamente divulgadas de obrigar o dinheiro sem pátria do mercado do eurodólar a voltar para a jurisdição e controle das autoridades monetárias e financeiras dos EUA. Tal tentativa estava fadada ao fracasso. Somente os alemães a apoiaram, e nenhum de forma ardente. Os governos britânico, francês e japonês não viram uso para ela. E, se os EUA e os alemães tivessem tido sucesso em emascular o sistema vigente à época, os financiadores, isto ficou muito claro, teriam desenvolvido um sistema novo, como seus antecessores de mil novecentos e sessenta e cinco, desenvolveram o eurodólar.

A segunda resposta estava vindo dos principais financiadores dos mercados de euromoedas, dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo ( OPEP ) e de multinacionais radicadas em países com superávits comerciais substanciais, principalmente a então Alemanha Ocidental e  o Japão. Estes financiadores estavam pressionando muito no sentido de uma mudança para uma moeda verdadeiramente transnacional. Eles precisavam de dinheiro que não estivesse vinculado a nenhuma denominação, mas vinculado ao poder de compra - por exemplo, por meio da conversibilidade garantida, a taxas fixas, em uma cesta de mercado de outras moedas, por meio da indexação de acordo com o índice de preços por atacado ou dos fabricantes dos principais países industriais, ou, talvez, por meio de algo semelhante à tradicional cláusula do ouro do século dezenove.

Em uma viagem, em mil novecentos e setenta e nove, pelos principais centros econômicos da Europa, quase todos os banqueiros e economistas do governo - Londres, Frankfurt, Bruxelas, Madri e Estocolmo - chegaram a falar a Drucker da mudança para esta euromoeda transnacional como algo praticamente inevitável.

Conforme um grande banqueiro observou, os países da OPEP continuaram com o dólar por razões políticas. Por quanto tempo mais teriam eles condição de continuar assim, considerando a rápida depreciação do dólar e a igualmente rápida escalada dos preços que eles pagavam na época ao mundo industrializado por produtos acabados? De fato, antes de a crise iraniana ter empurrado os preços bem para cima, em mil novecentos e setenta e nove, o poder de compra daquilo que a OPEP recebia por seu petróleo havia caído para o que era antes de o cartel da OPEP entra em vigor em mil novecentos e setenta e três. Que as próprias ações da OPEP eram amplamente responsáveis por isto e que a velha e comprovada teoria econômica de há muito ensinou que um cartel só conseguirá aumentar a renda real dos seus membros se houver uma genuína falta física do seu produto e da capacidade produzi-lo é algo que não é visto nem admitido pelos países da OPEP.

Assim, até os membros mais responsáveis e mais inteligentes da OPEP se viam quase obrigados a exigir que seu dinheiro depositado no sistema bancário mundial fosse mantido em uma forma que o protegesse de expropriação por desvalorização de moeda por parte do mundo desenvolvido, isto é, na forma de uma moeda transnacional. E um banqueiro alemão de Frankfurt disse a Drucker quase a mesma coisa ao falar dos seus clientes, as grandes multinacionais alemãs e seus negócios de exportação.

Com que velocidade esta mudança e até onde ela irá? Dentro de poucos anos, chegou a dizer á época um banqueiro com ligações com os países árabes, "um terço dos novos depósitos em moeda terá se tornado não nacional em sua denominação, por um mecanismo ou outro". O banqueiro de Frankfurt achou este número alto - um quinto era mais provável em sua opinião. Em mil novecentos e oitenta e um, concluiu-se que o banqueiro de Frankfurt estava certo.

Talvez mais plausível teria sido a avaliação do alto executivo de Londres de um dos grandes bancos americanos. "A mudança só teria começado", teria dito ele, "mas a tendência da época era acentuadamente ascendente. Portanto, os bancos teriam de impor as mesmas salvaguardas de poder de compra aos empréstimos que concedessem contra eurodepósitos. Somos bons em nos proteger de riscos cambiais - temos de ser bons. Mas ninguém é bom o bastante para proteger sequer um décimo dos seus depósitos. De modo que os empréstimos que os bancos fazem também seriam em uma moeda transnacional, em vez de os próprios bancos assumirem o risco de moedas nacionais". Esta tendência teria começado já em mil novecentos e oitenta.

No início da década de quarenta, John Maynard Keynes começou a defender um dinheiro verdadeiramente transnacional, que ele chamou de Bancor e o qual ele sugeriu que fosse administrado por um grupo transnacional e não político de banqueiros e economistas. Sua proposta foi derrotada pelos keynesianos americanos na Conferência de Brentton Woods de mil novecentos e quarenta e quatro, em parte por causa de sua suspeita de imperialismo britânico, em parte porque eles queriam que o dólar se tornasse a moeda-chave do mundo e estivessem convencidos de que o dólar podia desempenhar este papel, apesar das advertências de keynes de que a tal da moeda-chave havia se tornado um perigosa autoilusão. Aí, em meados da década de setenta, aquele arqui-não keynesiano, F.A. hayek, propôs que os governos se livrassem completamente do dinheiro e passassem a tarefas para bancos individuais e concorrentes, como o mercado decidindo em qual dinheiro - ou seja, de que banco - estava disposto a confiar.

Nenhuma das propostas tornou-s realidade. Hoje sabe-se que Keynes superestimou enormemente a capacidade do especialista despojado de valores de tomar decisões não políticas e de impô-las a governos nacionais. E é improvável que a proposta de Hayek seja aceita por políticos, parlamentos ou ministérios das finanças num futuro previsível. Mas a premissa subjacente nestas duas propostas - de que o dinheiro é importante demais para ser confiado a políticos e governos - é agora aceira, e Drucker até teria dito, por quase todo o mundo á época ( exceto, talvez por ministros das finanças ). É inclusive cada vez mais aceita por pessoas comuns que não sabem nada de economia, mas que veem o poder de compra dos seus ganhos cair mês após mês.

Certamente ninguém, talvez nem mesmo os ministros das finanças acredite mais, como alegremente Drucker fez quanto participou do seminário de Keynes em Cambridge, no início da década de trinta, que os governos têm tanto a competência como a integridade para administrar dinheiro de forma responsável e não política.

O dinheiro transnacional da economia mundial, isto é, dinheiro denominado em qualquer moeda nacional mas vinculado, de uma maneira ou outra, ao poder de compra, é, portanto, uma evolução lógica e talvez inescapável. É improvável que seja tão ordenado quanto o Bancor proposto por keynes teria sido ou tão racional quanto o dinheiro bancário competitivo e de livre mercado de Hayek. Ele será confuso, difícil, complicado, arriscado e causará intermináveis tensões. E, como a história dos bancos centrais amplamente demonstra, há perigos bastante reais em bancos tentando ser bancos emissores que administram moeda, e bancos comerciais que ser ocupam de liquidez e lucros. Moedas de dois níveis podem ser uma cura pior que a doença.

Mas o dinheiro transnacional pode funcionar. Apesar de todas as suas imperfeições, ele pode muito bem tornar-se realidade num mundo que exige tanto moedas nacionais, que são politicamente controladas e administradas para fins de conveniência política, como uma moeda transnacional estável o bastante para financiar a atividade de comércio e investimento numa economia mundial cada vez mais interdependente. Se ainda não emitem moeda, os bancos oferecem produtos financeiros que visam a minorar o risco cambial, como por exemplo um papel chamado "hedge" e outro chamado "opções" para empresas importadoras e / ou exportadoras. Alguns países chegam a ofertar dólar e moeda local nos bancos para se livrarem da pecha de serem potenciais emissores de moeda para fins políticos. Os papeis oferecidos pelos bancos para minorar risco cambial não serão melhor detalhados no presente texto, devido ao tema ser moeda e não produtos financeiros oferecidos pelos bancos. Outras informações podem ser obtidas no livro Os novos desafios dos executivos, de autoria de Peter F. Drucker.

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