sexta-feira, 3 de maio de 2019

Complementaridade: uma nova divisão internacional do trabalho

Durante os últimos setenta anos, a economia internacional tornou-se uma economia transnacional. Até a mais poderosa das economias nacionais tornou-se agora apenas uma concorrente na economia mundial, e dependente, para seu bem-estar econômico, do seu sucesso na economia mundial. Paradoxalmente, o único país desenvolvido importante do mundo livre que entende isto é o mais nacionalista e o mais protecionista: o Japão. Ter o Japão - desde o início da década de cinquenta - governado o seu leme econômico orientando-se mais pelas constelações da economia mundial do que por considerações econômicas domésticas, como exige a economia keynesiana ( ou friedmaniana ), foi um importante fator de seu excepcional desempenho econômico.

Como resultado, as teorias econômicas pelas quais a maioria das nações desenvolvidas guia as suas políticas estão se tornando rapidamente obsoletas. A administração da demanda só gera inflação quando as políticas fiscais e monetárias domésticas, isto é, nacionais, deixam de controlar verdadeiramente uma economia nacional. Então, como os japoneses perceberam há setenta anos, a política nacional precisa focar o investimento. Não pode mais haver nenhuma moeda-chave nacional, e os países precisam voltar-se para novas formas de dinheiro que sejam transnacionais e não extensões da soberania nacional. E as mudanças demográfica em curso que estão obrigando o mundo a mudar o comércio tradicional de bens para a integração internacional por etapas de produção e produção compartilhada colocarão a economia mundial ainda mais em ascensão.

Este é um tópico grande demais para ser tratado em poucas palavras. Para um tratamento mais amplo e com alguma profundidade, é possível ver no livro Administração em tempos turbulentos, de autoria de Peter F. Drucker. Todavia, o presente texto toca em temas de relevância e introduz novas e importantes questões, ideias e conceitos de Drucker.

A mais nova tendência econômica mundial é a produção compartilhada. Embora nem exportação nem importação no sentido tradicional, é assim que ela ainda aparece nos números de comércio e é tratada em discussões políticas e econômicas. No entanto, ela é, na realidade, integração econômica por etapas do processo produtivo.

São poucas as pessoas que ouviram falar de produção compartilhada, mas todo mundo que tem uma calculadora portátil está familiarizado com ela. Os semicondutores que fazem os cálculos são "Made in América" e depois despachados para montagem em um país em desenvolvimento como Coreia do Sul ou Cingapura. O produto acabado é então comercializado principalmente os países desenvolvidos.

As estatísticas tradicionais mostram as calculadoras como produtos importados, mas, na verdade, elas são a maneira como os eletrônicos feitos nos Estados Unidos da América ( EUA ) vão para o mercado, trazem divisas e criam empregos norte-americanos. De fato, o antigo termo alemão do seculo dezoito, Veredulungsverkehr ( upgrading trade ) descreve a transação melhor do que qualquer dos termos familiares de economia internacional e da teoria do comércio internacional.

Um exemplo semelhante de integração por etapas de produção é o grande grupo têxtil europeu que faz a fiação, a tecelagem e o tingimento no Mercado Comum Europeu - todos eles processos automatizados, de alta tecnologia e intensivos em capital. Depois o grupo despacha os tecidos por via aérea  para o Marrocos, a Malásia ou a Indonésia, onde eles são transformados em roupas, roupa de cama, tapetes, toalhas, tecidos de decoração ou cortinas. Por fim, eles são despachados por via aérea de volta aos mercados europeus e ali vendidos.

Há também a produção compartilhada promovida ativamente pelo governo do Japão, segundo a qual uma empresa japonesa exporta toda uma unidade industrial e recebe grande parte do seu pagamento na forma dos produtos daquela unidade industrial, os quais são vendidas no Japão.

Os países desenvolvidos são fortes em administração, capital, tecnologia e poder de compra do consumidor. Os países em desenvolvimento oferecem excedentes de mão de obra enormes e que continuam crescendo rapidamente.

Não há números relativos ao tamanho deste processo. Porém, grandes bancos multinacionais estimam que o volume no mínimo dobrou entre mil novecentos e setenta e quatro e mil novecentos e setenta e sete. Em mil novecentos e oitenta e um dobro novamente. Alguns bancos já consideram este processo tão significativo, a ponto de justificar o estabelecimento de unidades especiais dentro de suas divisões bancárias internacionais ou corporativas tradicionais para financiar a produção compartilhada.

A produção compartilhada está destinada a crescer porque há uma força econômica inexorável por trás dela: a dinâmica populacional. Pode-se discutir os números do emprego e do desemprego nos países desenvolvidos, números estes que são efetivamente muito confusos. Contudo, mais da metade de todos os jovens que estão entrando no mercado de trabalho dos países desenvolvidos tem alguma escolaridade além do ensino secundário, de modo que não estão disponíveis para os trabalhos tradicionais de baixa ou média qualificação.

Nos países em desenvolvimento, porém, a dinâmica populacional é extremamente diferente. Nestes países, os bebês que não morreram no final da década de cinquenta e na década de sessenta, quando a taxa de mortalidade infantil caiu precipitosamente - sessenta ou setenta por cento em algumas áreas - estavam na década de oitenta entrando na força de trabalho e precisaram de emprego. O México, por exemplo, teve de encontrar quase o triplo do número de empregos para novos operários jovens a cada ano, a partir dos anos oitenta e o ano dois mil, do que criou em qualquer ano anterior.

Poucos destes jovens eram altamente treinados ou altamente qualificados, porém eram muito mais preparados do que eram os seus pais - e estão cada vez mais nas cidades. A atividade agrícola não pode fornecer os empregos necessários. A reforma agrária, qualquer que seja seu apelo emocional, só viria, em muitos lugares, exacerbar a problema.

Somente em alguns poucos países, como o Brasil, que já passaram da fase da decolagem do desenvolvimento, há bastante potencial para rápido crescimento do mercado doméstico. Além disto, geralmente faltam aos países em desenvolvimento a base populacional, o poder de compra e o capital necessários para rápido crescimento interno. O único emprego concebível para as massas de novos trabalhadores é a produção para os mercados de consumo dos países desenvolvidos, os quais não dispõem mais de contingentes adequados de mão de obra qualificada.

Nos países em desenvolvimento, os custos de produção tendem a ser altos, geralmente bem mais altos dos que nos países desenvolvidos, apesar dos salários em dinheiro relativamente baixos. A produtividade tende a ser baixa, e as despesas gerais indiretas administrativas e governamentais costumam ser astronômicas. Ademais, a própria produção compartilhada tem custos relativamente altos - pesadas exigências em termos de administração, alto custo do capital, além das despesas de transporte.

O que está impulsionando o movimento para a produção compartilhada não são, portanto, os custos mais baixos, mas a falta de gente disponível para o trabalho tradicional de produção no mundo desenvolvido. Quase todos os países desenvolvidos têm um sistema estruturado de salário-desemprego, regras de senioridade e planos de aposentadoria de modo a desestimular os operários e trabalhadores braçais de procurar emprego fora da indústria que originalmente os empregou.

A produção compartilhada oferece aos países em desenvolvimento sua única oportunidade real de fornecer os empregos e a qualificação de que seu povo precisa. Mas isto não os tornará necessariamente agradecidos, de modo que o mais provável é que eles continuem com a velha retórica à medida que forem se tornando mais dependentes dos malditos imperialistas.

Ainda assim, muitos países em desenvolvimento estão rapidamente adaptando suas políticas e seu comportamento. Multinacional ainda é um palavrão nos países em desenvolvimento, mas seus governos estão cada vez mais cortejando as multinacionais para que construam e dirijam suas indústrias exportadoras - cujos produtos espera-se que a multinacional comercialize no mundo desenvolvido.

Há cinquenta e cinco anos no início da década de sessenta, os países da costa oeste da América do Sul ( países andinos ), da Venezuela ao Chile, solenemente aderiram ao pacto Andino, concebido para expulsar as multinacionais. Nos últimos anos, cada um destes países tem repelido a maioria das leis do Pacto Andino ou as tem descartado discretamente.

Nos países desenvolvidos, a produção compartilhada ameaça a própria base dos sindicalismo tradicional, que reside nas antigas indústrias e manufatura manual. Na verdade, é provável que ela mais crie dos que tire empregos, sobretudo empregos para trabalhadores mais estudados que formam a nova força de trabalho. Mas os trabalhadores dispensados ficarão muito mais visíveis e estarão concentrados em áreas que já estão em declínio. Tais trabalhadores também tenderão a ser pessoas mais velhas e de qualificação limitada. O mesmo se aplicará, em grande parte, às empresas que empregam estes trabalhadores: empresas de ontem em indústrias já em declínio.

Assim, de novo, o multinacionalismo se tornará uma questão importante nos países desenvolvidos. De fato, o principal ataque contra a empresa multinacional já mudou dos países anfitriões para os países de origem, especialmente para os EUA. O congresso Nacional ( CN ), a Receita Federal ( RF ), a SEC ( órgão regulador da atividade mobiliária que no Brasil equipara-se à Comissão de Valores mobiliários - CVM ) e uma série de outros órgãos governamentais representam agora ameaças às multinacionais que são ainda maiores do que as de Charles de Gaulle ou do nacionalismo do Terceiro Mundo.

Portanto, são necessárias mais políticas que possibilitem à economia adotar a produção compartilhada a um custo mínimo para os trabalhadores que perderão o emprego inicialmente.

É necessário o tipo de política inaugurado pelos suecos para possibilitar uma transição semelhante, de uma nação quase pré-industrial e produtora de matérias-primas da década de quarenta para a nação altamente industrializada e altamente competitiva de hoje. Há sessenta anos, eles organizaram empregadores, sindicatos e governos para que trabalhassem juntos no sentido de recapacitar trabalhadores demitidos e recolocá-los em novos empregos ( um sistema que realiza muito mais do que qualquer sistema de salário-desemprego e a uma fração do seu custo ).

É preciso também revisar os números do comércio, de modo que eles possibilitem saber onde a produção compartilhada cria e onde ela tira empregos. Argumentos de livre-comércio ou protecionistas só fazem aumentar a confusão porque ambos pressupõem mais a troca de produtos do que a integração econômica por etapas de produção, na qual exportações e importações são mutuamente dependentes.

Mas a nova integração multinacional ora emergente traz desafios igualmente grandes para os administradores de empresas.

Ela não se encaixa na estrutura organizacional tradicional da empresa multinacional, com alta administração central á qual as diretorias executivas das subsidiárias se reportam. Ao contrário, exige uma abordagem sistêmica, na qual um organismo coordene administrações autônomas que não se reportam uma à outra.

A nova multinacional não se fundamenta no investimento de capital ou na propriedade. Na realidade, a empresa matriz no país desenvolvido tipicamente investe pouco ou nada, embora frequentemente dê a suas parceiras associadas no país em desenvolvimento acesso a recursos financeiros ao comprar sua produção. Por esta razão, as empresas que tendem a se sair melhor como as novas multinacionais podem muito bem estar mais para empresas de comercialização do que para as empresas industriais do passado.

Empresas menores também tenderão a se sair melhor do que as companhia gigantes, uma vez que têm a flexibilidade necessária. isto explica por que algumas empresas de médio porte estão se saindo bem na área de eletrônicos.

Um importante requisito é a capacidade de se adaptar a diferentes culturas e de trabalhar com pessoas de hábitos e tradições diferentes. Isto porque a produção compartilhada não é apenas transnacional em vez de multinacional; ela é, acima de tudo, transcultural. E é uma ideia cujo tempo já chegou. Outras informações podem ser obtidas no livro Os novos desafios dos executivos, de autoria de Peter F. Drucker.

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