sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Direitos Humanos: Tratados internacionais de DH ganham novo patamar normativo pelo STF, a partir de 2004

O Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro, da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) motivou revisão do posicionamento do Supremo Tribunal Federal ( STF ) sobre a hierarquia dos tratados de Direitos Humanos ( DH ) no Brasil. No julgamento do Recurso Extraordinário número Quatrocentos e sessenta e seis mil trezentos e quarenta e três, simbolicamente também referente à prisão civil do depositário infiel, a maioria de votos dos Ministros sustentou novo patamar normativo para os tratados internacionais de DH, inspirada pelo Parágrafo Terceiro do Artigo quinto da CF - 88 introduzido pela Emenda Constitucional ( EC ) número Quarenta e cinco / Dois mil e quatro.


A nova posição prevalecente no STF foi capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes, que, retomando a visão pioneira de Sepúlveda Pertence ( em seu voto no Habeas Corpus número Setenta e nove mil setecentos e oitenta e cinco - Rio de Janeiro ), sustentou que o tratados internacionais de DH, que não forem aprovados pelo Congresso Nacional ( CN ) pelo rito especial do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro, da CF - 88, têm natureza supralegal: abaixo da CF - 88, mas acima de toda e qualquer lei.


O voto do Ministro Gilmar Mendes é esclarecedor: "Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ( PIDCP ) ( *vide nota de rodapé ) ( Artigo Onze ) e à Convenção Americana sobre DH ( CADH ) ( *2 vide nota de rodapé ) - Pacto de San José da costa Rica ( PSJCR ) ( Artigo Sétimo, Inciso Sétimo ), ambos no ano de Mil novecentos e noventa e dois, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre DH lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da CF - 88, porém acima da legislação interna. O "status" normativo supralegal dos tratados internacional de DH subscritos pelo Brasil, desta forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o Artigo Mil duzentos e oitenta e sete do Código Civil ( CC ) de Mil novecentos e dezesseis e com o Decreto-Lei NOvecentos e onze / Mil novecentos e sessenta e nove, assim como em relação ao Artigo Seiscentos e cinquenta e dois do novo CC" ( Recurso Extraordinário Quatrocentos e sessenta e seis mil trezentos e quarenta e três, relator Ministro Cezar Peluso, voto do Ministro Gilmar Mendes, julgado em Três de dezembro de Dois mil e oito, Plenário, Diário da Justiça eletrônico de Cinco de junho de Dois mil e nove, com repercussão geral ( *3 vide nota de rodapé ) ).


Já os tratados aprovados pelo CN pelo rito especial do Parágrafo Terceiro do Artigo Quinto ( votação em dois turnos nas duas Casas do CN, com maioria de três quintos ) terão estatuto constitucional.


Em Dois mil e nove, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) adotou o mesmo entendimento firmado pelo STF no Recurso Extraordinário número Quatrocentos e sessenta e seis mil trezentos e quarenta e três / São Paulo, no sentido de que os tratados de DH, ratificados e incorporados internamente, têm força supralegal, o que resulta em que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre DH é considerada inválida ( STJ, Recurso Especial número Novecentos e quatorze mil duzentos e cinquenta e três / São Paulo, relator Ministro Luiz Fux, Corte Especial, julgado em Dois de dezembro de Dois mil e nove, Diário da Justiça eletrônico de Quatro de fevereiro de Dois mil e dez ).


Ficou consagrada a teoria do duplo estatuto dos tratados de DH: natureza constitucional, para os aprovados pelo rito do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro; natureza supralegal, para todos os demais, quer sejam anteriores ou posteriores à EC Quarenta e cinco e que tenham sido aprovados pelo rito comum ( maioria simples, turno único em cada Casa do CN ).


Em resumo, com a consagração da teoria do duplo estatuto, temos que:


1) as leis ( inclusive as leis complementares ) e atos normativos são válidos se forem compatíveis, simultaneamente, com a CF - 88 e com os tratados internacionais de DH incorporados;

2) cabe ao Poder Judiciário realizar o chamado controle de convencionalidade nacional das leis, utilizando os tratados de DH como parâmetro supralegal ou  mesmo equivalente à EC;

3) os tratados incorporados pelo rito especial previsto no Artigo Quinto, parágrafo Terceiro, da CF - 88 passam a integrar o bloco de constitucionalidade restrito, podendo servir de parâmetro para avaliar a constitucionalidade de uma norma infraconstitucional qualquer.


Quadro sinótico


A teoria do duplo estatuto dos tratados de DH: natureza constitucional ( os aprovados pelo rito do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro ) e natureza supralegal ( todos os demais )


1) A introdução do Parágrafo Terceiro ao Artigo Quinto da CF - 88 motivou recente revisão do posicionamento do STF. Leading case: Recurso Extraordinário número Quatrocentos e sessenta e seis mil trezentos e quarenta e três ( referente à prisão civil do depositário infiel ): a maioria de votos dos Ministros sustentou novo patamar normativo ( natureza supralegal ) para os tratados internacionais de DH.

2) Ficou consagrada a teoria do duplo estatuto dos tratados de DH:

a) natureza constitucional para os aprovados pelo rito do Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro;

b) natureza supralegal para todos os demais, quer sejam anteriores ou posteriores à EC Quarenta e cinco e que tenham sido aprovados pelo rito comum ( maioria simples, turno único em cada Casa do CN ).

2) Como consequência tem-se que:

a) as leis ( inclusive as leis complementares ) e atos normativos são válidos se forem compatíveis simultaneamente, com a CF - 88 e com os tratados internacionais de DH incorporados;

b) os tratados de DH incorporados pelo rito simples não têm estatuto constitucional, logo não cabe ao STF analisar, no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade, a compatibilidade entre leis ou atos normativos e tratado internacional de DH;

c) cate ao STF realizar o chamado controle de convencionalidade nacional das leis em relação aos tratados tidos tidos como supralegais e também em relação aos tratados incorporados pelo rito especial previsto no Artigo Quinto, Parágrafo Terceiro, da CF - 88, que passam a integrar o bloco de constitucionalidade restrito.


P.S.:


Notas de rodapé:


* O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-obriga-estados.html .


*2 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos é melhor detalha em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .


*3 Ver também Súmula Vinculante número Vinte e cinco: "É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito".


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-tratados-internacionais-de-dh-ganham-novo-patamar-normativo-pelo-stf-a-partir-de-2004 .

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