segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Direitos Humanos: os pareceres consultivos da Comissão IDH e da Corte IDH

A Corte Interamericana de Direitos Humanos ( DH ) ( Corte IDH ) ( * vide nota de rodapé ) pode emitir pareceres consultivos ( também chamados de opiniões consultivas ), sobre a


a) interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos ( CADH ) ( *2 vide nota de rodapé ) ou de outros tratados universais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ( PIDESC ) ( *3 vide nota de rodapé ) e sobre

b) compatibilidade entre qualquer lei interna e os mencionados instrumentos internacionais.


Podem solicitar pareceres consultivos:


a) Sobre a interpretação da CADH e outros tratados de DH aplicáveis nos Estados Americanos:

i) Estados-membros da Organização dos Estados Americanos ( OEA ) ( *4 vide nota de rodapé ),

ii) Comissão Interamericana de DH ( Comissão IDH ) ( *5 vide nota de rodapé ) ( que possui pertinência temática universal, podendo pedir parecer sobre qualquer dispositivo da CADH qualquer tratado de DH incidente nos Estados Americanos ),

iii) outros órgãos da OEA com pertinência restrita a temas de DH de sua atuação.

b) Sobre a compatibilidade de lei interna: Estados-membros da OEA.


Até setembro de Dois mil e vinte, a Corte IDH expediu vinte e cinco opiniões consultivas, todas requeridas pela comissão IDH ou por Estados Partes da CADH que já reconheceram a jurisdição obrigatória da Corte IDH ( também conhecida como Corte de San José ). Os demais Estados da OEA ( aqueles que não são partes da CADH ) não têm utilizado a faculdade de solicitar parecer consultivo, a eles conferidas pelo Artigo Sessenta e quatro da CADH ( *6 vide nota de rodapé ). A Corte IDH possui tradição em desenvolver o direito internacional dos DH utilizando as opiniões consultivas para esclarecer o alcance e sentido das normas de DH que vinculam os Estados da OEA. São listadas abaixo as últimas opiniões consultivas emitidas e as solicitações em trâmite ( até setembro de Dois mil e vinte ):


1) Opinião consultiva número Vinte e um de Dois mil e quatorze, sobre os direitos e garantias das crianças imigrantes


Em julho de Dois mil e onze, em uma inciativa inédita, os quatro países-membros do Mercosul ( Mercado Comum do Sul ) ( *7 vide nota de rodapé ), Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, apresentaram em conjunto um pedido de opinião consultiva ( pois o Mercosul não possui legitimidade para tanto ) sobre os direitos de crianças e adolescentes migrantes. Em agosto de Dois mil e quatorze, a Corte IDH emitiu sua opinião consultiva número Vinte e um ( OC-Vinte e um / Dois mil e quatorze ) sobre o tema.


Os pa´~ises solicitantes indagaram á Corte IDH quais seriam as obrigações dos Estados em situações internas envolvendo crianças migrantes ou seus pais, tendo como base a CADH, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem ( DADDH ) ( *8 vide nota de rodapé ) e a CADH, e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura ( CIPPT ) ( *9 vide nota de rodapé ).


Após uma longa análise das fontes do Direitos Internacional dos Direitos Humanos ( DIDH ) ( *10 vide nota de rodapé ), dos direitos das crianças e dos migrantes, a Corte IDH entendeu que os Estados devem priorizar os direitos das crianças ( por crianças, deve-se entender "toda pessoa que não tenha completado Dezoito anos de idade, salvo que tenha alcançado a maioridade antes em conformidde com a lei" ), levando em consideração


a) o direito de ser notificada da abertura e de todo o ocorrido em processo migratório;

b) o direito a que o processos migratórios sejam conduzidos por um funcionário ou juiz especializado;

c) o direito a ser ouvida e a participar nas diferentes etapas processuais;

d) o direito a ser assistida gratuitamente po um tradutor e / ou intérprete;

e) o acesso efetivo à comunicação e à assistência consular;

f) o direito de ser assistida por um representante legal legal e a comunicar-se livremente com este;

g) o dever de designar um tutor no caso de criança desacompanhada ou separada;

h) o direito a que a decisão adotada avalie o interesse superior da criança e seja devidamente fundamentada;

i) o direito a recorrer da decisão perante um juiz ou tribunal superior com efeitos suspensivos;

j) o prazo razoável de duração do processo.


Quanto à privação de liberdade das crianças migrantes, a Corte IDH apontou que tal medida só pode ser imposta em casos extremos, cabendo aos Estados implementar garantias de proteção ás crianças privadas de liberdade.


Por fim, a Corte IDH explicitou o princípio do non refoulement - válido para todo e qualquer estrangeiro, não somente para os refugiados - , ou seja, a proibição dos Estados de transferirem ( qualquer que seja a nomenclatura - rechaço, expulsão, deportação etc. ) uma criança a um outro Estado quando sua vida, segurança ou liberdade estejam em risco de violação por causa de


a) perseguição ouameaça de perseguição,

b) violência generalizada ou

c) violações massivas dos DH, entre outros, assim como para um Estado onde

d) corra o risco de ser submetida a tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.


2) Opinião Consultiva número Vinte e dois de Dois mil e dezesseis, sobre a titularidade de DH pelas pessoas jurídicas



Em Dois mil e dezesseis, a Corte IDH prolatou opinião consultiva número Vinte e dois ( solicitada pelo Panamá ) a respeito de serem ou não as pessoas jurídicas titulares de direitos á luz da CADH, o que poderia, caso positiva a resposta da Corte IDH, possibilitar o direito de petição por parte de pessoa jurídica à Comissão IDH. Inicialmente, a Corte IDH utilizou a CADH sobre personalidade e capacidade de pessoas jurídicas no Direito Internacional Privado, que define pessoa jurídica como sendo "toda entidade que tenha existência e responsabilidade próprias, distintas das dos seus membros ou fundadores e que seja qualificada como pessoa jurídica segundo a lei do lugar de sua constituição" ( Artigo primeiro ) ( *11 vide nota de rodapé ).


A Corte IDH interpretou o Artigo Primeiro ponto Dois da CADH ( "Para efeitos desta CADH, pessoa é todo ser humano" ) para concluir que as pessoas jurídicas não são titulares de direitos convencionais, não poderão ser consideradas possíveis vítimas nos processos contenciosos do sistema interamericano. A Corte IDH aduziu que o DIDH desenvolveu-se para assegurar proteção às pessoas físicas e somente reconhecem, por dispositivos expressos e excepcionais, direitos a pessoas jurídidas a


a) Convenção Europeia de DH e

b) a Convenção da Organização das Nações Unidas ( ONU ) pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação Racial ( CONUETFDR ) ( *12 vide nota de rodapé ). 


Mesmo diante da tradição constitucional de vários países da região ( inclusive o Brasil ) de reconhecer a titularidade de direitos essenciais por pessoas jurídicas, a Corte IDH entendeu que a ausência de disposição expressa da CADH a impedia de reconhecer tal titularidade ás pessoas jurídicas.


Não obstante essa exclusão da titularidade de DH por parte de pessoas jurídicas, a Corte reiterou o entendimento de que as comunidades indígenas são titulares de direitos protegidos pelo sistema interamericanos, podendo ser vítimas, aplicando-se o mesmo aos povos tribais. No mesmo sentido, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - Comitê DSEC ) do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais  ( PIDESC ) ( *13 vide nota de rodapé ) já havia reconhecido que a expressão "toda pessoa" refere-se tanto ao sujeito individual quanto ao sujeito individual quanto ao sujeito coletivo, o que implica no reconhecimento de direitos por parte de indivíduos associados com outros, dentro de comunidades ou grupos ( Comentário geral número Vinte e um ). Nessa linha, a Corte concluiu que, de acordo com o Protocolo de San Salvador ( PSS ) ( *14 vide nota de rodapé ), os sindicatos, as federações e confederações de trabalhadores são titulares de direitos, o que os permite atuar no sistema interamericano na defesa desses direitos. A Corte IDH determinou, ainda, que em alguns casos, quando o indivíduo exerce seus direitos por intermédio de pessoa jurídica ( como membro ou controlador da pessoa jurídica ), pode provocar o sistema para fazer valer seus DH. Nesse caso, basta que a pessoa jurídica tenha esgotado previamente os recursos internos, desde que o tema controvertido pelo indivíduo no sistema interamericano tenha estado contido no debate interno.


3) Opinião consultiva número Vinte e três de Dois mil e dezessete, sobre as obrigações de proteção do meio ambiente no marco da proteção internacional de DH


A Opinião consultiva número Vinte e três foi solicitada pela Colômbia ( envolvida em disputas de delimitação territorial marítima na Corte Internacional de Justiça ( CIJ ) à Corte IDH para que fosse esclarecido o alcance da obrigação de respeito de garantia do direito à vida e do direito à integridade pessoal da CADH em relação aos dever de respeitar normas de direito internacional ambiental, que buscam impedir danos ambientais ( que por sua vez afetam o direito á vida e o direito á integridade pessoal ), em especial o dever de estabelecer estudos de impacto ambiental na Região do Grande Caribe. O objetivo da Colômbia foi questionar, indiretamente, a conduta de Estado caribenhos que estariam, com suas obras de infraestrutura, afetando  o ambiente marinho da região.


A Corte IDH, inicialmente, não limitou seu parecer consultivo aos danos ambientais marinhos, como queria a Colômbia. Pela importância do direito ao meio ambiente equilibrado, a Corte IDH considerou que tal direito interessa a todos os habitantes da região. Além disso, tal direito pode ser diretamente apreciado pela Corte IDH, naquilo que já foi comentado acima que é a "defesa direta dos direitos sociais" ( Artigo Vinte e seis da CADH ). Assim, a Corte IDH reconheceu a existência de uma relação inegável entre a proteção do meio ambiente e a realização dos DH. Reforça-se a indivisibilidade e a interdependência existente entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais, econômicos e culturais. Também um interesse universal, tanto das gerações presentes quanto das futuras. mas também foi lembrada a dimensão individual do direito à integridade pessoal, direito á vida, entre outros, Finalmente, a Corte IDH, com base nessas considerações, enfatizou a importância da defesa dos direitos dos povos indígenas, do direito à informação e do direito de acesso à justiça no contexto da proteção ao meio ambiente.


*4 opinião consultiva número Vinte e quatro de Dois mil e dezessete, sobre a identidade de gênero, igualdade e não discriminação a uniões homoafetivas


A Costa Rica solicitou opinião consultiva à Corte IDH sobre identidade de gênero e sobre o reconhecimento dos direitos patrimoniais derivados de um vínculo entre pessoas do mesmo gênero. para o Estado solicitante, a identidade de gênero é uma categoria protegida pelos Artigos Onze ponto Dois e Dezoito, que devem ser então, interpretados pela Corte IDH para que se saiba se o Estado tem o dever de reconhecer e facilitar a mudança de nome das pessoas, de acordo com a respectiva identidade de gênero. Ainda, a Costa Rica indagou se, caso positiva a resposta à primeira consulta, viola a CADH caso seja prevista a mudança de nome somente por meio de um processo judicial, sem que haja um procedimento administrativo. Finalmente, a Costa rica perguntou se a proibição de discriminação por orientação de gênero ( Artigos Primeiro e Vinte e quatro da CADH, bem como Artigo Onze ponto Dois ) exige que o Estado reconheça todos os direitos patrimoniais que derivam de um vínculo entre pessoas do mesmo gênero. Se positiva a resposta, a Costa Rica indaga se é necessária a existência de um instituto jurídico que regule os vínculos entre pessoas do mesmo gênero, para que o Estado reconheça tais direitos patrimoniais 9 questão sobre a autoaplicabilidade dessa proibição de discriminação por orientação de gênero ).


Para a Corte IDH, é possível que uma pessoa seja discriminada a partir da percepção social a respeito de sua relação com um grupo social, independentemente da realidade ou ainda com a autoidentificação da pessoa. Essa "discriminação por percepção" tem o efeito de impedir ou prejudicar o gozo de DH. Por isso, a proteção da identidade deve abarcar a identidade social, sendo a expressão de gênero uma categoria protegida pela CADH. A Corte IDH reconheceu que a identidade de gênero compõe o "direito à identidade", que é protegido pelo Artigo Treze da CADH (  liberdade de expressão ). Além disso, tal direito é um instrumento para o exercício de outros, como direito à personalidade, ao nome, á nacionalidade, entre outros. Assim, o direito de decidir autonomamente sobre a identidade de gênero encontra-se protegido pela CADH, em especial nos Artigos referentes ao nome ( Artigo Dezoito ). Quanto à identificação da identidade de gênero, a Corte IDH exigiu que os Estados, embora com certa margem de escolha dos meios, devem realizar a adequação integral da identidade de gênero autopercebida com base unicamente no consentimento livre e informado do solicitante ( afastando, expressamente, a certificação médica ou intervenções cirúrgicas e hormonais ).


Por fim, a Corte IDH enfatizou que todos os direitos 9 e não só os patrimoniais ) dos casais heterossexuais devem ser também reconhecidos às uniões homoafetivas. No que tange ao casamento, a Corte IDH realçou que proibir o matrimônio de pessoas do mesmo gênero é ofensa à CADH, inexistindo razão convencionalmente adequada e proporcional para tanto.


4) Opinião consultiva número Vinte e cinco de Dois mil e dezoito, sobre o instituto do asilo e seu reconhecimento como DH


O Equador solicitou uma opinião consultiva á Corte IDH sobre o "alcance e fim do direito de asilo á luz do DIDH, do Direito Interamericano e do Direito Internacional". na petição inicial de solicitação, o Estado reconhece o direito de buscar asilo como um DH amplamente sedimentado no ãmbito da comunidade internacional e indaga, em suma


a) quais são sos limites de atuação de um Estado que concedeu asilo em relação ao indivíduo solicitante, bem como os

b) limites de atuação de um Estado em relação a um indivíduo asilado na Embaixada de outro Estado em seu território.


Essa solicitação de opinião consultiva por parte do Equador é fruto, obviamente, da controvérsia que envolve o fundador do site Wikileaks, Julian Assange, asilado na Embaixada do Equador em Londres desde Dois mil e doze. O Reino Unido não concedeu, até agora, salvo-conduto, para que Assange possa sair da Embaixada rumo ao Equador ( Estado asilante ).


Na opinião consultiva, a Corte IDH adotou a terminologia de "asilo em sentido estrito" como equivalente a asilo político, bem como "asilo sob o Estatuto do Refugiado ( *15 vide nota de rodapé )" para designar o refúgio ( quer pela sua definição estrita - pela Convenção de Genebra de Mil novecentos e cinquenta e um - , quer pela definição ampla oriunda da Declaração de Cartagena de Mil novecentos e oitenta e quatro ).


No tocante ao asilo político, a Corte IDH identificou as suas duas formas traticionais: o asilo territorial e o asilo diplomático. Somente o asilo territorial está regulado pela CADH ( Artigo Vinte e dois ponto Sete ) e pelo Artigo Vinte e sete da DADDH. Já o asilo diplomático, pelos seus vínculos com as prerrogativas estatais referentes á diplomacia, deve ser regido por tratados específicos, costumes internacionais ou mesmo suas próprias leis internas.


Contudo, em qualquer hipótese ( mesmo no asilo diplomático ), o Estado de acolhida está obrigado a não devolver o solicitante a um território no qual este possa sofrer o risco de perseguição odiosa. Assim, o princípio da proibição do rechaço ( "proibição do non refoulement" ) é exigível por qualquer estrangeiro, inclusive quando se busque asilo diplomático. Para tanto, a Corte IDH assinalou que o Estado da acolhida deve adotar todos os meios necessários para proteger o estrangeiro recebido em sua missão diplomática toda vez que a sua devolução ao Estado territorial possa ameaçar sua vida, liberdade, integridade ou segurança, de modo direto ou indireto ( o Estado territorial possa extraditar ou entregar de qualquer forma o indivíduo a um Estado terceiro  no qual haja tais riscos ). Esse dever de proteção ao solicitante de asilo, para a Corte, é obrigação erga omnes (  *15 vide nota de rodapé ) e vincula internacionalmente os Estados.


5) Opinião consultiva sobre a Liberdade Sindical com Perspectiva de Gênero ( em trâmite )


A Comissão IDH e a Relatoria Especial Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ( REDESC ) submeteram, em Trinta e um de julho de Dois mil e dezenove, solicitação de Opinião Consultiva sobre liberdade sindical com perspectiva de gênero. Busca-se uma interpretação conjunta de diversas normas interamericanas relacionadas ao exercício do direito de greve e negociação coletiva como integrantes do direito á liberdade sindical, a partir de um enfoque nos efeitos das discriminações de gênero no ambiente de trabalho que impedem o exercício por parte de mulheres desse direito de forma igualitária e livre de violência. Assim, a opinião consultiva visa também a formatar


a) o direito á participação de mulheres nos processos de formação de sindicatos,

b) sua atuação como líderes em ambientes sindicais, e

c) o exercício de direitos á associação e liberdade de expressão ( *16 vide nota de rodapé ).


6) Opinião consultiva sobre as obrigações em matéria de DH de um Estado que denunciou a CADH e que tenta retirar-se da OEA ( em trâmite )


Trata-se de solicitação de opinião consultiva realizada pela colômbia em Dois mil e dezenove que busca resposta da Corte IDH sobre três questões:


a) qual é o alcance das obrigações internacionais em matéria de proteção e promoção de DH impostas a um Estado Membro da OEA mas que tenha denunciado a CADH ( casos de Trinidad e Tobago e Venezuela );

b) qual o efeito dessas obrigações internacionais caso o Estado ( que denunciou a CADH ) busque denunciar o tratado constitutivo da OEA ( "Carta de Bogotá" ) ( *18 vide nota de rodapé ); e

c) quais os mecanismos de que dispõem, de um lado, a "comunidade internacional" ( sic, termo utilizado pela Colômbia ) e, em particular os Estados Membros da OEA para exigir oi cumprimento dessas obrigações internacionais de DH e, de outro, os indivíduos sujeitos á jurisdição do Estado denunciante.


Tal opinião encontra-se em trâmite e, apesar de obviamente ter relação com as ameaças da Venezuela de denunciar o tratado institutivo da OEA ( retirando-se dessa organização ), merece conhecimento por se tratar de situação abstrata o suficiente para um indispensável posicionamento da CADH, o que afetará, inclusive, a delimitação do conceito de "normas imperativas", "obrigações erga omnes", "jus standi", "proibição de retrocesso" ( *19 vide nota de rodapé ), papel da internacionalização dos DH em face do tradicional direito dos tratados ( que tem forte ênfase na vontade dos Estados ) entre outros temas.


7) Opinião consultiva sobre a figura da reeleição presidencial indefinida no contexto do sistema interamericano de DH ( em trâmite )


Trata-se de opinião consultiva solicitada pela Colômbia em Dois mil e dezenove que busca esclarecer dúvidas sobre a possibilidade de reeleição indefinida de presidentes diante do sistema interamericano de DH. A Colômbia fez duas perguntas centrais ( todas com diversas indagações ), a seguir sintetizadas:


a) a reeleição é um direito político do candidato ( e de seus eleitores ) que pode ser restringido e de que modo?

b) Pode um Estado modificar seu ordenamento jurídico para assegurar a reeleição presidencial indefinida?


Nos fundamentos do pedido, houve a menção à decisão da Corte Suprema da Nicarágua, que considerou inaplicável o impedimento constitucional á reeleição presidencial, permitindo, assim, a reeleição de Daniel Ortega. Também foi citada a decisão da Corte Suprema de Honduras na mesma linha, o que permitiu a reeleição de Juan Orlando Hernández. E, finalmente, foi a decisão do Tribunal Constitucional Plurinacional da bolívia, em Dois mil e dezessete, pela qual foi invocado o Artigo Vinte e três da CADH ( sobre limitação de direitos políticos ) e consequentemente permitida a reeleição presidencial, assegurando a possibilidade de Evo Morales se candidatar a um quarto mandato consecutivo ( tal eleição foi considerada viciada pelos opositores, tendo ocasionado vários conflitos de rua, com a consequente renúncia de Evo Morales, então presidente ).


8) Opinião consultiva sobre enfoques diferenciados em matéria de pessoas privadas da liberdade  ( em trâmite )


Trata-se de opinião consultiva solicitada pela Comissão IDH em Dois mil e dezenove a respeito da interpretação do direitos á igualdade e as consequentes obrigações dos Estados em face da situação especial de risco envolvendo determinados grupos de pessoas privadas de liberdade, em especial mulheres grávidas, lactantes, pessoas LGBTQIA+, pessoas indígenas, idosos e crianças que vivem com suas mães na prisão. Busca a Comissão IDH estabelecer os parâmetros da CADH e demais tratados incidentes nas Américas para orientar a atuação dos Estados.


9) Solicitações de opiniões consultivas indeferidas


Nos últimos anos, a Corte IDH recusou-se a emitir opinião consultiva em duas ocasiões, ambas relacionadas aos casos de julgamentos políticos ( processos de impedimento ou impeachment ) que têm repetido em várias democracias da América Latina, atingindo mandatários eleitos ou ainda ameaçando juízes ou procuradores com cassações de mandatos. Em ambas as ocasiões, foram solicitadas as opiniões consultivas com base no temor da utilização indevida do processo de impeachment como forma de acesso ou manutenção do poder.


Em Dois mil e dezesseis o Secretário-Geral da OEA apresentou pedido de opinião consultiva sobre quais critérios, dentro da separação de poderes, deveriam limitar os juízos políticos no julgamento de um político eleito, referindo-se especificamente ao caso do impeachment da então presidenta Dilma Rousseff  ( Brasil ). A Corte não conheceu o pedido ( "não deu trâmite" ), pois considerou que a opinião consultiva:


a) não deve referir-se a um caso contencioso ( específico ) ou servir para obter pronunciamento prematuro sobre tema que poderia ser submetido á Corte IDH através de um caso contencioso;

b) não pode ser utilizada como mecanismo para obter pronunciamento indireto sobre um assunto em litígio ou em controvérsia interna;

c) não deve ser utilizada como instrumento de debate público interno;

d) não deve abarcar, exclusivamente, temas sobre os quais a Corte IDH já tenha se pronunciado em sua jurisprudência; e

e) não deve procurar a solução de questões de fato, apenas o sentido, o propósito ou a razão das normas internas de DH, de forma que os Estados membros e os órgãos da OEA cumpram de maneira cabal e efetiva suas obrigações internacionais. A Corte IDH entendeu, no caso, que poderia constituir um pronunciamento prematuro sobre a questão, que poderia ser-lhe submetida em eventual caso contencioso, bem como que poderia pronunciar-se sobre assunto que não foi resolvido no plano interno. Utilizou-se, assim, a antiga "Doutrina Carelia", adotada pela Corte Permanente de Justiça Internacional ( CPJI ), pela qual não se pode utilizar a jurisdição consultiva como alternativa camuflada á jurisdição contenciosa de um tribunal internacional.


Em Doi8s mil e dezessete, a Comissão IDH pediu opinião consultiva à Corte IDH sobre a mesma temática ( convencionalidade dos juízos políticos ), mas com o cuidado de não referir-se a um caso concreto, como havia feito o Secretário-Geral da OEA anteriormente. A dúvida da Comissão IDH referia-se a alcance do princípio da legalidade, do direito ao acesso à justiça e ao devido processo legal em casos de impedimento ( impeachment ) e juízos políticos. Seria possível um controle judicial desses procedimentos, que tradicionalmente seriam da alçada exclusiva da política e os julgadores sequer tem de motivar seus votos ( a favor ou contra a cassação do mandato )? Contudo, em Dois mil e dezoito, a Corte IDH recusou-se novamente a emitir opinião consultiva por entender que há grande diversidade de procedimentos de juízos políticos e de impeachment na região, impedindo um pronunciamento em abstrato e sendo mais adquado sua provocação na via contenciosa para dirimir qualquer controvérsia.


Sessa maneira, a Corte IDH buscou estabelecer os seguintes parâmetros para que possa se pronunciar na jurisdição consultiva:


a) não pode a solicitação se utilizada para encobrir um caso contencioso ou pretender obter prematuramente uma posição da Corte IDH sobre tema que será provavelmente submetido à sistemática da jurisdição contenciosa;

b)  não pode servir para obter um pronunciamento da Corte IDH sobre tema já inserido em litígio no âmbito interno ou ser utilizado como instrumento no debate político nacional;

c) não deve abarcar exclusivamente temas já tratados pela Corte;

d) não deve buscar resolver questões de fato. No máximo, ode assinalar questões de fato para pontuar as dúvidas jurídicas.


As opiniões consultivas, apesar de formalmente não obrigatórias, têm importante peso doméstico, uma vez que consagram a interpretação internacionalista ( a ser seguida por todos os órgãos internos, no âmbito administrativo, legislativo e judicial ) sobre as normas de DH que vinculam o Brasil. A Corte IDH tem, reiteradamente, decidido que as opiniões consultivas correspondem a um "controle de convencionalidade preventivo", que, se seguido, impede que os Estados violem a CADH ( ver, po9r exemplo, a Opinião Consultiva número Vinte e dois, em especial o Parágrafo Vinte e seis ).


Quadro sinótico


Comissão IDH


Criação: Mil novecentos e cinquenta e nove, por resolução da OEA. m Mil novecentos e sessenta e sete, foi inserida formalmente na Carta da OEA pelo Protocolo de Buenos Aires. Sede: Washington ( EUA ).


Composição: Sete Comissários, eleitos pela Assembleia Geral da OEA, para mandato de Quatro anos, com a possibilidade de uma recondução.


Competência:


a) De acordo com as competências previstas na Carta da OEA e estatuto da Comissão IDH

i) promover estudos e capacitação em DH;

ii) criar relatorias especiais de DH em temas ou países;

iii) receber petições de vítimas de violação de DH e recomendar reparação.


b) De acordo com as competências previstas na CADH

i) receber petições de vítimas, recomendar reparação de danos aos Estados e, 

  • caso não cumprida a reparação de danos e
  • caso e Estado infrator tenha reconhecido a jurisdição da Corte IDH, encaminhar o caso à Corte IDH 
ii) solicitar opiniões consultivas

iii) atuar nos processos perante a Corte IDH como custo legis


Corte IDH


Criação: Pela CADH, de Mil novecentos e sessenta e nove. A CADH entrou em vigor somente em Mil novecentos e setenta e oito e a Primeira Sessão da Corte IDH ocorreu em Mil novecentos e setenta e nove. Sede: San José da Costa Rica.


Composição: Sete juízes, escolhidos pelos Estados Partes da CADH, para um mandato de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez.


Competência: julgar casos de violação da CADH, emitindo sentenças vinculantes, em casos encaminhados pela Comissão IDH ou Estados Partes da CADH que tenham reconhecido a jurisdição da Corte IDH ou Estados Partes da CADH que tenham reconhecido a jurisdição da Corte IDH. Emitir opiniões consultivas, não vinculantes.         


P.S.:


Notas de rodapé:


* A Corte Interamericana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-corte-interamericana.html .


*2 A Convenção Americana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .


*3 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-assegura.html .


*4 A Organização dos Estados Americanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-o-sistema-americano.html


*5 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-comissao-examina.html .


*6 Carvalho Ramos, André de. Processo internacional de direitos humanos. Sexta edição. São Paulo : Saraiva, Dois mil e dezenove.


*7 O Mercado Comum do Sul é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-mercosul-tem-tratado.html .


*8 A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-o-sistema-americano.html


*9 A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-previne-e.html .


*10 A diversidade terminológica referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-as-terminologias.html .


*11 Já ratificada e incorporada internacionalmente no Brasil pelo Decreto número Dois mil quatrocentos e vinte e sete / Mil novecentos e noventa e sete. Ver mais sobre pessoa jurídica no Direito Internacional Privado, no comentário ao Artigo Onze da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, em Carvalho Ramos, André de; Gramstrup, Erik G.  Comentário á Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, Dois mil e dezesseis. 


*12 A Convenção da ONU pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação Racial é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/05/direitos-humanos-convencao-visa_9.html .


*13 O Pacto Internacional dobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/04/direitos-humanos-pacto-assegura.html .


*14 O Protocolo de San Salvador é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-protocolo-volta-se.html .


*15 Erga omnes: para com todos; o que é válido contra todos. Dicionário latim-português : termos e expressões / supervisão editorial Jair Lot Vieira - São Paulo : Edipro, Dois mil e dezesseis.


*17 Surrailly Youssef e a Isabel Penido de Campos machado colaboraram na atualização dos últimos casos contenciosos e consultivos da Corte IDH, bem como os novos dados das medidas cautelares e provisórias contra o Brasil.


*18 A Carta de Bogotá é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-o-sistema-americano.html .


*19 A vedação ao retrocesso dos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-vedacao-ao-retrocesso.html .


*20 Custos legis: o guardião da lei. Dicionário latim-português : termos e expressões / supervisão editorial Jair Lot Vieira - São Paulo : Edipro, Dois mil e dezesseis.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-pareceres-consultivos-da-comissao-idh-e-da-corte-idh

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