sexta-feira, 22 de março de 2019

Marketing: o comportamento do consumidor afetado pelos estilos de vida

Todo mundo sabe como o consumidor deveria se comportar, exceto o consumidor. Todos sabem, por exemplo, que a primeira coisa que os consumidores cortam, ao menor sinal de problema econômico, é comer fora. Até agora já foram atravessados diversos anos de turbulência econômica relativamente séria - quer sejam chamados de recessão severa ou depressão branda. No entanto, a compra pelos consumidores de refeições prontas, na forma de refeições em restaurantes, em lojas de alimentação de conveniência como McDonald's ou Kentucky Fried Chicken, ou na forma de jantares completos e prontos para ser aquecidos e servidos, só tem aumentado. De fato, muita gente do ramo da alimentação já previam em mil novecentos de setenta e seis que a partir de mil novecentos e oitenta e cinco a, uma em cada duas refeições consumidas nos Estados Unidos da América ( EUA ), incluindo o café da manhã, seria comprada como refeição pronta, a ser consumida em restaurante, drive-in ou em casa.

Da mesma forma, todo mundo sabe que, numa recessão, a demanda por cadas grandes e caras cai acentuadamente, enquanto a demanda por casas pequenas aumenta acentuadamente. Mas quando o setor da habitação, respondendo a isto, introduziu as chamadas casas básicas, isto é, casas de preço relativamente baixo e quase tão bem equipadas quanto a casa-padrão era em meados de mil novecentos e cinquenta, ninguém as queria.

Exatamente a mesma coisa vem acontecendo com os carros. Por cinquenta anos a General Motors Company ( GMC ) ditou cada virada de marketing no mercado de automóveis, mas não das últimas vezes. Desta vez a GMC antecipou que os compradores migrariam para carros menores - a única expectativa racional em vista da acentuada queda dos níveis de emprego e renda, e considerando o paralelo aumento acentuadíssimo do custo operacional de um automóvel como resultado do salto dos preços da gasolina. Mas o público compra carros grandes. O carro da hora chegou a ser em mil novecentos e setenta e seis um novo Cadillac ao preço então considerado módico de quinze mil dólares, numa época que os carros menores custavam quatro mil dólares. Hoje um pequeno custa vinte e cinco mil dólares.

As viagens de negócios em voos regulares das companhias aéreas de fato diminuíram bastante acentuadamente com a recessão e voltaram diretamente em paralelo com a recuperação. Mas as viagens aéreas como um todo não demonstraram este comportamento apropriado. Voos charter de todo tipo vêm aumentando continuadamente.Isto mostra grande sensibilidade a preço, visto que as flutuações no valor externo do dólar americano traduzem-se diretamente em mudanças na demanda por destinos de voos charter. Mas a demanda total por pacotes turísticos vem tendo um bom desempenho desde sempre.

Estas são apenas ilustrações que podem estar corroídas por dados mais atuais. Muitos setores que comercializam bens de consumo reportam um comportamento anormal similar. Parece não haver um padrão, a menos que o padrão esperado não é em absoluto o padrão dominante. Em algumas categorias de dispêndio, os consumidores aparentemente gastam muito menos do que deveriam; em outras, muito mais; e em algumas, exatamente aquilo que a teoria e o folclore mercadológicos esperam que eles gastem.

Os casos de comportamento anormal do consumidor podem ser pura coincidência. Provavelmente todos eles podem ser explicados. E é assim que a maioria dos homens de negócios que Peter F. Drucker dizia ter conhecido reagiam a comportamentos do consumidor que os surpreendiam.

Uma explicação que algumas pessoas pensadoras do mundo empresarial oferecem é que tal comportamento indica estagflação, isto é, a reposta do público a uma economia que simultaneamente estagna e sofre inflação relativamente severa. Não se pode descartar esta explicação logo de cara. Há algumas indicações de que a contínua expectativa de inflação tem um papel, talvez até um papel substancial, no comportamento do consumidor. Ela pode explicar, por exemplo, o tremendo boom no segmento de casas de luxo ou a contínua valorização do preço de joias de alta categoria e de objetos de arte de primeiríssima categoria. As pessoas que compram estas coisas são as mesmas que tradicionalmente compraram ouro pela mesma razão.

A explicação da estagflação, porém, não explica boa parte do comportamento observado. Ela não explica, por exemplo, por que as vendas do varejo de bens de consumo padrão - as coisas que as pessoas compram normalmente - andaram tão paradas, especialmente em mil novecentos e setenta e cinco e mil novecentos e setenta e seis, por exemplo.

Essas vendas deveriam ter aumentado com razoável velocidade em um período no qual as pessoas não acreditam no poder de compra do dinheiro e esperam que os preços subam continuamente. Da mesma forma, a alta taxa de poupança em mil novecentos e setenta e cinco e mil novecentos e setenta e seis dificilmente seria compatível com estagflação; tampouco o seria o influxo de dinheiro nas instituições de poupança, muito embora as taxas de juros estivessem caindo.

Uma explicação alternativa precisa, portanto, ser considerada: o mercado de consumo americano está passando por uma nova segmentação. Há provas disto. Com efeito, três grupos estão emergindo como forças dominantes do mercado. A teoria mercadológica tradicional não os leva em conta e eles se comportam de forma diferente do modelo padrão, no mínimo porque sua realidade econõmica é bastante diferente.

O primeiro destes grupos é o de pessoas mais velhas, em especial pessoas aposentadas. Em termos percentuais, este é o grupo da população americana que cresce mais rapidamente. Ele reúne, agora, cerca de trinta milhões de pessoas, em comparação com os noventa e quatro milhões que compõem a força de trabalho. Em alguns anos mais, ele terá crescido para apenas cem milhões.

Pessoas aposentadas não são muito afetadas pelo desemprego. Elas estão razoavelmente protegidas da inflação pela previdência social e, cada vez mais, por planos de previdência privada com valores sendo ajustados para se manter em compasso com a inflação e o custo de vida. Contrariamente á crença geral, nem todos os idosos são pobres e nem todos têm rendas baixas.

Consequentemente, os aposentados não são clientes apenas para aparelhos auditivos ou cadeiras de rodas. Eles são, em primeiro lugar, clientes para coisas como viagens de lazer porque têm bastante tempo livre. Eles são clientes para veículos de recreação. E eles são clientes pesadíssimos para comida pronta, em parte porque sair para ir até o restaurante de fried chicken é uma forma de quebrar a monotonia de um dia ocioso. Talvez uns dez ou quinze milhões dos trinta milhões que compõem a população de idosos sejam pobres ou ao menos de baixa renda. Mas isto deixa ainda quinze milhões que são afluentes, sem serem ricos. E no futuro ( e talvez este futuro já tenha chegado ), quando haverá quarenta milhões de idosos, dentre os quais o grupo de consumidores afluentes provavelmente será de uns vinte e cinco milhões de pessoas, e este é um segmento de mercado realmente grande.

O segundo destes grupos pode ser o de adultos jovens. Em números reais, eles estão crescendo mais rápido que os aposentados, embora estejam crescendo ligeiramente menos rápidos em termos percentuais. Em torno de cinquenta por cento destes adultos jovens - ou seja, pessoas que estão entrando agora, em grande número, no mercado de trabalho - frequentaram as salas de aula para além dos bancos do nível secundário. ouvem-se muitas histórias alarmantes a respeito do PhD que não consegue emprego e vai ser motorista de táxi. Mas, na verdade, os altamente escolarizados dentre os adultos jovens têm uma taxa de desemprego baixa e rendas altíssimas. Os salários inciais para adultos jovens não caíram em absoluto, apesar do número imenso deles que está se formando.

Este grupo parece ser altamente influenciado pelas perspectivas de inflação. Sua taxa de poupança é baixa e, como compradores, eles estão migrando fortemente para itens de etiqueta cara. Por exemplo, eles compram casas caras, considerando seus níveis de renda. Eles fazem viagens dispendiosas para esquiar. Eles têm barcos.

Por fim, há mulheres casadas que trabalham fora, provavelmente o mais importante dos novos grupos. Hoje, metade das mulheres casadas tem um emprego. É também neste grupo que o maior crescimento adicional no número de pessoas com emprego fixo e nos salários deve ocorrer; é o único grupo em que há uma considerável reserva de pessoas empregáveis.

O marido ainda é considerado o provedor, e sua renda é usada para as despesas domésticas normais. A renda da esposa é, em média, sessenta por cento da do marido, sendo usada para os extras. O dinheiro da esposa fornece a margem para uma casa maior, o carro de luxo, as férias caras. Mas o padrão de gastos das famílias, baseado na renda do marido, permanece sensível à confiança do consumidor e às expectativas relativas à segurança de emprego e renda. o orçamento geral da família de duplos provedores não é muito afetado pelo salário da esposa, o qual é considerado rendimento extraordinário e é usado para compras extraordinárias.

Por duas vezes, desde a Primeira Guerra Mundial, houve mudanças profundas no mercado, por exemplo, dos EUA. No início da década de vinte, surgiu o mercado de massa americano; Alfred P. Sloan foi um dos primeiros a entender esta mudança, e ele desenvolveu a GMC com base na segmentação do mercado por grupos de renda. Depois, ao redor de mil novecentos e cinquenta, surgiu um mercado segmentado por estilo de vida; coisas como nível de escolaridade, idade, número de filhos e local de residência tornaram-se tão importantes, e talvez até mais importantes, que o nível de renda na determinação dos padrões de consumo.

Agora, é possível que se esteja testemunhando uma nova segmentação pela dinâmica populacional. A pessoa mais velha, o adulto jovem, a trabalhadora casada madura podem, todos emergir como segmentos consumidores distintos que levarão os homens de marketing a reescrever suas regras de como os consumidores devem se comportar. Tais grupos se comportam racionalmente. Mas aquilo que, para um segmento do mercado, é racional - ou seja, que lhe permite tirar o máximo proveito das suas condições econômicas - , faz pouco sentido para o outro grupo.

Decerto, é arriscado prever mudanças econômicas estruturais na sociedade. É perfeitamente possível que o comportamento enigmático do consumidor nos últimos anos venha, em mais alguns anos, a ser visto como nada além de pequenas e irrelevantes coincidências. Mas há também a possibilidade de que algo fundamental esteja ocorrendo no comportamento do consumidor. No mínimo dos mínimos, comporta observação atenta. Outras informações podem ser obtidas no livro Os novos desafios dos executivos, de autoria de Peter F. Drucker.

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