segunda-feira, 18 de março de 2019

Nova política econômica: formação de capital versus distribuição de renda

A cada cinquenta ou sessenta anos, os últimos trezentos anos, houve uma década em que homens de negócios, políticos e economistas de países desenvolvidos da economia mundial esperavam que o crescimento especulativo continuasse indefinidamente a uma taxa exponencial: entre mil setecentos e dez e mil setecentos e vinte; ao redor de mil setecentos e setenta; depois de mil oitocentos e trinta; ao redor de mil oitocentos e setenta; e ao redor de mil novecentos e dez ( abortado na Europa pela Primeira Guerra Mundial, porém continuando nos Estados Unidos da América - EUA até mil novecentos e vinte e nove ); e, finalmente, na década de mil novecentos e sessenta.

Cada uma destas eras acreditava que não haveria limite para o crescimento. E cada uma delas terminou numa debacle, deixando atrás de si imensa ressaca.

Após cada década de euforia, as profecias de crescimento zero tornaram-se populares. Porém, à exceção dos anos entre as duas guerras mundiais, o crescimento econômico vigoroso sempre continuou ou foi retomado pouco depois do fim dos anos de euforia. todavia, o período que se segue a uma era especulativa efetivamente traz mudanças estruturais substanciais na economia. O crescimento econômico sempre muda e migra para novos fundamentos. E as exigências impostas à administração de empresas sempre mudam tanto que aquilo que era considerado administração inteligente durante a época de rápida expansão logo se torna inadequado ou até estúpido.

Algumas das mudanças ocasionadas pelas sequelas do ritmo frenético da década de sessenta ainda podiam ser vistas claramente até o final dos anos setenta, pelo menos aos olhos de Peter F. Drucker.

1) O balanço até então, auge da crise do petróleo, estava novamente se tornando tão importante quanto a demonstração de lucros e perdas, e podia tornar-se mais importante ainda. A liquidez e o fluxo de caixa estavam substituindo os índices preço-lucro como estrelas-guia gerenciais. O retorno sobre o ativo total devia tornar-se uma medida mais popular - uma vez que certamente era um padrão de medição mais significativo - do que o lucro por ação.

O investimento de capital, e não o consumo, teria de se tornar o motor do crescimento econômicos nos anos que viriam. O boom mundial, que se estendeu do fim da Segunda Guerra Mundial até mil novecentos e setenta, foi em grande parte alimentado pela demanda de consumo. Dali em diante, o centro do crescimento econômico estaria em áreas que exigiam grandes e maciços investimentos de capital: energia, meio ambiente, transporte e maior produção de alimentos.

Acima de tudo, a grande necessidade da década de oitenta seriam os empregos, os quais requeriam investimento de capital em escala muito grande para a época e continuamente crescente. Nos EUA, a cada ano até a década de oitenta adentro, haveria a necessidade de encontrar cerca de trinta a cinquenta por cento a mais de empregos para os jovens entrantes na força de trabalho do que fora preciso em ano das décadas de cinquenta e sessenta. Foi somente na década de oitenta que a queda da taxa de natalidade que começou entre mil novecentos e sessenta e mil novecentos sessenta e um teria impacto no número de novos candidatos a emprego e que a pressão de crescimento da força de trabalho diminuiria acentuadamente.

Nos países em desenvolvimento, a necessidade de capital para criar novos empregos seria maior ainda. Os bebês do final das décadas de cinquenta e sessenta, os quais - diferentemente dos bebês de gerações anteriores - não morreram na primeira infância, cresceram até se tornar adultos e estavam entrando no mercado de trabalho.

Ao mesmo tempo, a estrutura do mercado de capitais estava mudando. Os principais canais de fornecimento de capital nos EUA eram então os fundos de pensão privados. Mesmo sem inflação ( e a inflação chegou com muito mais força ), eles tiveram de ser ampliados para atender às necessidades advindas da Lei Erisa ( lei americana de garantia de renda ao trabalhador aposentado ), de mil novecentos e setenta e quatro. Assim sendo, os EUA estavam num processo de troca de mãos da formação de capital - dos empreendedores/empresários, cujo trabalho é investir no futuro, para os agentes fiduciários/administradores de recursos, cujo dever sempre foi investir em investimentos prudentes e de baixo risco, o que geralmente significa aquilo que é passado.

Crescente parcela da renda nacional de todo país desenvolvido vai para pagamentos de transferência do governo, os quais convertem economias potenciais em consumo. E os déficits públicos têm o mesmo efeito. Portanto, a menos que tivesse havido uma depressão severa e prolongada, haveria, previsivelmente, falta de capital - ao menos o restante da década de setenta e oitenta.

No decorrer dos anos de euforia, a relação entre os diferenciais de taxas de juros e as preferências pela liquidez mudou acentuadamente e, com elas, as regras para a tomada de empréstimos e as regras de investimento. Durante a década de sessenta, os diferenciais de taxas de juros eram altos. Na maior parte daquele período, os empréstimos bancários de curto prazo eram baratos. Até os aparentemente altíssimos encargos de juros dos anos setenta representavam, na verdade, taxas de juros zeradas, se atualizadas pela inflação. Os empréstimos de longo prazo, em contraste, eram bem caros. E o custo do capital próprio estava por se tornar astronômico para todo mundo, tirando as queridinhas do momento do mercado de ações.

Durante aquele período de dinheiro bancário em abundância, um empréstimo bancário de curto prazo em aberto era uma fonte de recursos quase tão segura, para um tomador razoavelmente solvente, quanto a dívida de longo prazo, e muito mais barata. Portanto, era por parte da diretoria, um comportamento racional - ou ao menos assim parecia - financiar o máximo possível do seu negócio com empréstimos bancários baratos de curto prazo em aberto e, ao mesmo tempo, tentar elevar os índices preço-lucro no mercado acionário para ter sua ação aclamada como uma ação em crescimento.

Durante qualquer década de euforia, os administradores tendem a acreditar que maximizar o lucro por ação é a mesma coisa que maximizar o lucro. Eles tendem a esquecer completamente que maximizar lucro não é um fim em si mesmo, mas um meio para minimizar o custo do capital de que a empresa precisa.

No período posterior, maximizar lucro por ação pode, em grande medida, tornar-se algo impróprio. maximizar o retorno total sobre todos os ativos deveria, cada vez mais, tornar-se o caminho certo, com consideráveis consequências para a estrutura financeira. A alavancagem - tão na moda nos anos setenta e oitenta quanto em qualquer outro período de euforia - tornou-se algo dúbio, senão incorreto mesmo na visão de Peter F. Drucker. Se o mercado sinaliza algo, e esta mudança. Em todas as principais bolsas de valores do mundo, a maioria dos preços, desde meados da década de setenta, não tinham até mil novecentos e oitenta e um refletido o lucro por ação. Estes preços tendiam a refletir liquidez, fluxo de caixa e força defensiva, ou seja, retorno sobre ativos.

Se há necessidade de mudar o planejamento de lucro para a administração de ativos - isto é, o tipo de mudança refletido na ênfase no balanço, no mínimo no mesmo nível que a ênfase na demonstração de L&P - , a remuneração de executivos terá de mudar também. Porque aí o fluxo de caixa e o retorno sobre ativos tornam-se medidas do desempenho mais confiáveis que o lucro por ação durante um curto período. As opções de ações, que recompensam os executivos por altos índices preço-lucro, e as quais tendem efetivamente a levar as diretorias a manipularem seus negócios para obter ganhos no curso prazo e elevar os preços das ações, tornam-se impróprias e, na verdade, ficam em conflito com as necessidades da empresa e o julgamento do mercado.

2) Na década de sessenta, o crescimento foi endeusado, e qualquer crescimento era bom. Em meados da década de setenta, o crescimento, qualquer crescimento, era amplamente atacado como se fosse o próprio demônio. Nos anos oitenta, porém, ao menos até que os bebês do baby boom da década de cinquenta sejam absorvidos pelo mercado de trabalho ou mesmo até que venham a se aposentar dali a quarenta anos ( por volta da segunda década do século vinte e um ) , um nível substancial de crescimento seria necessário para que se tivesse um mínimo de saúde econômica e social. E os investimentos de capital necessários - nos setores de energia, meio ambiente, produção de alimentos e produtividade da produção de alimentos, transporte, e assim por diante - são tão grandes no longo prazo que o crescimento substancial parece mais provável que o crescimento zero.

Mas o crescimento deve mudar de direção; foi assim após cada uma das eras de euforia. Portanto, os administradores terão de ser capazes de gerenciar o crescimento do seu negócio e de avaliá-lo, em lugar de se deixarem levar por cada capricho do mercado de ações ou modismo da mídia.

A primeira coisa que os administradores devem saber é que o crescimento não é algo desejável. É uma necessidade básica. Uma empresa precisa conhecer um mínimo de crescimento, sem o qual corre o risco de ficar marginalizada no mercado. Se o mercado cresce, a empresa precisa crescer tambem - do contrário, deixa de ser viável e torna-se incapaz de competir no longo prazo.

Não é necessário ser a número um. Mas a empresa precisa ocupar uma posição razoável de liderança em seu mercado para não ser esmagada quando um pequeno contratempo obrigar o varejista a reduzir seu estoque de eletrodomésticos para duas, três ou quatro marcas de giro rápido. Isto, em um mercado em crescimento como sinônimo de sobrevivência, exigindo investimento de risco em detrimento dos lucros correntes.

Igualmente importante será a capacidade dos administradores de fazer a distinção entre crescimento desejável e crescimento indesejável. Força e músculos são crescimento. Crescimento é força quando resulta na produtividade geral dos recursos de capital que geram riqueza, dos principais recursos físicos e dos recursos humanos. Crescimento que não torna os recursos mais produtivos é gordura, sendo uma sobrecarga no corpo corporativo, tanto quanto o é no corpo humano. E o crescimento comprado a expensas da produtividade dos fatores de produção, como foi na maior parte do crescimento dos anos de euforia, é um tumor maligno e exige cirurgia radical.

3) Ultimamente têm crescido as preocupações com a questão das multinacionais. Mas o real impacto da emergência de uma genuína economia mundial, da qual as multinacionais são principalmente resultado ou até meros sintomas, ainda está por vir. Cada vez mais, até as administrações de empresas pequenas, com atuação restrita a um mercado de âmbito nacional ou mesmo regional, terão de aprender a incluir a economia mundial em seu pensamento, seu planejamento e suas decisões.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, até a crise do petróleo, a dinâmica econômica não foi baseada em nenhuma economia nacional específica. O motor da expansão econômica foi a economia mundial. E foi a economia mundial e seu ímpeto de avanço que, sistematicamente, entre o fim da guerra e a crise do petróleo, socorreu as economias nacionais e forneceu o empuxo para o mais longo período de progresso econômico sustentado que se viu da história da humanidade.

Todavia, qualquer economia do mundo está em rota de colisão direta com a doutrina de soberania, a qual, quase quatrocentos e cinquenta anos, vem regendo a política, a ponto de a maioria acreditar ser ela um axioma evidente. Na realidade, a afirmação de soberania, que sustenta que uma unidade econômica e um território político devem ser congruentes, foi feita pela primeira vez no final do século dezesseis. Na época, foi ma tremenda heresia.

Nos últimos setenta anos - pela primeira vez em mais de quatro séculos - , a unidade de ação econômica e a unidade de controle político vêm novamente se separando. A unidade da economia foi se tornando cada vez maior até poder ser chamada de economia mundial. Mas, já no século vinte, os territórios políticos se tornaram menores e mais separados, mas os mesmo tempo afirmando sua soberania com mais vigor.

Desde mil novecentos e cinco, quando a Noruega se separou da Suécia, cada mudança do mapa resultou da desintegração de uma antiga unidade política, a ponto de as menos de quarenta nações independentes de mil novecentos e quatorze ( mais da metade delas localizadas nas Américas, diga-se de passagem ) terem se tornado quase duzentos Estados nacionais soberanos.

Não há algum substituto em vista para o Estado-nação no campo político, mas também não há algum substituto da economia mundial no campo econômico. A década de oitenta, como previu Peter F. Drucker, foi de turbulência, de ambivalência por parte dos governos. Eles quiseram os frutos da economia mundial sem ceder um centímetro da sua soberania. A economia, como ciência, se viu, assim, progressivamente em confronto com a política, como ciência. A empresa multinacional pode ser muito bem tornar-se vítima, sendo pega bem no meio do confronto.

Mas a economia mundial sobreviveu, embora foi uma economia mundial mais deficiente, mais dilapidada, altamente prejudicada. As pessoas não perderam a visão de shopping center global - isto é, a visão dos bens, serviços e valores que elas buscam. De fato, economicamente falando, não há mais culturas distintas, talvez com a única exceção da China comunista. Há somente pessoas mais ricas e pessoas mais pobres, pessoas que podem comprar mais ou  menos dos mesmo produtos e serviços. E isso significa que a economia mundial continuará fornecendo a dinâmica econômica para cada país.

Assim sendo, o que o homem de negócios precisa saber sobre a economia mundial? Há cem anos, os homens de negócios estavam dirigindo empresas de atuação regional. Até mesmo empresas substanciais da Califórnia ou da Nova Inglaterra não achavam que precisavam saber muito sobre a economia dos EUA e prestavam pouca atenção a ela até que foram obrigadas a ver e pensar em termos nacionais depois da era de euforia da década de vinte. Agora, é razoável prever, elas terão de aprender a se informar igualmente sobre a economia mundial.

4) Um pensamento final sobre o que se segue a qualquer década de especulação: cada uma delas, no passado, trouxe uma nova e importante teoria econômica. Sabe-se que é preciso de uma nova teoria econômica que foque a economia mundial e não somente a economia nacional. Ou seja, é preciso uma teoria que vá além da apoteose keynesiana do governo nacional como todo poderoso e sábio, e que abranja a economia nacional como parte da economia mundial maior. É preciso uma teoria que foque a formação de capital não exclusivamente a distribuição de renda. É preciso teoria que integre capital, recursos físicos fundamentais e recursos humanos com dinheiro, crédito e impostos.

Em algum lugar, neste momento, um economista já deve estar trabalhando nas novas teorias que são necessárias. Ao menos foi assim que aconteceu os períodos anteriores que se seguiram a uma década de euforia. Mas, até o momento, nem as novas teorias nem as igualmente tão necessárias novas políticas econômicas que delas emanarão podem ser avistadas no horizonte. Outras informações podem ser obtidas no livro Os novos desafios dos executivos, de autoria de Peter F. Drucker.

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