quarta-feira, 20 de março de 2019

Distribuição de renda: a eficácia das políticas econômicas no longo prazo e seus mitos

Muito se fala hoje sobre as mudanças que estão ocorrendo na estrutura da economia norte-americana. Mas a retórica política e as políticas econômicas dos Estados Unidos da América ( EUA ) estão mais dominadas por mitos relativos e esta estrutura do que pelas realidades estruturadas em si.

Em especial, há seis mitos em que quase todos acreditam, mas que estão completamente em desacordo com as realidades da economia americana.

O primeiro deles é a crença, compartilhada, já pelo que dizia ver Peter F. Drucker, por praticamente todos os economistas, de que há pela frente longos anos de altas taxas de desemprego, mesmo que a economia volte ao normal.

Isto não bate com os números relativos à população do país. Já desde a década de oitenta, havia uma acentuada queda no número de jovens entrando no mercado de trabalho, resultado da queda da taxa de natalidade começou na década de sessenta e que diminuiu o número de nascimentos em vinte e cinco por cento ou mais em um período curtíssimo. Ao mesmo tempo, durante e depois da década de noventa, o número de pessoas em idade de se aposentar continuou e continua aumentando.

Assim sendo, há pela frente longos anos de diminuição da oferta de mão de obra, salvo na eventualidade de uma depressão mundial ( como a de dois mil e oito que ainda não acabou ), em que haja uma reversão da taxa de natalidade e isto poderá influir no tamanho da força de trabalho. O presidente Ford, em seu discurso, do dia do trabalho, em mil novecentos e setenta e cinco, chegou a mencionar o número de noventa e cinco milhões de pessoas que teriam de ter empregos em mil novecentos e oitenta e cinco. Mas, se o presidente supôs uma condição de pleno emprego oficial - ou quatro por cento de desempregados - naquele ano da década de oitenta, então o número de noventa e cinco milhões de pessoas desempregadas dali a dez anos dificilmente seria maior do que o daquelas que estariam empregados em mil novecentos e setenta e cinco, se houvesse uma taxa de desemprego de quatro por cento em lugar de nove por cento. O número que o presidente citou como indicação da magnitude do crescimento da força de trabalho acaba mostrando não incluir absolutamente nenhum crescimento da força de trabalho.

A escassez de mão de obra resultante não será sentida de forma igual em todas as áreas. na verdade, a área que exibiu a maior falta de mão de obra nas décadas de cinquenta e sessenta - empregos de professor - continuará sendo uma área de superávit  de empregos, de novo por causa da queda da taxa de natalidade. isto pode explicar por que os especialistas, os quais são todos ou quase todos professores universitários, preveem um continuado superávit de empregos ao invés da realidade de falta de mão de obra quase certa.

O segundo mito também está estreitamente ligado à demografia. É o mito de que é possível restaurar a atividade econômica intensa revitalizando a demanda de consumo nos dois setores verdadeiramente deprimidos: o setor automobilístico e o setor da habitação. No curtíssimo prazo, esta política de estímulo pode funcionar. Em qualquer período mais longo, por exemplo uns três anos, a demanda nestas duas áreas será baixa e diminuirá, não importa que políticas econômicas sejam adotadas. A demanda não estará lá.

É sabido, há quase um século, desde que a General Motors Company ( GMC ) fez seus estudos básicos na década  de vinte, que, nos EUA, o fator isolado mais importante na demanda por automóveis é o número de pessoas atingindo a idade em que podem tirar sua carteira de motorista. É claro que, em regra, elas próprias não compram carros novos. Elas compram os carros usados, o que possibilita aos antigos donos destes carros comprar carros novos. E o número de compradores destes carros usados, desde mil novecentos e setenta e cinco, diminuiu vinte e cinco por cento ou mais e permaneceu baixo até as primeiras décadas do século vinte e um.

Da mesma forma, é sabido, com relação à habitação, que não é a formação de família - isto é, o número de homens e mulheres que se casam ( ou que de alguma outra forma assumem a direção de uma casa ) - , mas o número de nascimentos de um segundo filho que está mais estreitamente correlacionado com a demanda por novos imóveis residenciais. E também este número está diminuindo. Tudo o que se pode fazer ao injetar dinheiro na habitação, nestas circunstâncias, é subir os preços, o que, Peter F. Drucker dizia suspeitar, tem sido o principal efeito de todas as políticas governamentais na área de habitação desde o início.

Não há falta de moradias. Provavelmente há um estoque de moradias grande demais, embora, é claro, não esteja todo ele nos lugares onde as pessoas estão ou querem estar. O que é preciso é de uma política que possibilite às pessoas manter o valor das residências existentes, ao passo que a maior parte da política atual, a começar pelo controle dos valores de aluguel e prosseguindo com as taxas de juros excessivamente altas para reformas residenciais, tem o efeito oposto, e tem por propósito - conscientemente ou não - desestimular as pessoas a manter suas casas e estimulá-las a comprar ou construir uma nova. E isso não pode funcionar.

O terceiro mito é aquela crença profundamente arraigada de que nos EUA pratica-se a obsolescência planejada de produtos, especialmente de automóveis. o que foi visto ficando obsoleto, e rápido, foi o primeiro dono de um carro.

O automóvel americano tem, na realidade, vida útil mais longa, medida em quilômetros rodados - o único fator de medição sensato - , do que qualquer outro automóvel. Na verdade, o sistema americano, no qual as pessoas trocavam de carro após um ou dois anos de uso, representava, sem que isso tivesse sido planejado, a forma mais eficiente de distribuição de renda que já houve nos EUA - uma vez que o primeiro dono pagava ao redor do dobro por quilômetro rodado do que pagava o terceiro dono ( se consideradas todas as despesas ), de modo que as pessoas mais pobres conseguiam carros em excelente estado de funcionamento, bons para rodar mais uns oitenta mil quilômetros, a um preço substancialmente menor do que o primeiro dono pagou, em essência, por vaidade.

Pressupondo o preço de um carro novo de vinte e cinco mil dólares, o primeiro dono, rodando uma média de dezesseis mil quilômetros por ano, paga cento e cinquenta menos um terço de centavos de dólar por milha, representando uma perda de valor do carro de três mil e seiscentos dólares e um custo por milha rodada de trinta e nove menos um terço de centavos de dólar. O segundo dono, pagando quinze mil dólares pelo carro ( normalmente com a concessionária / revendedora assumindo um pequeno prejuízo ) e ficando por ele por três aos, paga sessenta centavos de dólar por milha rodada ( uma perda de valor de carro de quinze mil dólares, três mil dólares em manutenção e trinta e nove menos um terço de centavos de dólar por milha rodada ). O terceiro e último dono, que paga, talvez, cinco mil dólares e roda oitenta mil quilômetros, após o que o carro sofre depreciação total e só tem valor residual, paga cinquenta centavos de dólar por quilômetro rodado ( estimativas aproximadas ).

Nunca se projetou uma forma mais equitativa de distribuição de renda. A redução do preço por quilômetro rodado para os donos de seminovos ou usados financiada pela vaidade dos compradores de carros novos. O carro em si não se torna obsoleto; ao contrário, ele continua rodando.

O quarto mito seria aquela crença básica, hoje arraigada em praticamente todos os economistas, de que comprar uma casa, pagar a previdência social ou contribuir para um fundo de aposentadoria de funcionários é poupança. Mas, na verdade, estes são pagamentos de transferência. A única definição viável de poupança é recursos disponíveis para a criação de empregos. A área da habitação faz isso em grau mínimo, e a área da previdência social faz zero. Os fundos de pensão privados, a menos que sejam atacados por elementos irresponsáveis e inúteis como aqueles que se mostraram evidentes em algumas situações recentes envolvendo sindicatos, acumularão capital por alguns anos ainda. Mas, então, os pagamentos de pensão / aposentadoria começarão a se equiparar aos montantes contribuídos.

Assim, a poupança no país é, de modo geral, uma subpoupança. E é preciso pensar em como estimular a poupança genuína - ou seja, como formar capital disponível para investimento em ativos produtivos ( o imóvel residencial, a propósito, não é este tipo de ativo; é um bem de consumo durável ).

Quinto, existe a crença gera de que o imposto sobre a renda de qualquer natureza ( IR ) das sociedades anônimas é um imposto cobra dos ricas e dos graúdos. Mas, com os fundos de pensão sendo donos de trinta por cento das empresas americanas de grande porte - e caminhando para cinquenta por cento - , o IR das sociedades anônimas na verdade alivia a carga daqueles que estão nas mais altas faixas de renda e penaliza os beneficiários de fundos de pensão. Em muitos casos, ele significa um IR efetivo de quase cinquenta por cento sobre o trabalhador aposentado, ante os quinze por cento ou menos que supostamente ele deveria pagar. O IR das sociedades anônimas tornou-se o imposto mais progressivo do sistema dos EUA, e um imposto sobre o assalariado e sobre os salários. Sua eliminação provavelmente seria o maior passo isolado que seria possível dar rumo a uma maior igualdade de renda nos EUA, numa reforma tributária mais ampla.

Finalmente, há o belo número falso, em que todos acreditam e que vive sendo repetido, de que os cinco por cento de maior renda do trabalho ( aqueles que ganham mais de trinta ou quarenta mil dólares por ano ) detêm quarenta por cento da riqueza pessoal dos EUA. E é claro, está se tornando particularmente popular, uma vez que o antigo número da distribuição de renda não mais corrobora aqueles que dizem quão terrivelmente desigual é a sociedade americana.

O que derruba o mito, é claro, é a palavra pessoal. Isto porque o maior ativo isolado da típica família americana da classe média trabalhadora, seu futuro direito contingente sobre o fundo de pensão da empresa empregadora, não é riqueza pessoal. Tampouco é patrimônio. Mas certamente é um ativo, que progressivamente vale muito mais do que a casa da família ou o automóvel da família. Se ele fosse incluído - e não é difícil fazê-lo com base na probabilidade e em base estatística - , a distribuição de riqueza nos EUA mostraria uma notável e progressiva igualdade, na qual a idade, e não a renda, é o fator causador da desigualdade.

Este ajuste de direitos contingentes sobre fundos de pensão mostraria que os cinco por cento de maior renda do trabalho provavelmente detêm quarenta por cento da riqueza dos EUA, mas não mais que dez por cento. Além disto, converte-se sessenta por cento do montante total dos futuros direitos de pensão são pessoas na faixa salarial de nove  a vinte mil dólares por ano. Este é, de longe, seu maior ativo. No entanto, lamentavelmente, é um ativo que vem sendo destruído muito rapidamente pelo impacto da inflação.

Estes mitos não são inócuos. Eles levam à criação de leis para escorchar os ricos, as quais acabam efetivamente escorchando os pobres, os ex-trabalhadores que vivem de suas pensões. Eles levam a políticas que são promulgadas como antirrecessivas, as quais alimentam principalmente a inflação sem estimular o consumo ou o emprego. E estes mitos inibem as medidas corretas - medidas para estimular a formação de capital. De fato, a menos que sejam descartados estes mitos e seja enfrentada a realidade econômica, não é possível esperar ter políticas econômicas eficazes. Outras informações podem ser obtidas no livro Os novos desafios dos executivos, de autoria de Peter F. Drucker.

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