O Estado de Santa Catarina ( SC ) foi o Estado, em termos proporcionais à população, que mais colocou armas de fogo nas mãos de pessoas com registro de CAC ( a permissão concedida pelo Exército aos civis colecionadores, atiradores desportivos e caçadores ) durante o governo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro ( do Partido Liberal - PL ). Para cada Cem mil habitantes, Mil cento e trinta armas legais passaram a estar sob posse de catarinenses com essa certificação.
Em números absolutos, São Paulo ( Duzentos e treze mil oitocentos e vinte e um ), Rio Grande do Sul ( Cento e quatorze mil quinhentos e noventa e quatro ) e Paraná ( Cento e três mil duzentos e cinquenta e nove ) tiveram mais armas recadastradas do que SC. No entanto, se levada em conta a população de cada um, os três se mostraram menos armados: para cada Cem mil pessoas, eles tiveram Quatrocentos e cinquenta e oito, Novecentos e noventa e nove e Oitocentos e noventa novas armas nas mãos de CACs, respectivamente.
Motivos do recadastramento
O Brasil conta atualmente com dois bancos de registros de armas de fogo: um do DPF, o Sistema Nacional de Armas ( SINARM ); e um outro do Exército, o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas ( SIGMA ). O primeiro reunia até então registros de empresas de segurança, de servidores civis ( como policiais e guardas municipais ), e de pessoas comuns que contam com porte para defesa pessoal. Já o segundo concentrava os registros dos CACs e de militares com armas particulares.
O governo Lula argumentou, então, tentar unificar, ao menos em parte, as bases de dados para facilitar o controle de armamento por civis. Para isso, exigiu o recadastramento dos CACs no SINARM entre fevereiro e maio deste ano de Dois mil e vinte e três.
O Decreto que estabeleceu o recadastramento ainda restringiu o acesso a armas por CACs, proibiu a prática de tiro esportivo por menores de Dezoito anos e suspendeu o registro de novos clubes, o que desagradou empresários e praticantes no Estado, com tradição na atividade — SC tem uma Rota Turística do Tiro, com Vinte e nove cidades, e sedia a Shot Fair Brasil, maior evento de negócios do setor.
— No Estado contamos com quase dez mil famílias que vivem exclusivamente da prática do tiro, da venda de armas e munição, de formação profissional, atletas de nível internacional, campeões mundiais no setor, e por questões políticas está havendo uma criminalização do setor — disse o deputado estadual Sargento Lima ( PL ), em uma audiência na Assembleia Legislativa do Estado de SC ( ALESC ) com donos de clubes de caça e tiro à época do Decreto de Lula.
Armas escondidas
Antes do recadastramento, não era possível identificar, por exemplo, o número de armas adquiridas por CACs catarinenses, já que o Exército fazia a divulgação dos dados por região militar ( RM ), e não por Estado — a Quinta RM, que integra SC, reúne também registros do Paraná ( PR ).
— Por incrível que pareça, o recadastramento será fundamental para que o Estado tenha o panorama completo de armas no país e também consiga iniciar investigações sobre usos criminosos de registros concedidos legalmente, que foram usados para atividades criminais — diz Bruno Langeani, pesquisador de políticas de controle de armas e gerente do Instituto Sou da Paz.
À época do recadastramento, a entidade da qual o pesquisador faz parte, que monitora e propõe políticas de segurança pública no país, elogiou a iniciativa do governo federal, por entender que a divisão dificultava que a Justiça e as polícias estaduais identificassem armas registradas no SIGMA, que tem consulta restrita ao Exército.
A entidade usou como exemplo um caso ocorrido em São Paulo ( SP ) no ano de Dois mil e vinte e dois em que um militar suspeito de violência doméstica teve apreendidas duas armas que havia registrado no SINARM, identificadas a tempo pela Polícia Civil, mas usou uma terceira com registro de CAC no SIGMA para matar a ex-esposa e o próprio filho - as vítimas eram Michelli, de Trinta e sete anos de idade, e Luiz Nicolich, de dois anos de idade.
Langeani pondera, no entanto, que as armas adquiridas por CACs antes do Decreto de Dois mil e dezenove ainda seguem alheias ao SINARM. Isso poderá ser corrigido por uma Portaria recente, de abril, que prevê a integração dos dados do SIGMA a um outro sistema, o SINESP, usado por policiais para consultar informações de pessoas, veículos e armas registradas junto ao DPF.
— É certo que a maior parte das compras de CAC se deu pós-Dois mil e dezenove, mas este problema será definitivamente superado só quando o processo de integração se concluir — diz o pesquisador.
Aumento de armas em SC
Antes do recadastramento, já era possível identificar com os dados do Exército um expressivo aumento nos números de CACs no país e em SC durante o governo Bolsonaro ( PL ).
Conforme mostrou reportagem anterior do Portal NSC Total, o Brasil tinha Cento e dezessete mil quatrocentos e sessenta e sete certificados ativos de CAC's até Dois mil e dezoito — cada atirador certificado pode registrar mais de uma arma e até obter outra certificação. Já em Primeiro de junho de Dois mil e vinte e dois, isso disparou Quatrocentos e setenta e três por cento ( Seiscentos e setenta e três mil oitocentos e dezoito ), segundo dados do próprio Exército, compilados pelo Anuário Brasileiro da Segurança Pública.
Somente na região militar que integra SC e PR eram Cento e nove mil novecentos e dezoito registros ativos em dados preliminares de Dois mil e vinte e dois, a segunda com maior número no país.
Ainda no SIGMA, haviam Quarenta e um mil e cinquenta e uma armas registradas por CACs na região militar catarinense até Dois mil e dezoito. Em julho de Dois mil e vinte e dois, esse número já estava trezentos e dezoito por cento maior, em Cento e setenta e um novecentos e sete registros, segundo dados obtidos pelo Instituto Sou da Paz via Lei de Acesso à Informação ( LAI ) e revelados pelo Portal G1.
Langeani, do Sou da Paz, diz que a disparada de armas legais nas mãos de CAC's tem duas consequências negativas mais visíveis: o aumento e a maior gravidade de crimes interpessoais, como brigas entre vizinhos e feminicídios que façam uso das armas; e a alta dos desvios para o mercado ilegal:
— Com esta mudança de patamar de armas no Brasil, vários Estados já estão registrando número maior de armas apreendidas e mudança de perfil delas, com armas mais modernas e potentes na mão do crime.
No ano de Dois mil e vinte e dois, o Portal NSC Total mostrou que o número de armas de fogo furtadas, roubadas ou perdidas em SC subiu. A maioria dos desvios ocorreu por furtos em residências.
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