Tema de recente impacto na mídia diz respeito aos limites à liberdade de expressão ( * vide nota de rodapé ) artística do gênero humor. As piadas "politicamente incorretas" podem sofrer limitação judicial e os humoristas serem responsabilizados civilmente por danos morais individuais às pessoas atingidas ou danos morais coletivos às comunidades ofendidas?
A casuística pende para a preferência à liberdade de expressão artística ( humor ), como se vê em julgado do Superior Tribunal de Justiça ( STJ ), no qual a relatora, Ministra Nancy Andrighi, ressaltou que "a tarefa de examinar aquilo que se poderia chamar de 'inteligência' do humor praticado cabe, apenas, aos setores especializados da imprensa, que concedem prêmios aos artistas de acordo com o desempenho por eles demonstrado em suas obras" ( STJ, Recurso Especial número Setecentos e trinta e seis mil e quinze / Rio de Janeiro, Ministra Nancy Andrighi, julgado em Dezesseis de junho de Dois mil e cinco ).
Em Dois mil e quinze, houve, contudo, posição divergente do Superior Tribunal de Justiça em conhecido caso envolvendo humorista que, em programa de televisão de rede nacional, diante de matéria envolvendo celebridade grávida, fez comentário considerando chulo e grosseiro ( "comeria ela e o bebê" ). houve a propositura de ação de indenização promovida pelos pais e também pelo feto ( direito da personalidade do nascituro ), tendo sido o humorista condenado no Primeiro Grau, sendo a sentença mantida no Tribunal de Justiça de São Paulo ( TJSP ) ( por maioria ). No conflito entre a liberdade de expressão ( na faceta humorística ) e os direitos de personalidade dos atingidos ( honra - *3 vide nota de rodapé - , imagem ), o TJSP entendeu que a agressividade contida nas palavras ditas afasta que se tome o dito como piada, sendo vedado "usar de sua liberdade de expressão de modo a pôr em risco valores ainda maiores, como a dignidade da pessoa humana ( *2 vide nota de rodapé )". Nessa linha, a maioria no TJSP entendeu que quando o humor seja sem graça, mais ofenda que divirta, não cumpre sua função: o fazer rir. Assim, não se pode admitir que venha alguém querer se escudar no fato de fazer humor para escapar à responsabilidade quanto ao conteúdo de certa manifestação que tenha emitido". Com isso, a maioria do TJSP - além de invocar a dignidade humana como princípio de maior peso - fez descaracterização da frase grosseira como forma de humor, ou seja, criou-se critério - sem parâmetros claros - do que pode ser considerado humor em uma sociedade. O voto vencido ( do relator originário, Desembargador Roberto maia ) apontou a impossibilidade de um terceiro descaracterizar o humor, somente porque - pelos seus parâmetros - este foi chulo, grosseiro ou extremamente infeliz. Para Mais, condenar o humorista seria estabelecer standards judiciais sobre os mais diversos tipos de humor, segmentando-os em lícitos / ilícitos ( Apelação Cível número Duzentos e um mil oitocentos e trinta e oito - Cinco . Dois mil e onze . Oito . Vinte e seis . Cem, TJSP, relator designado João Batista Vilhena, julgado em Seis de novembro de Dois mil e doze ). O Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) manteve a condenação, sustentando que o comentário feito pelo humorista foi "reprovável, agressivo e grosseiro, sendo efetivamente causador de abalo moral" ( Recurso Especial número Um milhão quatrocentos e oitenta e sete mil e oitenta e nove - São Paulo, Relator Ministro Marco Buzzi, julgado em Vinte e três de julho de Dois mil e quinze ).
Ridendo castigat mores ( o riso corrige os costumes ) e, em geral, não gera dever de indenização. O cerne da diferenciação do humor de outras formas de conduta ( como a ofensa pura e simples ) está no ânimo do agente havendo a vontade clara de divertir e gracejar ( animus jocandi ), fica caracterizada a liberdade de expressão humorística, mesmo se a piada for rude, cáustica ou mesmo sem alguma graça no contexto social de uma época. Por outro lado, caso haja a caracterização do ânimo de ofender ou inferiorizar determinada pessoa ou grupo social, pode-se chegar à limitação da liberdade de expressão humorística, aqui usada somente como disfarce para se assegurar a prevalência de outro direito envolvido ( por exemplo, o direito à igualdade ).
Destaca-se a caracterização, dado o contexto brasileiro de exclusão e marginalização das minorias raciais, do humor depreciativo envolvendo pessoas negras ( bem como de outras minorias ) como sendo uma espécie velada de racismo - o chamado "racismo recreativo" ( *4 vide nota de rodapé ), na conceituação pioneira de Adilson Moreira. Para Moreira, o racismo recreativo consiste em uma política cultural que usa o humor para expressar hostilidade em relação a minorias raciais, camuflando o racismo, mostrando a minoria em situação degradante e inferiorizada. Como exemplo, o outor cita a degradação sexual de minorias em piadas como tentativa de
1) manter a superioridade dos membros do grupo racial dominante ( seriam os únicos parceiros sesuais socialmente aceitáveis ) e
2) associar tal característica sexual depreciativa à incompetência do integrante da minoria para outros postos de poder na sociedade.
Tal humor racista representa, sob o pretexto de fazer rir, o desejo da manutenção da posição de poder de pessoas brancas, eternizando estereótipos negativos, ao mesmo tempo em que impede a mobilização da minoria para outros postos de poder na sociedade. Tal humor racista representa, sob o pretexto de fazer rir, o desejo da manutenção da posição de poder de pessoas brancas, eternizando estereótipos negativos, ao mesmo tempo em que impede a mobilização da minoria e tenta deslegitimar o debate sobre racismo ( "era só uma piada" ). Conclui Moreira que o racismo recreativo é espécie de discurso de ódio ( *5 vide nota de rodapé ), não sendo protegido pela liberdade de expressão ( *6 vide nota de rodapé ).
Não se descarta, também a possibilidade de repressão de eventuais violações de direitos das pessoas atingidas por atividades invasivas. O caso de conhecido programa de humor que perseguiu atriz televisiva célebre, inclusive com a contratação de caminhão com guindaste para ficar na frente de sua residência, importunando-a e interferindo fortemente na sua vida privada, é típico caso de uso camuflado da liberdade de expressão artística para justificar violação do direito à vida privada ( *7 vide nota de rodapé ).
Nessa linha de ponderação da liberdade de expressão com outros direitos, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) considerou que o Estado não está autorizado a impedir que um candidato seja aprovado em definitivo em concurso p´[ublico, pelo fato de ostentar, de forma visível ou não, uma pigmentação definitiva em seu corpo ( a chamada tatuagem ) que expresse os sentimentos, ideologia, crenças ou quaisquer valores do seu portador. Contudo, caso a tatuagem exteriorize valores ofensivos aos valores previstos na Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) e tratados de Direitos Humanos ( DH ), não é possível invocar a liberdade de expressão, pois aquele que exerce cargo público deve possuir valores compatíveis com a dignidade humana. para o Ministro Luiz Fux, " ( ... ) Independentemente de ser visível ou do seu tamanho, uma tatuagem não é sinal de inaptidão profissional, apenas podendo inviabilizar o desempenho de um cargo ou emprego público, quando exteriorizar valores excessivamente ofensivos à dignidade dos seres humanos, ao desempenho da função pública pretendida ( como na hipótese, verbi gratia, de um candidato ao cargo policial que possua uma tatuagem simbolizando uma facção criminosa ou o desejo de assassinato de policiais ), incitação à violência iminente, ameaças reais ou representar obscenidades". Assim, somente se:
1) houver lei e
2) a tatuagem for ofensiva à dignidade e aos DH, pode existir o óbice à assunção do cargo público ( STF, Recurso Extraordinário número Oitocentos e noventa e oito mil quatrocentos e cinquenta / São Paulo, Relator Ministro Luiz Fux, julgado em Dezessete de agosto de Dois mil e dezesseis, Informativo do STF número Oitocentos e quarenta e um ).
Por fim, a liberdade de expressão pode encontrar compressão nas limitações previstas em lei no tocante à obscenidade e pornografia, em especial diante dos direitos da criança ( *8 vide nota de rodapé ). Em Dois mil e dezesseis, o Ministro Luiz Fux fez menção às três condições impostas pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América ( EUA ) para definir o que seria obscenidade nas publicações e obras em geral ( o chamado Miller-test, no caso Miller versus Califórnia, de Mil novecentos e setenta e três ), a saber:
"1) o homem médio, seguindo padrões contemporâneos da comunidade, considere que a obra, tida como um todo, atrai o interesse lascivo;
2) quando a obra retrata ou descreve, de modo ofensivo, conduta sexual, nos termos do que definido na legislação estadual aplicável;
3) quando a obra, como um todo, não possua um sério valor literário, artístico, político ou científico" ( STF, Recurso Extraordinário número Oitocentos e noventa e oito mil quatrocentos e cinquenta / São Paulo, relator Ministro Luiz Fux, julgado em Dezessete de agosto de Dois mil e dezesseis, Informativo do STF número Oitocentos e quarenta e um ).
P.S.:
Notas de rodapé:
* O direito à liberdade de expressão, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor introduzido em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-direito-liberdade-de.html .
*2 O direito à dignidade da pessoa humana, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/03/direitos-humanos-dignidade-humana-e.html .
*3 O direito à honra e à imagem, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_29.html .
*4 A vedação ao racismo, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/11/direitos-humanos-racismo-e-formas.html .
*5 A vedação ao discurso de ódio, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado e exemplificado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/06/direitos-humanos-o-direito-liberdade-de_28.html .
*6 Moreira, Adilson. Racismo recreativo ( coleção Femininos Plurais - coordenação de Djamila Ribeiro ). São Paulo: Pólen Livros, Dois mil e dezenove, em especial Páginas Cinquenta e oito e seguintes.
*7 O direito à vida privada, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/04/direitos-humanos-doutrinas-e_29.html .
*8 Os direitos da criança, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/06/direitos-humanos-os-direitos-da-crianca.html .
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