terça-feira, 23 de julho de 2019

Administração financeira: o gerenciamento do desgaste das moedas

O antigo e testado senso comum sustenta que, a não ser que o negócio de uma empresa seja basicamente o comércio de commodities ou o câmbio de moedas ela inevitavelmente perderá dinheiro - e muito - se tentar especular com qualquer destes dois artigos. Ainda assim, as taxas de câmbio flutuantes da atual economia do mundo transformam em especuladores até mesmo as gerências mais conservadoras.

Com efeito, o que era conservador quando as taxas de câmbio eram previsíveis se tornou ma loteria com baixíssima probabilidade de ganho para a empresa. Isto é verdadeiro para os interesses das multinacionais, para empresas com grandes volumes exportados e para as organizações que importam partes e suprimentos em quantidade substancial. Contudo, como descobriram, para seu desespero, nos últimos anos, muitas empresas americanas, o fabricante que atua estritamente no mercado interno também está exposto ao risco cambial se, por exemplo, sua moeda estiver seriamente sobrevalorizada, o que abre o mercado para a concorrência estrangeira ( * vide nota de rodapé ).

As empresas, portanto, evem aprender a se proteger contra vários tipos de perigos relacionados à troca de moeda estrangeira: perdas em vendas ou compras, desgaste da margem de lucro em moeda estrangeira; e perda de vendas e de posição de mercado tanto no mercado interno quanto no externo. Estes riscos não podem ser eliminados, mas podem ser minimizados. Acima de tudo, podem ser convertidos em custo conhecido, previsível e controlado de fazer negócio, que não é muito diferente de um prêmio de qualquer seguradora.

A proteção mais conhecida e mais amplamente utilizada contra os riscos da moeda extrangeira é a prática de hedging ( cobertura de risco ), ou seja, vender a descoberto ( selling short ) futuras receitas conhecidas em moeda estrangeira. Por exemplo, um fabricante americano de produtos químicos especiais tem vendas de duzentos milhões de dólares, das quais cinquenta por cento são exportações ( cinco por cento para o Canadá e nove por cento para um dos seguintes países: Japão, Grã-Bretanha, Alemanha, França Itália ). Ao vender a descoberto ( selling short ) - isto é, para entrega futura - dólares canadenses, ienes japoneses, libras esterlinas, euros ( ou comprar uma opção para vendê-as ) em valores correspondentes à previsão de vendas futuras em dólares americanos são, na verdade, convertidos a uma taxa fixa de câmbio, o que elimina o risco de flutuação da moeda.

A empresa que precisa efetuar substanciais pagamentos futuros em moedas estrangeiras - pelas importações de matéria-prima ou de componentes, por exemplo - faz, da mesma forma, um hedge comprando a descoberto ( buying long ) - isto é, para recebimento futuro - as moedas apropriadas nas quantidades adequadas.

Além disto, outros pagamentos e receitas esperadas em moeda estrangeira - dividendos a serem remetidos por uma unidade no exterior, por exemplo - poderão, igualmente, ser protegidos por hedging.

Hoje, hedging e opções estão disponíveis para todas as principais moedas e, para a maioria delas, a um custo razoável. Apesar disto, vender a descoberto o equivalente a oito milhões de euro da Itália pode sair caro. E mais importante: o hedging apenas cobre o risco da moeda estrangeira em receitas e pagamentos, e isto não inclui margens de lucro. Portanto, cada vez mais, as empresas vêm recorrendo ao financiamento em moeda estrangeira.

A empresa de produtos químicos especiais citada incorre todos os seus custos em dólares americanos. Se o dólar tiver apreciação no curso de um ano, os custos da empresa serão apreciados paralelamente em função da moeda estrangeira em que vende cinquenta por cento de sua produção. Se a empresa aumentar seus preços nestas moedas estrangeiras, corre o risco de perder suas vendas e, com elas, lucros. E o que é pior: posição de mercado permanente. Se não aumentar seus preços nas moedas estrangeiras, suas margens de lucro encolhem e, com elas, os lucros.

Em um mundo de flutuação de moedas voláteis e imprevisíveis, as empresas terão de aprender a fazer hedging tanto de seus custos quanto das receitas. A empresa de produtos químicos especiais, por exemplo, poderá elevar suas necessidades totais de caixa nas moedas em que é paga, isto é, cinquenta por cento em dólares americanos e o restante nas moedas em que é paga, isto é cinquenta por cento em dólares americanos e o restante nas moedas de seus principais mercados estrangeiros. isto alinharia a realidade de suas finanças com a realidade de seus mercados. Ou uma empresa americana que exporta cinquenta po dento de sua produção poderia aumentar todo o seu capital próprio em dólares na Bolsa de Valores de Nova Iorque ( NYSE - sigla im inglês ), mas tomar por empréstimo, no curto prazo, todas as demais necessidades de caixa em euro, a moeda do Mercado Comum Europeu. Então, se o dólar tiver apreciação, o lucro da empresa nesta moeda, `amedida que seu empréstimo em euro for amadurecendo, poderá compensar a perda de moeda em suas vendas de exportações.

"Internacionalizar" as finanças da empresa é, a melhor maneira - talvez a única - pela quual um fabricante que produz unicamente para o mercado interno poderá proteger-se minimamente contra a competição estrangeira com base nas taxas de câmbio. Se uma moeda estiver passando por uma apreciação tão rápida que proporcione vantagem à concorrência estrangeira - o exemplo mais recente seria a rápida valorização do dólar no período entre mil novecentos e oitenta e três e mil novecentos e oitenta e quatro vis-à-vis o iene e o euro alemão - , um fabricante que produz para o mercado interno poderá tomar um empréstimo em moedas de seus concorrentes estrangeiros ou vender estas moedas a descoberto. O lucro que a empresa consegue em sua própria moeda em suas vendas de exportações. O lucro que a empresa consegue em sua própria moeda quando recompra a quantia que deve em moedas estrangeiras permite, então, que ela baixe seus preços no mercado interno, conseguindo, assim, fazer face à concorrência que tem por base a taxa de câmbio.

No entanto este é um jogo traiçoeiro e perigoso, que transpõe a tênue linha que divide o hedging da especulação. As quantias colocadas em risco, portanto, devem ser sempre estritamente limitadas e o tempo de exposição deve manter-se curto. Os praticantes bem-sucedidos desta estratégia jamais, em tempo algum, vendem a descoberto ou pegam dinheiro emprestado por mais de noventa dias. No entanto, foi esta a estratégia que protegeu muitas manufaturas alemãs que corriam o risco de perder seu mercado interno para os americanos quando o dólar estava grosseiramente subvalorizado durante os anos de inflação do governo Carter. E, embora a estratégia possa ser especulativa, a alternativa - fazer nada - pode ser ainda mais.

Com as flutuações da moeda como parte da realidade econômica, as empresas terão de aprender a considerá-la apenas mais um custo, que muda mais rápido e é menos previsível, talvez, que os custos de mão de obra ou de capital. Fora isto, não são muito diferentes.

Especificamente, isto significa que as empresas, em particular aquelas integradas á economia mundial ou expostas a ela, terão de aprender a se autogerenciar, como se fossem constituídas de duas partes dessemelantes: um core business ( negócio principal ) permanentemente domiciliado em um país, ou em alguns países; e um negócio periférico, capaz de ser transferido - e com rapidez - de acordo com os diferenciais em seus custos principais: mão de obra, capital e taxas de câmbio.

Uma empresa que fabrica produtos altamente complexos poderá usar suas linhas de montagem localizadas em seu país de origem para produzir as partes ( por exemplos, de quarenta e cinco a cinquenta por cento do custo total ) que garantem a qualidade, o desempenho e a integridade do produto acabado. E, se a empresa tiver fabrica em mais de um país desenvolvido, poderá distribuir sua produção principal entre elas, de acordo com as vantagens oferecidas pelas taxas de câmbio. Os cinquenta a cinquenta e cinco por cento restantes da produção seriam periféricos e teriam bastante mobilidade, de modo a serem colocados em contratos de curto prazo, onde que que os custos sejam mais baixos, seja em países desenvolvidos com taxas de câmbio favoráveis, seja em países do Terceiro Mundo com taxas de mão de obra favoráveis.

As voláteis flutuações da taxa de câmbio da economia mundial de hoje exigem que o corpo gerencial, mesmo em empresas que atuam estritamente no mercado interno, faça uma administração internacional, em sintonia com a economia mundial. Pode-se mesmo dizer que a instabilidade das taxas de câmbio significa que não existem mais empresas americanas, alemãs ou francesas. Existem apenas executivos destas nacionalidades, gerenciando empresas - pelo menos nos setores manufatureiro, bancário e financeiro - inseridas na economia mundial. Este é o resultado mais paradoxal desta mudança, de taxas de câmbio fixas para flutuantes, ocorrida há mais de quarenta e cinco anos.

Uma das principais vantagens estão alegadas em relação às taxas de câmbio era o fortalecimento do caráter nacional das empresas pela eliminação - ou aguda diminuição - dos diferenciais de custos comparativos entre as principais economias. Mas também foi prometido que as taxas flutuantes de câmbio eliminariam - ou diminuiriam sensivelmente - os movimentos internacionais de capital no curto prazo.

Taxas de câmbio, supostamente, deveriam ajustar-se automaticamente por si mesmas à balança comercial entre os países. e, com efeito, a teoria econômica ainda prega que as taxas de câmbio de moeda estrangeira são determinadas pela balança comercial de bens e serviços. Em vez disto, com fundos líquidos de curto prazo somando três trilhões e respingando na economia mundial, os fluxos de capital de curto prazo passaram a determinar as taxas de câmbio e, em grande parte, o fluxo de bens e serviços.

Esperava-se também que as taxas de câmbio flutuantes eliminassem ou, pelo menos, limitassem a manipulação governamental deste mercado ao impor a disciplina fiscal. Mas, certamente, os Estados Unidos da América ( EUA ) precisariam ter aceitado bravamente, há anos, o déficit governamental se o governo, ao manobrar para manter o valor do dólar alto, não tivesse conseguido adiar o dia deste ajuste de contas. Acima de tudo, no entanto, esperava-se que as taxas de câmbio flutuantes promovessem a estabilidade das moedas e eliminassem suas flutuações voláteis: exatamente o oposto do que acabou acontecendo.

Mas a constatação de que a realidade econômica de uma economia global com uma taxa de câmbio flutuante é totalmente diferente do que era esperado não altera o fato de que esta é a realidade hoje e continuará a ser no futuro próximo. A direção das empresas deverá aprender a gerenciar a instabilidade e o desgaste das moedas. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.   

P.S.:

* Nota de rodapé:

Este tema é melhor introduzido em

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