sexta-feira, 19 de julho de 2019

Energia: os carteis e o declínio do consumo e dos preços das commodities

Quando se reuniram, em dezembro de mil novecentos e oitenta e dois, os membros da Organização do Países Exportadores de petróleo ( OPEP ) se propuseram a decidir se seria possível ou não a continuidade da existência do cartel unido por mais um ano ou se sua tentativa de manter os preços e a produção elevados fracassou. Em mil novecentos e oitenta e dois, os países da OPEP produziram apenas cerca de sessenta por cento do petróleo produzido antes de quadruplicar os preços em mil novecentos e setenta e três. Em mil novecentos e oitenta e dois, até os preços começavam a ficar sob pressão. Com efeito, já era possível afirmar que a OPEP já resta va em declínio, como sempre ocorre com todos os carteis.

Para entender o que acontecia com a OPEP, ajudará rever as regras da teoria dos carteis, inicialmente formuladas em mil novecentos e cinco, por um jovem economista alemão, robert Liefmann, em seu livro Die Kartelle, e posteriormente validadas pelos fatos.

A primeira destas regras é que um cartel sempre é produto de fraqueza. Indústrias em crescimento não formam carteis; apenas aquelas em declínio.

À primeira vista, entendeu-se que esta regra não se aplicaria à OPEP. Partiu-se do pressuposto de que a OPEP poderia aumentar os preços de forma astronômica porque o consumo de petróleo estava em crescimento exponencial e a previsão era de que continuaria crescendo mais rapidamente.

Entretanto, todos os estudos conduzidos após a explosão de preços de mil novecentos e setenta e três mostraram que os países desenvolvidos vinham se tornando cada vez menos dependentes do petróleo. De mil novecentos e cinquenta a mil novecentos e setenta e três, nos países desenvolvidos, a energia necessária para a produção de uma unidade adicional de produto industrial diminuiu em um vírgula cinco por cento ao ano. Desde então, este declínio tem se acelerado.

A história é a mesma no setor de transportes. Desde mil novecentos e sessenta, a energia necessária para cada passageiro milha adicional ou para a receita da milha frete diminuiu em consequência da mudança para aviões a jato, para automóveis compactos e subcompactos e para motores a diesel em ônibus e caminhões. Mesmo considerando aquecimento e ar-condicionado, o ramo que representa o terceiro maior consumo de energia, não houve aumento na unidade de imput incremental de energia desde mio novecentos e sessenta.

Talvez mais importante: o uso de energia em países desenvolvidos cresceu mais rápido que o PIB durante a primeira metade de século vinte, mas desde mil novecentos e cinquenta, o crescimento tem se mantido abaixo do PIB. Nos países industriais, em mil novecentos e oitenta e dois, para produzir uma unidade de PIB, foram precisos vinte e seis por cento menos petróleo do que nove anos antes.

O relativo declínio do consumo de petróleo sugere que, no períodos de declínio da economia, a indústria diminuirá seu ritmo com maior rapidez que a economia como um todo, mas sua recuperação será menor que a economia sempre que o ciclo estiver em ascendência.

De acordo com a segunda regra básica dos carteis, se um cartel for bem-sucedido em aumentar o preço de uma commodity, deprimirá o preço de todas as demais commodities da mesma classe geral.

Quando a OPEP aumentou os preços do petróleo em mil novecentos e setenta e três, a crença geral era de que o preço de todas as outras commodities primárias - produtos agrícolas, metais e minerais - aumentaria em paralelo. Contudo, um ano mais tarde, os preços de todos os outros produtos primários começaram a cair. E, desde então, continuam em curva descendente.

Com efeito, a parcela de receitas disponíveis que os países desenvolvidos gastam em todos os produtos primários, incluindo o petróleo, é menor hoje do que em mil novecentos e setenta e três. e os termos de comércio são mais adversos hoje para os exportadores de produtos primários do que eram há uma década. Hoje, eles são tão desfavoráveis quanto eram na Grande Depressão das matérias-primas do começo dos anos trinta.

Uma consequência surpreendente de tudo isto é que o Japão, o país que mais entrou em pânico com a OPEP e com o choque do petróleo, tem sido, na verdade, beneficiário da situação, enquanto os Estados Unidas da América ( EUA ) têm sido a principal vítima. O Japão importa todo o petróleo que consome, mas isto representa menos de dez por cento das importações totais, sendo que o restante consiste, em sua maior parte, de outros produtos primários, como alimentos, algodão, madeira, metais e minerais, cujos preços caíram.

De forma oposta, os EUA são o maior exportador mundial de commodities primárias, exceto petróleo, particularmente produtos agrícolas, cujos preços estão muito mais baixos do que estariam se não fosse pela OPEP.

Um cartel, de acordo com a terceira regra, começará a se desfazer assim que seu membro mais poderoso, o produtor com menores custos e maiores volumes, precisar cortar a produção em quarenta por cento para apoiar os membros mais fracos e de menor porte. Mesmo um produtor muito poderoso não fará cortes maiores - e, em geral, isto nem seria previsivelmente possível. Os membros mais fracos serão, então, forçados a manter a produção oferecendo preços mais baixos que os do cartel. Ao final, o cartel se implodirá em um "cada um por si". Ou, então, seu membro mais forte usará sua vantagem de custo para expulsar do mercado os membros mais fracos e de menor porte. A OPEP tem sido singularmente bafejada pela sorte. Seu segundo membro mais forte, o Irã, tem sido forçado a cortar a produção em mais de cinquenta por cento, em consequência da revolução de mil novecentos e setenta e nove e da guerra ocorrida à época com o Iraque. Ainda assim, o maior produtor, a Arábia Saudita, precisou cortar a produção em mais de quarenta por cento para evitar o colapso dos preços do cartel. Os outros membros, os países mais fracos, já começaram a vender petróleo de forma clandestina com descontos substanciais, de quinze por cento abaixo do preço oficial.

Enquanto isto, como prevê a quarta regra, a OPEP já perdeu o domínio do mercado de petróleo. Como concluiu, em milo novecentos e cinco, o Sr. Liefmann, "qualquer cartel debilita as participações de mercado de seus membros em um período de cerca de dez anos". Em mil novecentos e setenta e três, os países da OPEP contribuíram com quase sessenta por cento do fornecimento de petróleo das países desenvolvidos. Nove anos mais tarde, esta participação havia caído para cerca de quarenta e cinco por cento ( e, em mil novecentos e oitenta e cinco, para trinta e três por cento ). Como previsto pela teoria dos carteis, a OPEP está perdendo posição de mercado para novos entrantes, como o México, os países do Mar do Norte e o Gabão. A quinta e última regra é que, no final, um cartel debilita a posição de seu produto, a não ser que corte seus preços regular e sistematicamente, como ocorreu com os monopólios de longa duração do passado, a exemplo do cartel dos explosivos, antes da Primeira Guera Mundial, e dos telefones, com a Bell Telephone System, de mil novecentos e dez a mil novecentos e setenta. Contudo, a experiência da maior parte dos antigos carteis, como o cartel europeu do aço, que vigorou entre as duas guerras mundiais, por exemplo, sugere que, por um longo período no futuro, o petróleo perderá mercados rapidamente quando se tornar mais caro, mas não reconquistará estes mercados se ficar mais barato.

Seria tolice ignorar as características que distinguem a OPEP de outros carteis. A mais importante é, sem dúvida, a geopolítica. Boa parte do petróleo do mundo - particularmente uma grande parte dele, com baixos custos de produção e pouca exploração - é originária de áreas de instabilidade política. Os países desenvolvidos poderão muito bem decidir manter as fontes de suprimento de hidrocarbonetos mais caras, porém politicamente mais seguras. Por exemplo, o gás natural da antga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ( URSS ), atual Federação Russa, para a Europa Ocidental  ou o petróleo mexicano para a reserva estratégica dos EUA. Contudo, uma decisão de pagar um preço premium como segurança política poderá apenas acelerar o declínio do consumo e da dependência em petróleo.

Não se pode ainda eliminar a hipótese prevista pelos analistas de energia: a de que o mercado de petróleo é diferente de que a OPEP se comportará de forma distinta de outros carteis. O teste será posto à prova quando ocorrer a primeiro reaquecimento econômico sustentado nos países desenvolvidos. Será possível saber, então, se o consumo de petróleo subirá tão rápido quanto a economia, ou se subirá, como prevê a teoria dos carteis, muito mais lentamente - ou se, efetivamente, haverá algum aumento substancialmente diferente do que prevê a teoria. 

Um teste, que pode ou não significar uma tendência para século vinte e um, realmente aconteceu com o reaquecimento de mil novecentos e oitenta e três da economia americana. E, como previsto na teoria dos carteis, o consumo não se elevou no mesmo ritmo da economia. na verdade, quase não houve aumento. O fato que deteve o colapso do cartel durante dois anos, até o outono de mil novecentos e oitenta e cinco, foi a disposição da Arábia Saudita - possível apenas em países que têm poucas bocas para alimentar - de cortar a produção em quinze por cento adicionais a um patamar vinte e cinco por cento abaixo de sua capacidade. Mas nem mesmo isto reverteu o declínio tanto do consumo quanto dos preços do petróleo. E, quando o colapso aconteceu, no outono de mil novecentos e oitenta e cindo, foi mais rápido e mais profundo do que havia acontecido com qualquer grande evento anteriormente na história. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

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