quinta-feira, 25 de julho de 2019

Empreendedorismo: as rudimentares como base para as empresas de alta tecnologia

O empreendedorismo de alta tecnologia é a onda do momento na Europa, nos dias atuais. os franceses criaram um ministério poderoso encarregado de encorajar o empreendedorismo de alta tecnologia e torná-lo uma das principais prioridades do governo. Os alemães estão abrindo empresas financiadas por capital de risco segundo modelo americano e estão falando sobre ter seu próprio Vale do Silício. Eles até mesmo cunharam um novo termo - Untermehmer- Kultur ( cultura empreendedora ) - e estão se dedicando a redigir ensaios e organizando simpósios para discuti-los. Até mesmo os britânicos estão propondo que o governo ajude a criar novos empreendimentos de alta tecnologia em áreas como semicondutores, biotecnologia e telecomunicações.

Os europeus estão certos, é óbvio, ao se mostrarem preocupados com o aumento do abismo entre eles próprios e seus concorrentes americanos e japoneses. hoje em dia, sem capacitação e produção próprias em alta tecnologia, nenhum país pode esperar ser líder. No entanto, a crença europeia de que empreendedores de alta tecnologia são capazes de florescer por conta própria, sem estar incrustrados em uma economia empreendedora, é um equívoco total.

Uma das razões para isto é a política. A alta tecnologia por si só é a construtora dos empregos do futuro, e não dos empregos atuais. Para oferecer os novos empregos, tão necessários diante de uma crescente força de trabalho, o país precisa de uma grande quantidade de empreendedores de baixa tecnologia ou de nenhuma tecnologia - e os europeus não os desejam. Nos Estados Unidos da América ( EUA ), os empregos existentes nas mil maiores empresas listadas pela revista Fortune e nas repartições de governo diminuíram em cinco milhões de vagas nos últimos sessenta anos. O total de empregos, no entanto, aumentou de setenta e um milhões, em mil novecentos e sessenta e cinco, para cento e seis milhões, em mil novecentos e oitenta e quatro, por exemplo. Apesar disto, durante este período, a alta tecnologia ofereceu apenas cinco milhões de novos empregos, isto é, não compensou o que foi perdido nas indústrias pesadas de base e no governo. Todos os empregos adicionais da economia americana - trinta e cinco milhões - foram oferecidos por empreendimentos de média, baixa ou nenhuma tecnologia - fabricantes de instrumentos cirúrgicos, de equipamentos de ginástica para uso doméstico, de brinquedos, calçados esportivos, empresas de serviços financeiros, restaurantes étnicos e empresas aéreas de baixas tarifas.

Se a atividade empreendedora se confinar à alta tecnologia - e isto é o que os europeus estão tentando fazer - , o desemprego continuará a crescer à medida que as empresas pesadas básicas forem cortando a produção ou se automatizando cada vez mais. Nenhum governo - e, certamente, nenhum governo democrático - poderia, então, continuar a subordinar estas gigantes do passado, com todas as suas dificuldades, a um futuro incerto de alta tecnologia. Logo, logo, ele seria forçado pela realidade política a abandonar o apoio à alta tecnologia e redirecionar seus recursos para defender, subsidiar e salvar os empregadores existentes, especialmente as empresas pesadas de base, altamente sindicalizadas. As pressões para que isto fosse feito estão se avolumando rapidamente.

Na França, os comunistas saíram do governo, em mil novecentos e oitenta e três, exatamente por causa desta discussão. O Partido Socialista do Presidente François Mitterrand, especialmente sua poderosa e vociferante ala mais á esquerda, também estava cada vez mais insatisfeito com as políticas de alta tecnologia, que são, além disto, igualmente impopulares junto aos grandes empregadores. Com efeito, a Direita francesa, em sua tentativa de ganhar a maioria nas eleições parlamentares em mil novecentos e oitenta e seis, tornou a inversão das políticas industriais do Sr. Mitterrand sua principal plataforma eleitoral e passou a demandar que a França desse prioridade, à época,  aos empregos nas indústrias existentes e descartasse a política de empreendedorismo de alta tecnologia.

Na Alemanha, cresce regularmente a demanda para que se dê apoio a antigas empresas, a fim de manter empregos e se decline o acesso ao crédito e capital a novos empreendimentos. Os bancos já se encontram sob pressão de seus principais clientes, as empresas existentes, que esperam que eles não financiem qualquer eventual concorrente. Na Alemanha, os bancos são o principal canal - talvez o único - de obtenção de capital de crédito. Mesmo na Grã-bretanha, existe uma crescente pressão sobre o chefe de governo - especialmente dos membros de seu Partido Conservador, que temiam por seu destino nas eleições, pelo menos até que saísse o resultado dando à sigla a tão sonhada vitória. A pressão era para que o governo esquecesse todos os grandes planos a fim de encorajar o empreendedorismo de alta tecnologia e se concentrasse, em vez disto, na recuperação das antigas indústrias, que vão mal das pernas desde mil novecentos e oitenta e quatro, gestão da então Primeira-Ministra Conservadora, Margaret Thatcher.

Existe uma razão mais mais sutil, mas talvez mais importante pela qual o empreendedorismo de alta tecnologia com esta atividade. Falta o necessário apoio social. O empreendedorismo de alta tecnologia é o topo de uma enorme montanha - constituída de empreendedorismo de média, baixa e nenhuma tecnologia, permeando a economia e a sociedade - sobre a qual está alicerçado.

Nos EUA, seiscentos mil empresas são fundadas a cada ano - cerca de sete vezes mais do que nas prolíficas décadas de cinquenta e sessenta. Entretanto, não mais que um vírgula cinco por cento delas - cerca de dez mil por ano - são empresas de alta tecnologia. As quinhentas e noventa mil restantes variam de nenhuma tecnologia ( um novo restaurante étnico ou uma empresa de coleta de lixo ) a média tecnologia ( por exemplo, uma pequena fundição automatizada para a moldagem de peças especiais não ferrosas. entretanto, sem estas empresas, os empreendimentos de alta tecnologia estariam mortos no nascimento e não atrairiam, por exemplo, mão de obra altamente qualificada.

Na ausência de uma economia empreendedora, cientistas ou engenheiros teriam preferido ( como ocorre na Europa ) a segurança e o prestígio e um emprego em uma grande empresa. E um empreendimento de alta tecnologia precisa, além disto, de contadores, vendedores e gerentes. nenhum deles aceitaria trabalhar em novos e pequenos empreendimentos, de alta tecnologia ou não, a não se que isto se tornasse algo aceitável, para não dizer preferível. Há setenta anos, pessoas deste tipo, nos EUA, também preferiam as grandes empresas ou o governo para empregos e oportunidades de carreira. Hoje, o fato de eles estarem disponíveis para novos empreendimentos, apesar dos riscos e incertezas, é o que torna possível a economia empreendedora e os empregos criados por ela.

Mas o ímpeto para isto não teve origem na glamourosa atividade de alta tecnologia e, sim, na multiplicidade de empregos sem glamour, mas desafiadores, com boas oportunidades de carreira em todos os tipos de negócios de baixa ou  média tecnologia. São eles que proporcionam a existência de uma enorme economia empreendedora. A alta tecnologia oferece a imaginação, é certo, mas as outras empresas fornecem o pão de cada dia.

Além disto, as empresas de média, baixa ou nenhuma tecnologia permitem o financiamento da alta tecnologia. Ao contrário daquilo em que a maioria das pessoas acredita, os empreendimentos de alta tecnologia permanecem sem dar lucro por um longo tempo. A indústria mundial de computadores teve, em termos gerais, perdas durante trinta anos, só atingindo o ponto de equilíbrio no começo dos anos setenta. A IBM, certamente, ganhou muito dinheiro. Poucas outras - principalmente nos EUA - ficaram no vermelho nos anos sessenta. Mas estes lucros foram mais do que compensados pelas pesadas perdas das grandes empresas de eletrodomésticos: General Eletric ( GE ), Westinghouse, Siemens, Philips, RCA e outras. Da mesma forma, ainda decorrerão pelo menos dez anos antes que a indústria biogenética ou os fabricantes de robôs, como um todo, cheguem ao ponto de equilíbrio e, provavelmente, será possível dizer o mesmo, em termos gerais, a respeito da indústria de microcomputadores. Neste período, os empreendimentos de média, baixa ou nenhuma tecnologia proporcionarão o fluxo de lucros que financiará as necessidades de capital da alta tecnologia. Sem eles, dificilmente haveria capital disponível.

Até o momento, existe pouco reconhecimento destes fatos na Europa - e nenhum entre os governos deste continente. As coisas poderão mudar. O movimento empreendedor dos EUA teve início no anos setenta. A Europa Ocidental está claramente quinze anos atrasada em relação às mais importantes tendências demográficas americanas - o baby bust e a explosão de estudantes universitários. O baby bust sucedeu o baby boom. é o período entre mil novecentos e sessenta e um e mil novecentos e oitenta e um, especialmente nos EUA, local em que caiu a taxa de natalidade.

Nos EUA, estas tendências certamente são fatores que contribuem para a renovação de empreendedorismo. Com um enorme contingente  de baby boomers bem educados já com bons empregos, as oportunidades nas grandes empresas e no governo estão começando a se tornar escassas e os jovens que ingressam no mercado de trabalho desejam e estão ansiosos para se juntar a empreendimentos de pequeno e médio porte. Na Europa, os baby boomers estavam entrando no mercado nos anos oitenta.

Até aqui, no entanto, os governos europeus ainda se mostram hostis a empreendedores que não sejam das áreas de alta tecnologia ( na França, principalmente ). A legislação tributária europeia, por exemplo, os penaliza e restringe seu acesso a crédito e capital. Mas a sociedade do continente também desencoraja as pessoas, especialmente as jovens mais educadas, de fazer algo tão pouco refinado quanto ir trabalhar para qualquer um que não seja uma grande empresa já estabelecida ou o governo. A não ser que isto mude - , e até o momento, há poucos sinais de que isto venha a acontecer - , a paixão europeia anterior de alta tecnologia - o Concorde - , que terminou com muito pouca gloire, em um oceano de tinta vermelha, e sema liderança de empregos ou de tecnologia. Outras informações podem ser obtidas no  livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

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