terça-feira, 9 de julho de 2019

Tecnologia: o fim da dependência de fornecedores de matéria-prima

A derrocada dos preços de commodities ( produtos cujos preços não são determinados pelos produtores mas sim pelo mercado internacional ) não petrolíferas começou em mil novecentos e setenta e sete e, desde então, tem continuado ininterruptamente, com uma única exceção, ocorrida após o pânico do petróleo em mil novecentos e setenta e nove, provocado por uma onda especulativa que durou menos de um semestre e que foi seguida pela queda mais rápida de preços de commodities na história.

No começo de mil novecentos e oitenta e seis, de modo geral, os preços das matérias-primas ( exceto o petróleo estavam no vível mais baixo da história em relação aos preços dos bens manufaturados e serviços - no nível de mil novecentos e trinta e dois e, em alguns casos ( chumbo e cobre ), menores do que nas profundezas da época da Grande Depressão. E quando o preço do petróleo esteve abaixo dos quinze dólares / barril, no começo de mil novecentos e oitenta e seis, também esta commodity estava sendo vendida pelo mesmo preço de mil novecentos e trinta e três, em relação aos preços dos bens manufaturados e dos serviços.

O colapso dos preços das matérias-primas e a diminuição de sua demanda contrastavam fortemente com o que havia sido confiantemente previsto. Em mil novecentos e setenta e cinco, o Relatório do Clube de Roma previa que, em mil novecentos e oitenta e cinco, deveria ter havido, com absoluta certeza, escassez de todas as matérias-primas. Até mil novecentos e oitenta, o Global 2000 Report, do governo norte-americano do presidente Carter concluía que a demanda mundial por alimentos aumentaria consistentemente por, pelo menos vinte anos; que a produção de alimentos, no mundo todo, iria declinar, exceto nos países desenvolvidos; e que o preço real dos alimentos iria dobrar. Esta previsão explica amplamente a razão pela qual os fazendeiros americanos compraram toda a terra agriculturável disponível, o que lhes trouxe o endividamento que os ameaçavam pelo menos até mil novecentos e oitenta e cinco, em sua maioria.

Entretanto, contrariamente a todas estas previsões, a produção mundial de alimentos aumentou em quase trinta por cento entre mil novecentos e setenta e dois e mil novecentos e oitenta e cinco, alcançando patamar recorde. E foi nos países menos desenvolvidos que este aumento aconteceu com mais rapidez. Da mesma forma, a produção de todos os produtos florestais, metais e minerais aumentaram dntre vinte e trinta e cinco por cento naquele período de dez anos, e, novamente, este crescimento foi mais acelerado nos países menos desenvolvidos. E não existia, na época, motivo motivo algum para que se acredite que estas taxas de crescimento diminuiriam, apesar da derrocada dos preços. Efetivamente, no que diz respeito a produtos agrícolas, o maior aumento, em taxas quase exponenciais, possivelmente estariam por vir senão já acontecendo. Sobre este assunto, houve duas discussões distintas entre si. Uma em "U.S. Farm Dilema: The Global Bad News is Wrong", Science 230, 24 ( outrubro de mil novecentos e oitenta e cinco ), de Dennis Avery, analista de agricultura sênior do U.S. Departament of State; a outra em "A World Awash in Grain", foreign Affairs ( Outono de mil novecentos e oitenta e cinco ), de Bárbara Insel, International Affairs Fellow do Foreigns Affairs Concil, em Nova Iorque.

Contudo, talvez mais incrível do que o contraste entre o que todos esperavam e o que realmente aconteceu é que o colapso da economia de matérias-primas parece não ter tido quase nenhum impacto na economia industrial do mundo. No entanto, se havia uma coisa considerada conhecida e provada, sem sombra de dúvida, na teoria dos ciclos de negócios, era a crença de que uma brusca e prolongada queda dos preços das matérias-primas inevitavelmente, e num prazo de um ano e meio a dos anos e meio, provocaria depressão mundial na economia industrial do mundo estivesse normal à época. Mas certamente não se encontrava em meio a uma depressão. Com efeito, a produção industrial nos países desenvolvidos não comunistas continuavam a crescer consistentemente, embora a uma taxa mais baixa, especialmente na Europa Ocidental.

Naturalmente, a depressão da economia industrial poderá ter sido apenas adiada e talvez ainda possa ser desencadeada, por exemplo, por uma crise bancária provocada por uma avalanche de inadimplências por parte dos produtores de commodities devedores, seja no Terceiro Mundo, seja no Estado de Iowa, nos Estados Unidos da América ( EUA ). Mas, por quase dez anos, o mundo industrial funcionou como se a crise de matérias-primas nem existisse.

A única explicação dos anos vinte, antes da Grande Depressão, produtores rurais ainda constituíam cerca de um terço da população americana, e a receita deste setor correspondia a praticamente a um quarto do Produto Interno Bruto ( PIB ). Em mil novecentos e oitenta e cinco correspondia a um vinte avos ou cinco porcento da população e do PIB, respectivamente. Mesmo que fossem acrescentada a contribuição que as matérias-primas estrangeiras ( do ponto de vista norte-americano ) e os produtores rurais dão à economia dos EUA mediante suas compras de bens industriais no paíse, a contribuição total das economias mundias de matérias-primas e de produção de alimentos ao PIB americano era, à época, no máximo de um oitavo ou doze vírgula cinco por cento. na maioria dos outros países desenvolvidos, a participação do setor de matérias-primas era ainda mais baixa do que nos EUA. Somente na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ( URSS ), atual Federção Russa, a agroindústria ainda era um empregador importante, com quase um quarto da força de trabalho produzindo no campo.

A economia de matérias-primas tornou-se, portanto, desencaixada da economia industrial. esta foi uma pequena mudança estrutural na economia mundial da época, com grande implicação nas políticas econômicas e sociais e na teoria econômica, tanto em países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento.

Por exemplo, nos EUA, se a relação entre os preços dos bens manufaturados e dos produtos primários ( que não seja o petróleo ) - isto é, de alimentos, produtos florestais, metais e minerais - em mil novecentos e oitenta e cinco tivesse sido a mesma de mil novecentos e setenta e três, ou mesmo de mil novecentos e setenta e nove, o déficit comercial de mil novecentos e oitenta e cinco talvez fosse cerca de trinta por cento menor ( ou seja, cem bilhões de dólares, em vez de cento e cinquenta bilhões de dólares ). Mesmo o déficit comercial dos EUA junto ao Japão poderia ter sido quase um terço menor ( trinta e cinco bilhões de dólares conta cinquenta bilhões de dólares ).

As exportações agrícolas americanas teriam sido uma receita quase duas vezes maior. E estas exportações industrias para um de seus principais clientes,  a América Latina, teriam sido mantidas; somente seu quase colapso correspondiam a um sexto ou onze vírgula vinte e cinco por cento da deterioração do comércio exterior americano. Caso os preços do produtos primários americanos não tivessem entrado em colapso, o balanço de pagamentos dos EUA poderia ter tido um saldo significativo.

Da mesma forma, o saldo comercial do japão com o resto do mundo poderia ter sido um quinto ou vinte por cento menos. E o Brasil, naquela época, poderia ter tido um saldo comercial quase cinquenta por cento maior, o que faria o país ter muito menos dificuldade para pagar os juros de sua dívida externa, antes de ser credor externo como ocorre hoje. Além disto, não precisaria ter comprometido sem crescimento econômico ao fazer na época um drástico corte nas importações. Em suma, se os preços das matérias-primas tivessem se mantido na mesma proporção de mil novecentos e setenta e três ou mesmo de mil novecentos e setenta e nove em relação aos preços dos bens manufaturados, não teria havido crise na maioria dos países endividados, especialmente a América Latina.

O que aconteceu e quais são as perspectivas para o futuro?

A demanda por alimentos efetivamente cresceu quase tão aceleradamente quanto o Clube de Roma e o Global 2000 report haviam previsto. Mas a oferta cresceu muito mais rápido. Ela não apenas acompanhou o aumento da população, como também o ultrapassou. paradoxalmente, uma das causas para este aumento é o medo de ma escassez mundial de alimentos e até mesmo o aumento da fome do mundo. Isto resultou em enormes investimentos para o incremento da produção de alimentos. Os EUA lideraram este esforço com uma política agrícola corretamente voltada para a distribuição de subsídios ( exceto em mil novecentos e oitenta e três ) ao aumento da produção de alimentos. O Mercado Comum Europeu ( MCE ) fez o mesmo e até com maior sucesso. Contudo, o maior aumento, tanto em termos absolutos quanto relativos, aconteceu nos países em desenvolvimento: Índia, china pós-Mao Tsé Tung e nos países com culturas de arroz no Sudeste da Ásia.

Além disto, houve um enorme corte do desperdício. Vinte e cinco anos antes ( em mil novecentos e sessenta ), até oitenta por cento dos grãos cultivados na ásia alimentavam ratos e insetos, e não seres humanos. Em mil novecentos e oitenta e cinco, em grande parte do território indiano e o desperdício foi reduzido a vinte por cento, resultado de inovações em infraestrutura não espetaculares, mas eficazes, como, por exemplo, pequenos compartimentos de concreto para armazenamento, inseticidas ou triciclos motorizados que levam a colheita, anteriormente deixada exposta ao tempo durante semanas, diretamente à planta de processamento.

E não seria excesso de imaginação acreditar que a verdadeira revolução agrícola ainda esteja por vir. Vastas extensões de terra que até hoje eram praticamente áridas estão se tornando férteis, seja de minerais-traços: a argila vermelha do planalto brasileiro, por exemplo, ou os solos contaminados por alumínio no vizinho Peru, que jamais produziram alguma coisa anteriormente e que hoje produzem quantidades substanciais de arroz de alta qualidade. Avanços ainda maiores são obtidos pela biotecnologia, tanto na prevenção de doenças de plantas e animais quanto no aumento das safras.

Em outras palavras, apesar da queda do ritmo de crescimento da população mundial - em alguns casos acentuada - , a produção de alimentos provavelmente continuará a ter forte aumento.

Entretanto, os mercados importadores de alimentos praticamente desapareceram. Em consequência do incremento de sua atividade agrícola, a Europa Ocidental se tornou substancial exportadora de alimentos, cada vez mais vitimada por superávits de produção invendáveis de todos os tipos de alimentos, como laticínios, vinhos, trigo, carne, etc...

Segundo acreditam alguns observadores, a China já teria se tornado, antes do ano dois mil, exportadora de alimentos. A Índia já no final do século vinte, já havia atingido este estágio, especialmente no que diz respeito a trigo e cereais secundários. De todos os principais países não comunistas, somente o Japão ainda era um substancial importador de alimentos em mil novecentos e oitenta e cinco, comprando cerca de um terço de suas necessidades no exterior. Naquela época, a maior parte daquela demanda era tendida pelos EUA. contudo, até o final daquele século, a previsão era de que os produtores de baixo custo da Coreia, Indonésia e Tailândia, que rapidamente sua capacidade de produção, competindo diretamente com os EUA neste mercado. Havia a precisão de que o único país grande comprador de alimentos restante poderia ser a a antiga URSS ( atual Federação Russa ) provavelmente aumentariam no século vinte e um. Entretanto, o excedente de produção de alimentos no mundo é tão grande - talvez de cinco a oito vezes o volume que a Rússia precisaria comprar - que a possível demanda deste país não será suficiente para colocar pressão de alta nos preços mundiais. em contrapartida, a competição pelo acesso ao mercado russo entre os exportadores com superávit de produção - EUA, Europa, Argentina, Austrália, Nova Zelândia ( e, provavelmente, dentro de mais alguns anos, também a Índia ) - já é suficientemente acirrada para derrubar os preços mundiais de alimentos.

No que diz respeito a praticamente todas as commodities não originárias do campo, sejam produtos florestais, minerais ou  metais, a demanda mundial está em queda ( o que representa um agudo contraste com o que o Clube de Roma havia previsto de forma tão confiante ). Com efeito, o volume de matérias-primas necessário para determinado setor de produção econômica vem decrescendo ao longo do século vinte, com exceção dos períodos de guerra. Estudo recente do Fundo Monetário Internacional ( FMI ) calculava à época que este declínio estivesse ocorrendo à razão de um vírgula vinte e cinco por cento ao ano ( de decomposição composta ), desde o ano mil e novecentos. Isto significaria que a quantidade de matéria-prima industrial necessária para uma unidade de produção seria hoje não mais do que dois quintos ou quarenta por cento do que era em mil e novecentos, e este declínio está se acelerando. Mais impressionante ainda é o que vem acontecendo no Japão. em mil novecentos e oitenta e quatro, para cada unidade de produção industrial, o país consumiu apenas sessenta por cento das matérias-primas que havia consumido para o mesmo volume de produção industrial de mil novecentos e setenta e três, apenas onze anos antes.

Qual é a razão deste declínio? Não é que a produção industrial esteja se tornando menos importante, um mito comum para o qual, como ainda será visto, não há a menor evidência. A produção industrial vem regularmente tendo seu foco modificado, de produtos altamente dependentes de matérias-primas para produtos  e processos menos dependentes de matérias-primas. Uma das razões para isso é o aparecimento de novas indústrias, especialmente as de alta tecnologia. As matérias-primas existentes em um microchip semicondutor somam entre um e três por cento; em um automóvel, cerca de quarenta por cento; e, em produtos metalúrgicos, sessenta por cento. Mas a mesma redução de necessidades de matérias-primas também ocorre nas indústrias mais antigas - e tanto com produtos novos quanto com os tradicionais. Vinte e cinco a cinquenta quilogramas de cabos de fibra ótica transmitem tantas chamadas telefônicas quanto um tonelada de fios de cobre, se não mais.

Esta constante queda de participação de matérias-primas nos processos e produtos manufaturados tem reflexo no uso de energia, especialmente do petróleo. Para produzir cinquenta quilos de cabos de fibra ótica, são necessários não mais de um vinte avos ou cinco por cento da energia necessária para extrair e fundir minério, a fim de produzir uma tonelada de metal e, em seguida, transformá-lo em fios de cobre. Da mesma forma, os plásticos, que estão cada vez amais, substituindo o aço na indústria automobilística, representam um custo de matéria-prima, incluindo energia, de menos da metade daquele aço.

E, se os preços do cobre dobrassem -e isto ainda significaria um valor razoavelmente baixo, segundo uma perspectiva histórica - , logo iriam ser minerados os maiores depósitos de cobre do mundo, que não estão localizados nas minas do Chile ou do Estado americano de Utah: os bilhões de toneladas de cabos telefônicos sob o pavimento das ruas das grandes cidades. Seria economicamente viável substituir todos os cabos subterrâneos de cobre por outros de fibra ótica.

Portanto, é bastante improvável que os preços das matérias-primas amentem substancialmente em comparação com os preços dos bens manufaturados ( ou de serviços de alto conhecimento agregado, como informação, educação e assistência de saúde ), exceto com o advento de uma grande e prolongada guerra.

Uma das implicações desta aguda mudança no comércio de produtos primários concerne aos países desenvolvidos, sejam eles grandes exportadores, como os Estados Unidos da America ( EUA ), ou grandes importadores, como o Japão. Durante dois séculos, os EUA dependeram da manutenção dos mercados abertos para escoar seus produtos agrícolas e matérias-primas. Este era m fator crucial de sua política comercial com outros países. Na verdade, este é o significado de economia em um mundo ser fronteiras e livre comer´cio naquele país. Será que isto ainda faz sentido? Ou será que os EUA, em vez disto, deverão aceitar o fato de que os mercados estrangeiros de alimentos e matérias-primas entraram em um irreversível declínio de longo prazo? Mas será que, além disto, ainda faz sentido que o Japão baseie sua política econômica externa na necessidade de faturar o suficiente em moeda estrangeira par apagar por importações de alimentos e matérias-primas? desde que o Japão abriu as portas para o mundo, há cento e cinquenta anos, a preocupação - que s tornou quase uma obcessão nacional - com esta dependência por alimentos e matérias-primas tem sido a força motriz das políticas do país, e não apenas do ponto de vista econômico. Entretanto, agora, o Japão bem que poderia começar pelo pressuposto, muito mais realista no mundo atual, de que alimentos e matérias-primas estarão permanentemente com uma oferta maior do que a demanda ( pelo do ponto de vista que Peter F. Drucker chegou a ter em até mil novecentos e oitenta e cinco ).

Levados á sua conclusão lógica, estes eventos poderão sugerir que alguma variante da tradicional política japonesa - altamente mercantilista, com forte minimização do consumo interno e igualmente forte - enfase na formação de capital, com a proteção de indústrias nascentes - poderá satisfazer mais os EUA do que a original. Da mesma forma, os japoneses poderão estar mais bem servidos por alguma variante das tradicionais políticas americanas, particularmente por trocar a prática de enfatizar a poupança e a formação de capital pelo favorecimento de consumo. Mas qual seria a probabilidade de o país abandonar radicalmente mais de um século de comprometimentos e convicções políticas? Tudo isto considerado, de agora em diante, os fundamentos da política econômica certamente serão alvo de crescentes críticas nestes dois países, e também em todos os demais países desenvolvidos.

Serão alvo também do crescente escrutínio dos principais países do Terceiro Mundo, uma vez que, se os produtos primários estão passando a ter importância marginal nas economias do mundo desenvolvido, as tradicionais teorias e políticas de desenvolvimentistas estarão perdendo seus fundamentos. Todas elas se baseiam no pressuposto - perfeitamente válido pelo ponto de vista histórico - de que os países em desenvolvimento pagam pela importação de bens de capital mediante a exportação de produtos primários - produtos agrícolas e florestais, minerais e metais. todas as teorias desenvolvimentistas, por mais distintas que sejam entre si, pressupõem também que as compras de matérias-primas por parte dos países industrialmente desenvolvidos devem crescer pelo mesmo ritmo que a produção industrial destes países. Portanto, isto sugeriria que, em qualquer período longo, qualquer produtor de matérias-primas se tornaria um risco de crédito melhor e teria uma balança comercial mais favorável. contudo, isto se tornou um fato extremamente duvidoso. Assim, sobre quais fundamentos poderá o desenvolvimento econômico assentar-se, especialmente em países que não têm uma população grande o suficiente para fazer florescer uma economia industrial baseada no mercado interno? Além disto, o desenvolvimento destes países tampouco poderá continuar a ter como base o baixo custo de mão de obra. Outras informações podem ser obtidas no livro As fronteiras da administração, de autoria de Peter F. Drucker.

Continua em

https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2019/07/desenvolvimento-o-custo-da-mao-de-obra.html .

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