sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Transferência de tecnologia: os países em desenvolvimento cada vez mais tendo de receber companhias transnacionais

Em geral, são admitidos quatro pressupostos na discussão sobre as multinacionais e os países em desenvolvimento, tanto pelos amigos quanto pelos inimigos da companhia multinacional. todos estes quatro pressupostos são falsos, o que explica, em grande medida, tanto a acrimônia do debate quanto a esterilidade de tantas políticas de desenvolvimento.


Estes quatro pressupostos falsos, mas geralmente aceitos, são:


1) Os países em desenvolvimento são importantes para as companhias multinacionais e uma fonte importante para suas vendas, receitas, lucros e crescimento, se não o sustentáculo do capitalismo das corporações;


2) O capital externo, seja fornecido por governos ou por empresas, pode fornecer os recursos, especialmente os recursos de capital, exigidos para o desenvolvimento econômico;


3) A capacidade da companhia multinacional de integrar e alocar recursos produtivos em uma base global e pelas fronteiras nacionais, e assim, substituir as considerações econômicas nacionais pelas transnacionais, subordina o interesse nacional do país em desenvolvimento à exploração global;


4) A forma tradicional do século dezenove da organização corporativa, isto é, a empresa-mãe co posse total de filiais no exterior, é também a forma correta de organização para a companhia multinacional do século vinte.


Quais são as realidades?


No primeiro caso, as indústrias extrativas precisam ir aonde quer que se encontre petróleo, minério de cobre ou bauxita, seja em um país em desenvolvimento ou em um país desenvolvido. Mas, para a multinacional típica do século vinte, isto é, uma companhia industrial, comercial ou financeira, os países em desenvolvimento não são importantes nem como mercados nem como geradores de lucros. De fato, pode-se dizer sem rodeios que as grandes companhias industriais, comerciais e financeiras do mundo desenvolvido praticamente não notariam se as vendas para os países em desenvolvimento e os lucros vindos deles subitamente desaparecessem.


Dados internos confidenciais em poder, à época de Peter Ferdinand Drucker referentes a aproximadamente quarenta e cinco representantes da indústria, comércio e instituições financeiras dentre as principais multinacionais, tanto da América do Norte quanto da Europa, mostravam, à época, que os dois terços desenvolvidos do Brasil ( de Belo Horizonte para o sul) representavam à época um mercado importante para algumas destas companhias, embora o Brasil, embora, à época, ainda pobre, claramente não podia mais ser considerado subdesenvolvido. Por outro lado, nem mesmo a Índia ou o México ( os dois países em desenvolvimento com os maiores mercados ) conseguiam se classificar em qualquer uma das listas das companhias multinacionais das amostras de Peter Ferdinand Drucker á frente até mesmo de um único grande distrito de vendas no país de origem, seja ele o distrito alemão de Hamburg-North, os Midlands ingleses ou Kansas City.


Nos gráficos mensais e trimestrais de vendas e lucros em todo o mundo, utilizados pela maior parte das grandes companhias como ferramenta mais comum de análise da alta administração, praticamente nenhum país em desenvolvimento chegava a aparecer nas amostras de Peter Ferdinand Drucker de quarenta e cinco grandes multinacionais, exceto quando faziam parte de uma região, como por exemplo, América Latina ou Outros.


A rentabilidade dos negócios destas companhias nos países em desenvolvimento era uniformemente menor em cerca de dois por cento do que a dos negócios nos países desenvolvidos, exceto para a indústria farmacêutica, onde a taxa de retorno, seja sobre as vendas ou o capital investido, era aproximadamente igual para ambos. Como regra, leva mais tempo ( entre dezoito meses e três anos ) para fazer uma nova operação atingir o ponto de equilíbrio em um país em desenvolvimento. Além disto, a taxa de crescimento ( mais uma vez excetuando-se a indústria farmacêutica ) é nitidamente mais lenta. De fato, nestas quarenta e cinco empresas representativas, de setenta e cinco a oitenta e cinco por cento de todo o crescimento, seja em vendas ou em lucros, nos últimos sessenta e cinco anos ocorreu nos países desenvolvidos. Em valores constantes para o dólar, os negócios destas quarenta e cinco companhias dobraram no mundo desenvolvido ( ou mais que dobraram ) nos últimos cinquenta a cinquenta e cinco anos. Mas seus negócios nos países em desenvolvimento cresceram não mais do que trinta por cento durante este período, se os números forem ajustados á inflação.


Os dados publicados, embora ainda escassos e inadequados, mostram os mesmos fatos. Somente para as indústrias extrativas, os países em desenvolvimento ( e deles somente alguns poucos ) têm tido alguma importância, seja como fonte de lucros, como locais de crescimento ou como áreas de investimento.


Obviamente, o motivo é que ( contrariamente á velha teoria da moda sobre o imperialismo capitalista ) as vendas, o crescimento e os lucros estão onde o mercado e o poder aquisitivo estão.


Entretanto, para o país em desenvolvimento, a multinacional é, ao mesmo tempo, altamente importante e altamente visível.


Uma fábrica empregando setecentas e cinquenta pessoas e vendendo o equivalente a oito milhões de dólares em mercadorias é um grande empregador ( tanto de empregados não administrativos quanto de administrativos ) e uma grande empresa na maioria dos países em desenvolvimento. Para a matriz da companhia multinacional, empregando no total noventa e sete mil pessoas e vendendo o equivalente a quase dois bilhões de dólares em mercadorias, aquela fábrica é, na melhor das hipóteses, um negócio marginal. A alta administração em Roterdã, Munique, Londres ou Chicago pode praticamente não dedicar algum tempo para este negócio.


Descaso e indiferença, em vez de exploração, seria uma queixa justificável dos países em desenvolvimento em relação às multinacionais. Na verdade, o pessoal da alta administração em grandes multinacionais que está diretamente envolvido nos países em desenvolvimento é constantemente criticado por negligenciar as áreas em desenvolvimento e por devotar boa parte de seu tempo e atenção a interesses externos. Considerando as realidades da empresa, seus mercados, suas oportunidades de crescimento e as oportunidades de lucro, esta não deixa de ser uma crítica válida.


A discrepância entre a relativa insignificância do afiliado em um país em desenvolvimento e sua importância e visibilidade para o país anfitrião representa, porém, um grande problema também para a multinacional. Dentro do país em desenvolvimento, o homem encarregado pela empresa com setecentos empregados e oito milhões de dólares em vendas precisa ser uma pessoa importante. Embora seu negócio seja diminuto em comparação com os negócios da companhia na Alemanha, Grã-Bretanha ou Estados Unidos da América ( EUA ), em cada pormenor ele é tão difícil, arriscado e exigente. Além disto, este gestor tem de tratar de igual para igual com os líderes do governo, os banqueiros e os líderes empresariais de seu país ( pessoas com quem o gerente regional de vendas em Hamburgo, Roterdã ou Kansas City não chega nem mesmo a se encontrar ). No entanto, suas vendas e lucros são menores do que as vendas regionais de Hamburgo, Roterdã e Kansas City. No entanto, em muitos casos, seu potencial de crescimento chega até mesmo a ser menor.


A estrutura tradicional corporativa das multinacionais não consegue resolver este choque entre duas realidades: as qualificações pessoais e competência, posição, prestígio e poder necessários para o pessoal da alta administração das afiliadas para a realização de seu trabalho em um país  em desenvolvimento e a realidade das vendas regionais em termos absolutos e quantitativos.


O segundo pressuposto importante por trás da discussão sobre as multinacionais e os países em desenvolvimento é a crença de que os recursos de fora, principalmente o capital de fora, conseguem desenvolver um país.


Em primeiro lugar, nenhum país é subdesenvolvido porque faltam recursos. O subdesenvolvimento é a incapacidade de se obter a plena utilização dos recursos; na realidade, todos deveriam falar de país com produtividade maior ou  menor, e não de países desenvolvidos ou subdesenvolvidos. Em especial, muito poucos países apresentam falta de capital ( o Tibet e a Nova Guiné podem ser exceções ). Os países em desenvolvimento possuem, quase por definição, mais capital do que aquele que é empregado produtivamente. O que falta para os países em desenvolvimento é a plena capacidade de se mobilizarem seus recursos, sejam recursos humanos, capital ou recursos físicos. Eles precisam de desencadeadores: estímulos de fora e dos países mais desenvolvidos para dinamizar os recursos do país e provocar impacto multiplicador.


As duas histórias de sucesso de desenvolvimento nos últimos cento e quarenta anos, Japão e Canadá, mostram isto com clareza. No início, o Japão praticamente não importava capital, exceto pequenos valores para os primeiros investimentos em infraestrutura, tais como os aplicados na construção dos primeiros quilômetros de estradas. No entanto, desde logo organizou o que provavelmente até hoje pode ser considerado o sistema mais eficiente para reunir e colocar em uso cada gota de capital do país. Além disto, passou a importar prodigamente e sem restrições a tecnologia de que necessitava, com impacto multiplicador muito elevado; e continua a fazê-lo até os dias de hoje.


Em meados de mil novecentos e trinta, o Canadá era um país bem menos desenvolvido do que muitas repúblicas latino-americanas o são atualmente. Então, o governo liberal da década de trinta decidiu construir um sistema eficaz para reunir capital nacional e colocá-lo em investimentos de infraestrutura com um efeito multiplicador bastante elevado: estradas, assistência médica, portos, educação e administrações nacional e provincial eficazes. O capital externo foi deliberadamente canalizado para a indústria e a mineração. O capital nacional e os empresários foram realmente desestimulados a investir nos setores extrativos e industriais. Porém, foram fortemente estimulados em todas as atividades do setor terciário, como comércio, bancos, seguros e na oferta local e trabalho de acabamento na fabricação. Em consequência disto, um suprimento relativamente pequeno de capital externo ( entre cinco e dez por cento do total de formação de capital do Canadá ) levou a um desenvolvimento bastante rápido em menos de duas décadas.


Existe uma segunda falácia no pressuposto convencional, ou seja, a de que existiria uma capacidade ilimitada de absorção de dinheiro, especialmente dinheiro vindo de fora. Mas na verdade existem poucas oportunidades de grandes investimentos na maior parte dos países em desenvolvimento. Pode haver grande potencial hidrelétrico, mas, a menos que haja clientes com poder aquisitivo ou usuários industriais nas redondezas, não há base econômica para um usina de energia elétrica. Além disto, não ha dinheiro sem amarras. Para o serviço da dívida externa, ainda que com taxas de juro mínimas, é necessários haver divisas. Quanto a isto, os empresários ou outros investimentos de capital constituem, em regra, uma carga menor ( e, acima de tudo, claramente delimitada ) do que as doações e outros subsídios políticos do exterior. Estes últimos sempre criam obrigações pesadas em ermos de política interna e externa, não importando de onde venham.


Portanto, um país em desenvolvimento extrairá o máximo dos recursos disponíveis no exterior, principalmente capital, se canalizar este capital onde haja maior impacto multiplicador. Além do mais, ele deve canalizar para onde um dólar de capital importado gere maior quantidade de dólares nacionais em investimento, tanto no próprio investimento original quanto no impacto do investimento ( por exemplo, postos de gasolina, motéis e oficinas mecânicas que uma fábrica de automóveis torna possível ), e onde os emprego criados pelo investimento original propiciem mais empregos diretos e indiretos ( mais uma vez, a indústria automobilística é um bom exemplo ). Acima de tudo, o investimento deve ser canalizado para onde se produza o maior número de empreendedores e de administradores locais e se propicie a máxima competência gerencial e empresarial. Tornar os recursos plenamente eficazes depende da oferta e da competência do recurso gerencial e empresarial.


De acordo com todos os cálculos, o dinheiro governamental tem impacto multiplicador muto menor do que o dinheiro privado. Certamente, isto fica mais evidente no bloco de países comunistas; a produtividade baixa ( muito baixa ) do capital é a maior fraqueza das economias comunistas, seja a da Rússia ou as dos satélites europeus. Isto também vale para dinheiro público em outros lugares ( por exemplo, Banco Mundial ): ele gera pouco, ou nenhum, investimento adicional, seja de dentro ou de fora do país beneficiário. E os investimentos de prestígio, tais como um usina siderúrgica, tendem a ter impacto multiplicador relativamente baixo ( tando em empregos quanto em vigor empresarial ) em comparação com, por exemplo, uma loja de departamentos que provoque o surgimento de alguns pequenos fabricantes locais e crie um importante grupo gerencial e empresarial em torno dela.


Para a multinacional nas áreas de indústria, comércio ou finanças se instalando em um país em desenvolvimento, o rápido desenvolvimento econômico do país anfitrião oferece a melhor oportunidade para o crescimento e a rentabilidade. Assim, a multinacional tem um claro interesse no impacto multiplicador de seus investimentos, produtos e tecnologia. Um bom conselho seria buscar o capital que sirva como catalisador em vez de combustível. Quanto mais dólares ( ou pesos ou reais ) de capital local forem gerados pelo investimento de cada um de seus próprios dólares, maior será o impacto em termos de desenvolvimento de seu investimento, e sua chance de sucesso. O mesmo vale para o país em desenvolvimento: sua maior necessidade é maximizar o impacto em termos de desenvolvimento gerado pelos dólares importados.


A estratégia canadense foi conduzida por bastante tempo; no início dos anos cinquenta, o Canadá atingiu o pleno desenvolvimento e pôde mudar para a uma política de transferir seu próprio capital nacional para investimentos em superestrutura. Embora a estratégia canadense certamente não seja aplicável a muitos países em desenvolvimento atualmente ( e, embora, como em qualquer estratégia, tenha ficado obsoleta por seu próprio sucesso ), foi altamente bem-sucedida, muito barata e resultou em rápido crescimento econômico, enquanto, ao mesmo tempo, assegurou um alto grau de desenvolvimento e justiça social.


O que todo país em desenvolvimento precisa é uma estratégia que olhe para os recursos externos disponíveis, especialmente de capital, como um gatilho para detonar o máximo de aplicação dos próprios recursos do país e para ter o máximo efeito multiplicador. Tal estratégia enxerga a multinacional como um meio para estimular o potencial nacional. Portanto, para tornar as multinacionais agentes eficazes de desenvolvimento nos países em desenvolvimento, é preciso, acima de tudo, contar com uma política de estímulo do setor privado nacional, do empresário nacional e do gestor nacional. Se eles não são estimulados, os recursos trazidos de fora serão inevitavelmente desperdiçados.


Isto porque as multinacionais não conseguem, por si próprias, gerar o desenvolvimento; elas só conseguem girar a manivela, mas não colocar o carro em movimento. É tão inútil e autodestrutivo utilizar o capital estrangeiro como meio para assustar e intimidar a comunidade empresarial local ( como os jovens brilhantes dos primeiros dias da Aliança para o Progresso aparentemente queriam fazer ) quanto para mobilizar a comunidade empresarial nacional contra a perversa multinacional imperialista.


Costuma-se dizer que a multinacional tende a alocar a produção de acordo com a economia global. Isto é perfeitamente correto, embora até agora poucas companhias realmente contem com uma estratégia global. Porém, longe de representar uma ameaça para o país em desenvolvimento, isto é possivelmente um trunfo dos países em desenvolvimento na economia mundial. Longe de privar os governos dos países em desenvolvimento do poder de decisão, a estratégia global das multinacionais pode ser a única maneira de estes governos obterem algum controle efetivo e poder de barganha.


Além do ataque  por um país estrangeiro, a mais séria ameaça à soberania econômica dos países em desenvolvimento, principalmente dos menores ( isto é, a maioria deles ), seria a escassez de divisas. Tê-las é a referência absoluta para a liberdade de decisão. Ao perceberem isto, muitos países em desenvolvimento, principalmente nos anos cinquenta e início da década de sessenta, optaram por uma política deliberada de substituições de importações.


Atualmente, todos aprenderam que, em um prazo não muito longo, isto cria uma dependência igual ou pior de importações e problemas cambiais. Agora entrou na moda uma variante da substituição de importações: uma política de conteúdo nacional que exige da companhia estrangeira produzir uma parcela crescente do produto final no próprio país. Isto, previsivelmente acabará gerando as mesmas consequências da atualmente desacreditada substituição de importações, ou seja, maior dependência de matérias-primas, equipamentos e suprimentos do exterior. Em todos os países, exceto alguns que já possuam mercados substanciais ( o Brasil talvez seja o único - mas, afinal, o Brasil não é mais em desenvolvimento, pelo menos em relação aos dois terços representados pelo centro-sul do país ), tal política provocará, inevitavelmente, o surgimento de uma indústria de alto custo incapaz de competir e de crescer. Esta política certamente gera empregos em prazos muito curtos; mas ela faz isto à custa dos pobres e do potencial do país em gerar empregos no futuro e crescer.


Na verdade, os países em desenvolvimento necessitam de ambos: ganhos cambiais e instalações produtivas grandes o suficiente para fornecer economias de escala e, com elas, um emprego substancial. Elas só conseguem obter isto se conseguiram integrar suas novas instalações produtivas ( seja de bens industrializados ou de produtos agrícolas como frutas e vinho ) com a economia maior e de crescimento mais rápido ao seu redor ( ou seja, o mercado mundial ).


Mas para exportar é preciso conhecimento de mercado, instalações comerciais e financiamento comercial. Também é preciso peso político para superar as forças protecionistas fortemente entrincheiradas, principalmente as dos sindicatos trabalhistas e dos bolcos agrícolas nos países desenvolvidos. A exportação é feita com mais sucesso, com maior facilidade e de forma mais barata se o país já contar com um mercado cativo e assegurado, pelo menos par parte da produção a ser vendida no mercado mundial. Isto se aplica especialmente à maioria dos países em desenvolvimento, cujo mercado interno é muito pequeno para servir de base adequada a uma indústria voltada para a exportação.


A capacidade das multinacionais de alocar produção através das fronteiras nacionais e de acordo com a lógica do mercado mundial deveria, então, ser um importante aliado dos países em desenvolvimento. Quanto mais racionalmente e mais globalmente a produção estiver alocada, mais eles têm a ganhar. A companhia multinacional, por definição, consegue igualar o custo do capital através das fronteiras nacionais ( pelo menos em parte considerável ). Ela consegue igualar, em grande medida, o recurso gerencial; isto é, ela consegue transferir executivos, treiná-los etc. O único recurso que ela não consegue mover livremente é a mão-de-obra. E é precisamente neste recurso que os países em desenvolvimento possuem vantagem.


Esta vantagem tende a crescer. A menos que haja uma prolongada depressão mundial, a mão-de-obra nos países desenvolvidos se tornará cada vez mais escassa e cara ( no mínimo, por causa da baixa taxa de natalidade ), enquanto, ao mesmo tempo, não serão mais possíveis, política ou socialmente, as movimentações em larga escala de pessoas de áreas pré-industriais para países desenvolvidos, como o deslocamento em massa dos negros americanos para as cidades do norte ou as movimentações em massa de trabalhadores convidados para a Europa Ocidental.


Assim, a menos que as multinacionais sejam utilizadas para integrar os recursos produtivos dos países em desenvolvimento na rede de produção da economia mundial ( e principalmente os sistemas de produção e comercialização das próprias multinacionais ), podemos considerar improvável que surjam rapidamente mercados importantes de exportação para a produção em países em desenvolvimento.


Portanto, a estratégia mais vantajosa para os países em desenvolvimento parece ser a de substituir ( ou pelo menos complementar ) a política de conteúdo nacional por uma política que utilize a capacidade de integração das multinacionais para desenvolver grandes instalações produtivas com acesso a mercados no mundo desenvolvido. Uma boa ideia seria estimular investimentos das multinacionais com planos definidos ( e eventualmente compromissos firmes ) de produzir para exportação, principalmente dentro do próprio sistema da multinacional. Conforme demonstraram Taiwan e Cingapura, pode fazer muito mais sentido se tornar o grande fornecedor mundial mais eficiente de um modelo ou componente do que ser um pequeno produtor de custo elevado de um produto inteiro ou de uma linha de produtos. Isto geraria mais empregos e forneceria um produto final a preços mais baratos para os próprios consumidores do país, além de resultar em ganhos cambiais maiores.


Peter Ferdinand Drucker chegou a sugerir uma segunda exigência de integração. É compreensível que os países em desenvolvimento queiram limitar a quantidade de estrangeiros trazidos por uma companhia. Mas já se pode esperar que a multinacional faça isto o máximo possível; afinal, a transferência de pessoal é cara e apresenta todo tipo de problemas. Bem mais importante seria a exigência por parte dos países em desenvolvimento de que a multinacional integrasse o pessoal administrativo e profissional empregado no país em seus planos de desenvolvimento gerencial em todo do mundo. Sobretudo, ela deveria designar uma quantidade determinada de pessoas mais jovens e capazes de suas afiliadas nos nos países em desenvolvimento para trabalhar por três a cinco anos em funções profissionais e administrativas em um dos países desenvolvidos. Até o momento em que Drucker chegou a dizer ter estado sabendo, isto era feito sistematicamente por alguns dos grandes bancos americanos, pela Aluminium Corporation of Canada e pela Nestlé. No entanto, são as pessoas e sua competência necessária mais importante não é técnica ( isto é, a que se pode aprender em um curso ), e sim a gestão de pessoas, marketing e finanças, além de conhecer direta e pessoalmente os países desenvolvidos.


Em resumo, do ponto de vista dos países em desenvolvimento, a melhor utilização dos recursos transnacionais que a multinacional é capaz ( ou deveria ser ) de mobilizar pode muito bem ser o elemento mais positivo na atual economia mundial. A política de autossuficiência não é mais possível atualmente até para o país mais bem-dotado. O desenvolvimento, mesmo em proporções modestas, não pode basear-se em instalações pequenas, não lucrativas e permanentemente de alto custo, seja na indústria ou na agricultura. Nem é provável que ocorra, muito menos de forma rápida, sob a restrição de uma contínua crise de balanço de pagamentos. A integração das capacidades e vantagens dos países e, desenvolvimento na economia mundial é a única saída. A capacidade da multinacional para a integração produtiva através das fronteiras nacionais parece ser a ferramenta mais promissora para isto.


Embora se acredite amplamente que a posse de cem por cento das ações por parte da empresa-mãe seja a única estrutura corporativa para a multinacional, isto nunca foi verdade. Em um país tão importante quanto o Japão, isto tem sido a mais rara exceção, com muitas companhias não japonesas operando através de joint ventures. A Sears, Roebuck tem uma pareceria em todo o Canadá com uma importante cadeia de varejo local, a Simpson's. O Chese Manhattan Bank opera em muitos países como sócio minoritário com bancos locais. A Adela, empresa multinacional de capital de risco na América Latina, e por muitos anos a instituição de desenvolvimento de maior sucesso em todo o mundo, limita-se, desde o início, a participações minoritárias em seus empreendimentos; e assim por diante.


No entanto, é verdade que, historicamente, a propriedade de cem por cento das ações tem sido a forma preferida e que qualquer alternativa apresentaria maior probabilidade de tornar mais difíceis a unidade de ação, a visão e a estratégia. De fato, a restrição do investidor estrangeiro para menos de cem por cento de controle ou para uma participação minoritária ( como nos acordos estrangeiros ) é feita claramente com a intenção de ser uma coação ao estrangeiro, se não como medida punitiva.


No entanto, cada vez mais o pêndulo tende a balançar para o outro lado. De fato,talvez não fosse muito absurdo prever que, daqui a poucos anos, o sentimento contra o estrangeiro venha assumir a forma de exigir cem por cento de investimento de capital externo nas companhias nacionais nos países em desenvolvimento, e de se mover na direção de proibir parcerias ou joint ventures com o capital local por ser um dreno dos poucos recursos de capital de um país. a multinacional descobrirá que é cada vez mais vantajoso estruturar a propriedade das mais variadas maneiras, principalmente de formas que, ao mesmo tempo, tornem possível ter acesso ao capital local e ao talento local.


Os mercados de capital estão rapidamente se tornando policêntricos. As multinacionais precisarão aprender então a estruturar seus negócios para conseguir alcançar qualquer mercado de capital ( seja nos Estados Unidos da América - EUA, na Europa ocidental, Japão, Brasil, Beirute ou em outro local ). Não é fácil conseguir isto para uma empresa-mães monolítica que detém o controle integral das filiais. Quando companhias ( por exemplo, da Europa ocidental ) levantam dinheiro no exterior, muitas vezes preferem instrumentos financeiros como debêntures conversíveis, dos quais os próprios mercados de capital da matriz, ou os EUA, especificamente não gostam e com os quais não lidam facilmente. Há também cada vez mais evidências de que a capacidade para levantar capital de uma multinacional muito grande, especialmente capital de giro de médio prazo, pode ser substancialmente amentada ao se fazer com que os segmentos importantes do sistema sejam capazes de se financiar, em grande parte, dentro dos próprios mercados de capital e com seu próprio público investidor e instituições financeiras.


Porém, o capital também é passível de ficar escasso nos próximos anos, beirando a uma grande depressão. Isto também pode significar que as multinacionais somente estarão dispostas ou serão capazes de investir nos mercados pequenos, menos rentáveis e de crescimento mais lento ( isto é, em países em desenvolvimento ) se estes países fornecerem uma grande parcela do capital necessário, em vez de o investidor estrangeiro colocá-lo integralmente.


O exemplo do Japão é prova de que isto já está ocorrendo. Esperava-se que a eliminação das restrições sobre o investimento estrangeiro gerasse uma grande corrida de ofertas públicas de aquisições e empreendimentos com cem por cento de capital externo. Em vez disto, agora é o investidor ocidental, americano e europeu, que cada vez mais pressiona por joint ventures no Japão e espera que o sócio japonês forneça o capital, enquanto ele fornece a tecnologia e o conhecimento sobre o produto.


Talvez ainda mais importante seja a necessidade de estruturar para outros tipos de controle diferentes de cem por cento para obter o necessário talento administrativo nos países em desenvolvimento. Se a afiliada no país em desenvolvimento não é uma filial, e sim uma empresa em separado, com substancial investimento de capital de fora, o papel e a posição de seus executivos passam a ser de gerenciamento efetivo. Eles passam a ser o que deveriam ser, ou seja, uma verdadeira alta administração, muito embora, em termos de emprego e de vendas, sua companhia chegue a ser considerada insignificante dentro das preocupações da gigante.


Além disto, se a multinacional tentar verdadeiramente integrar a produção através das fronteiras nacionais, uma alta administração de considerável estatura torna-se ainda mais necessária. Pois, neste caso, os administradores da afiliada em um país em desenvolvimento precisarão levar em conta, ao mesmo tempo, os negócios em nível nacional e estratégia global. Eles precisarão ser altos executivos no próprio país e estabelecer, em nível local, relações econômicas, financeiras, políticas e trabalhistas altamente complexas, e ao mesmo tempo atuar como membros efetivos de uma equipe em um sistema de gestão mundial. Fazer isto como um subordinado é quase impossível. é preciso ser um  igual, com um comando verdadeiramente autônomo.


Internamente nos EUA, houve um aprendizado há muito tempo que o controle foi divorciado da propriedade e que, na verdade, está muito rápido se tornando praticamente independente da propriedade. Não há razão para o mesmo desdobramento não vir praticamente independente de a propriedade. Não há razão para o mesmo desdobramento não vir a ocorrer internacionalmente, e pelos mesmos dois motivos:


1) A propriedade não dispõe de capital suficiente para financiar o escopo dos modernos grandes negócios e


2) A administração, isto é, o controle, precisa ter competência profissional, autoridade e ficar de pé por si só.


Nos EUA, o divórcio entre o controle e a propriedade não minou o controle. Pelo contrário, ele tornou a administração e o controle gerencial mais poderosos, mais resolutos e mais coesos.


Não há um motivo inerente para que o abandono da opção de cem por cento de propriedade nos países em desenvolvimento venha a tornar impossível a manutenção de uma coesão comum e um controle central. Pelo contrário, pelo fato de ampliar a base de capital da multinacional em um período de escassez mundial de capital e pelo fato de criar parceiros locais, sejam eles empresários ou agências governamentais, o divórcio entre o controle e a administração pode muito bem fortalecer a coesão e, efetivamente, até mesmo representar um pré-requisito para uma verdadeira estratégia global.


Ao mesmo tempo, esta parceria pode aumentar o impacto no desenvolvimento do investimento da multinacional ao mobilizar capital nacional para investimento produtivo e por acelerar o desenvolvimento de empresários e gestores locais.


Reconhecidamente, a propriedade mista tem graves problemas; mas eles não parecem ser insuperáveis, como provam as joint ventures japonesas. Ela também apresenta vantagens; e em um período de escassez mundial de capital, é a multinacional que parece ser a principal beneficiária. de fato, é possível argumentar que os países em desenvolvimento, se quiserem atrair investimento estrangeiro neste período, precisam oferecer o investimento conjunto de capital, e estas condições para a participação do investimento local na propriedade passarão a ser vistas ( e previsivelmente criticadas ) como favoráveis ao investidor estrangeiro, e não limitadoras.


A multinacional, embora a inovação seja mais importante e mais visível no campo econômico do período do pós-guerra, é principalmente o sintoma de uma mudança muito maior. Ela é uma resposta ao surgimento de uma verdadeira economia mundial. Esta economia mundial não é uma aglomeração de economias nacionais, como foi a economia internacional do século dezenove. Ela é fundamentalmente autônoma, tem sua própria dinâmica, seus próprios padrões de demanda e duas próprias instituições - e os Direitos Especias de Saque ( DES ) possui até mesmo sua própria moeda e sistema de crédito em forma embrionária. Pela primeira vez em mais de quatrocentos anos ( desde o século dezesseis, quando a palavra soberania foi cunhada ), a unidade territorial política e a unidade econômica não são mais congruentes.


Compreensivelmente, isto parece ser uma ameaça para os governos nacionais. A ameaça é agravada pelo fato de que ninguém até agora tem uma teoria que possa ser aplicada à economia mundial. Consequentemente, não há hoje uma política econômica testada, eficaz e previsível: testemunha disto é a impotência dos governos diante da inflação mundial.


As multinacionais representam apenas um sintoma. Sua supressão, previsivelmente, apenas agravaria a doença. No entanto, sempre foi tentador combater os sintomas em vez de buscar a cura. Portanto, é bem possível que as multinacionais venham a ser gravemente prejudicadas e talvez até mesmo destruídas dentro das próximas décadas. Se isto ocorrer, será feito pelos governos dos países onde estão as matrizes das multinacionais, ou seja, EUA, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Japão, Suécia, Holanda e Suíça ( os países com noventa e cinco por cento das multinacionais do mundo estão domiciliadas e que, juntos, respondem por pelo menos setenta e cinco por cento dos negócios e lucros das multinacionais ). As nações em desenvolvimento podem contribuir emocional e retoricamente para as decisões, mas pouco mais do que isto. isto porque elas não são importantes o suficiente para as multinacionais 9 ou para a economia mundial ) para causar um impacto maior.


Mas, ao mesmo tempo, o surgimento de uma verdadeira economia mundial é uma esperança real para muitos dos países em desenvolvimento, especialmente para a maioria que, isoladamente, é muito pequena para ser viável como economias nacionais diante das tecnologias atuais, da necessidade de pesquisa atual, da necessidade de capital atual e das facilidades atuais em termos de transporte e comunicação. Os próximos anos são aqueles em que estes países mais precisarão das multinacionais e em que haverá as maiores oportunidades de se beneficiar com elas. Pois estes anos serão aqueles em que os países em desenvolvimento terão de encontrar empregos e renda para o maior número de novos participantes da força de trabalho em sua história, enquanto, ao mesmo tempo, os países desenvolvidos passarão por uma forte contração já bastante avançada no Japão e em partes da Europa ocidental e que terá alcançado os EUA. Os empregos de que os países em desenvolvimento precisarão tão desesperadamente para os próximos anos exigirão, em grande medida, a presença de multinacionais ( seu investimento, tecnologia, competência gerencial e, acima de tudo, capacidade de comercialização e de exportação ).


A maior esperança para os países em desenvolvimento obterem uma nacionalidade política e cultural e obterem as oportunidades de empregos e os ganhos em exportação de que precisam é através do poder integrador da economia mundial. E sua ferramenta é, acima de tudo, a companhia multinacional, se estiverem dispostos a utilizá-la ( precisamente porque ela representa a economia global e atravessa as fronteiras nacionais ).


A multinacional, se sobreviver, certamente será diferente no futuro; terá uma estrutura diferente e será transnacional, e não multinacional. No meio mais eficaz de construção da nacionalidade para o mundo em desenvolvimento. Outras informações podem ser obtidas no livro Rumo à nova economia, de autoria de Peter F. Drucker.          

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