A escalada armamentista do bolsonarismo atinge números cada vez mais preocupantes, ano após ano. O 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta quinta-feira (15), revela que em dezembro de 2020 foi atingida a marca de 2.077.126 armas legais particulares pelo Brasil. O número equivale a um cidadão armado para cada 100 brasileiros e brasileiras.
A entidade compilou dados dos sistemas da Polícia Federal (Sinarm), que inclui armas registradas em nome de cidadãos e empresas, e do Exército (Sigma), que registra armamentos de uso pessoal de policiais militares, bombeiros e membros das Forças Armadas, além do grupo de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs).
Não foram contabilizadas as armas pertencentes a instituições do poder público, que somam 359,8 mil, ou menos de um quinto do total das armas particulares em circulação no país. E o volume destas últimas cresce desproporcionalmente em relação ao arsenal do Estado, o detentor constitucional do monopólio do uso legítimo da força.
No Sinarm, o número de armas registradas dobrou entre 2017 (638 mil) e 2020 (1,2 milhão). Eram pouco mais de 1 milhão em 2019. Os registros ativos cresceram em todos os estados. Em onze deles, o salto foi de 100%, mas no Distrito Federal chegou a 562% – de 35,7 mil armas registradas em 2017 para 236,3 mil, em 2020.
No Sigma, onde o número de armas cadastradas chegou a pouco mais de 1,1 milhão em 2020, os caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) têm registradas 560 mil armas, contra 510 mil de uso pessoal de policiais militares, bombeiros e membros das Forças Armadas. Uma evolução também desproporcional, causada pela corrida ao registro de CACs, categoria mais beneficiada com o “liberou geral” de Jair Bolsonaro.
Sob a flexibilização de critérios, o número de pessoas físicas registradas como caçadores, atiradores ou colecionadores cresceu 43% em um ano, de 200 mil para 287 mil. Já o número de armas registradas nesta categoria cresceu 30%, de 433 mil para 561 mil, ou quase duas armas para cada pessoa registrada como CACs, grupo beneficiado ainda pelo acesso a armas de fogo de cano longo, como carabinas, espingardas e fuzis.
Ivan Marques, advogado, presidente da Organização Internacional Control Arms e integrante do fórum, afirmou ao G1 que a liberação do “porte de arma em trânsito”, por meio de decreto, gerou casos em que atiradores passaram a portar armas sem necessariamente estar a caminho de treinos ou competições. Também foram descobertos traficantes de armas com registro de CACs.
Mais armas trazem mais violência e mais mortes
O resultado lógico do ativismo de Bolsonaro, que facilita a compra e o porte de armas e também fragiliza os mecanismos de controle, é o aumento da violência, avalia Isabel Figueiredo, do Conselho de Administração do fórum. Para a mestre em direito constitucional pela PUC, uma arma comprada precisa ser analisada por dois ângulos.
“Tem que olhar essa arma que está na mão do sujeito que a comprou. É uma arma que pode agravar situações de violência doméstica, pode agravar a situação interpessoal. As armas escalam uma situação de violência. Um bate-boca ou uma briga com uma arma tem uma tendência de ter um resultado piorado. Um estudo do Ipea mostra que, com 1% a mais de circulação de armas, aumenta em 2% o número de homicídios. Também há um aumento de acidentes envolvendo crianças e de suicídios”, enumerou.
“E o segundo impacto é que essa arma não fica na mão de quem comprou, essa arma é perdida, roubada, furtada, extraviada e até vendida, e ela está aumentando a criminalidade em geral. No mínimo 40% das armas apreendidas pela polícia são dos chamados ‘cidadãos de bem’, promotores, comerciantes, etc, que de alguma forma tiveram a arma extraviada e, com isso, vão alimentar a criminalidade urbana em geral.”
À Folha de São Paulo, a advogada voltou a apontar o responsável direto pelo ciclo belicoso: “O governo tem uma atuação completamente irresponsável que desconsidera o conhecimento científico em torno do tema de controle de armas. Temos um conjunto robusto de evidências que relacionam o maior número de armas circulando com o aumento da violência”.
Após dois anos de reduções, as mortes violentas voltaram a apresentar números crescentes no país. Em 2020, 50.033 pessoas foram assassinadas em território nacional, 4% a mais que em 2019 e o equivalente a uma morte a cada dez minutos.
Em sentido oposto, o número de apreensões de armas irregulares apresenta redução contínua ao longo dos últimos anos. Dados do Anuário coletados nas secretarias de Segurança estaduais mostram que houve 109,1 mil armas apreendidas em 2020, contra 111,8 mil no ano anterior. Também caiu a destruição das armas: 50,4% em relação a 2019, segundo o Exército.
Humberto Costa: Bolsonaro sabota vacinas, mas libera armas
Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, Humberto Costa (PT-PE) foi ao plenário em março denunciar a renitente inação do desgoverno Bolsonaro para comprar vacinas contra a covid-19, enquanto a importação de armas crescera 2.656% em 2020. Mais de US$ 29,3 milhões (R$ 150 milhões) em revólveres e pistolas ingressaram no país ano passado, a maior média da série histórica, iniciada em 1997.
“O Brasil está vivendo um verdadeiro derrame de armas letais. Isso é um risco para a democracia. O que está havendo é o armamento de uma parcela da população civil, é o armamento de milícias para atender aos interesses de Bolsonaro e seu grupo”, apontou o senador.
“O que mais nos preocupa é que estão sendo formados verdadeiros exércitos privados para dar apoio a Bolsonaro no seu objetivo de destruir com a democracia, de acabar com as liberdades e de implantar uma ditadura, o que ele quer fazer com o respaldo destes grupos paramilitares”, finalizou.
Também em março, a “política de morte” de Bolsonaro foi denunciada na 46ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), em Genebra. As organizações brasileiras Igarapé, Sou da Paz e Conectas exigiram ação imediata do Judiciário e do Congresso Nacional para conter a escalada armamentista promovida desde a posse de Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019.
Há pelo menos dez contestações aos decretos editados por Bolsonaro aguardando julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Também se encontram no Congresso Projetos de Decreto Legislativo (PDL) para revogar as medidas que tramitam no parlamento.
Em 12 de abril, a ministra Rosa Weber, relatora da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6677, ajuizada em fevereiro pelo Partido dos Trabalhadores, concedeu medida cautelar pleiteada na ação para suspender trechos de decretos editados em fevereiro.
Entre os cinco dispositivos suspensos estão os que tratam do afastamento do controle do Exército sobre armamentos de uso restrito; da autorização para a prática de tiro recreativo sem registro prévio; da aquisição de até seis armas de fogo por cidadão; do aumento do limite máximo de munições adquiridas pelos CACs. A decisão foi levada ao Plenário do STF em sessão virtual, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vistas.
Com informações de pt.org.br .
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