O desmonte do Estado nacional, iniciado com o “teto de gastos” do usurpador Michel Temer, atinge marcas históricas com Jair Bolsonaro, e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32/2020, da “reforma administrativa”, irá aprofundar o que é tratado eufemisticamente como “enxugamento” pela imprensa corporativa.
Na esteira do avanço da proposta no parlamento, a Folha de S. Paulo apresentou neste domingo (18) um quadro desse “enxugamento” promovido pelos governos do golpe. A taxa de reposição dos funcionários que se aposentam, por exemplo, é a menor da série histórica. Na média dos últimos três anos, apenas 11,6 mil novos servidores foram contratados.
O encolhimento da máquina acelerou durante a tramitação da reforma da Previdência, aprovada em 2019, levando a uma onda de aposentadorias no setor público. Nos últimos sete anos, o total de inativos na folha de pagamento federal saltou de 384,2 mil para 426,5 mil pessoas.
Em 2007, os servidores públicos estatutários na máquina pública federal eram 333,1 mil, segundo o Painel Estatístico de Pessoal (PEP) do governo federal. Hoje, o número desses servidores, que têm direito a estabilidade e planos de progressão automática nas carreiras, caiu para 208 mil.
O marco inicial do esvaziamento da máquina é a entrada em vigor da regra do teto de gastos instituída pela “PEC da morte”, em 2017, imediatamente reduzindo o ritmo do aumento da despesa anual com servidores civis na ativa. Bolsonaro, que restringiu as contratações e congelou os vencimentos dos servidores, fez esse ritmo cair de modo “inédito”, mesmo com os generosos reajustes concedidos aos militares desde 2019.
Dados da Secretaria do Tesouro Nacional corrigidos pela inflação apontam que os salários e encargos do funcionalismo federal civil ativo e inativo chegam a R$ 335,4 bilhões em 2021, R$ 2 bilhões a menos do que no primeiro ano de Bolsonaro. Em contrapartida, áreas essenciais como Ministério da Saúde, IBGE, Ibama (-40% funcionários em sete anos) e INSS (-50%) perderam entre um terço e a metade dos servidores.
As consequências do “enxugamento inédito” surgem no dia a dia da população. A fila de pedidos para aposentadoria e outros benefícios no INSS, por exemplo, chega a 1,9 milhão de pessoas, incluindo mais de 400 mil com restrições na documentação.
Economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que perdeu 30% dos servidores em sete anos, Cláudio Hamilton dos Santos contemporiza, afirmando que a máquina federal “foi obrigada a ganhar mais eficiência e a se informatizar, compensando a falta de pessoal em algumas áreas”.
A expectativa de aprovação da reforma administrativa, afirma, freou a reposição de pessoal, uma vez que, aprovada e sancionada, a nova regra possibilitaria contratar servidores com “regras menos rígidas do que as atuais, que incluem estabilidade, salários iniciais elevados e progressões automáticas na carreira”.
Digitalização não compensou a falta de servidores
Luís Cláudio de Santana, secretário de Comunicação da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), contesta o economista. Segundo ele, a digitalização da burocracia no serviço público não compensou a falta de servidores na maioria dos órgãos, e deveriam ser realizados imediatamente novos concursos públicos.
A entidade mantém a campanha “Cancela a Reforma Já”, contra a proposta do desgoverno Bolsonaro. “O que deveria estar em discussão é como melhorar a eficiência do serviço público”, defende o dirigente sindical. “Existem 255 carreiras e planos de cargos e 301 tabelas salariais. Isso é ineficiente e desnecessário, mas não é o que está sendo discutido na reforma, que deixaria isso para depois, via projeto de lei.”
No artigo “O desmonte do Estado brasileiro”, publicado em abril no Estado de São Paulo, Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), alerta para as consequências da redução da despesa com o funcionamento da máquina pública.
“Na verdade, políticas públicas essenciais estão sendo desidratadas ao longo dos últimos anos. Dada a opção pelo teto de gastos, mas sem avanços para conter a despesa mandatória, a fatura vai recaindo sobre o gasto discricionário (mais exposto à tesoura)”, afirmou o economista.
“As despesas discricionárias do Executivo estão orçadas em R$ 74,6 bilhões para 2021. É o menor nível da série. O Ministério da Educação ficou com R$ 8,9 bilhões. Somando as emendas de relator-geral, vai a cerca de R$ 10 bilhões. Em 2016 as despesas discricionárias executadas nessa área totalizaram R$ 21,8 bilhões. Isto é, o valor de 2021 corresponde à metade do observado cinco anos atrás. Isso sem considerar a inflação do período. Uma redução brutal”, afirmou.
Até na pasta da Saúde, as despesas obrigatórias ficaram em R$ 15,5 bilhões, apenas meio bilhão acima do valor observado em 2016. “Somando as emendas de relator-geral remanescentes (após os cortes do presidente da República), esse valor sobe para R$ 23,3 bilhões. Ainda assim, é um patamar muito baixo, sobretudo quando comparado a 2020 (o dobro), que também foi um ano de pandemia”, prossegue o economista.
“No ano passado o governo não planejou o Orçamento público de 2021 para um cenário de recrudescimento da crise pandêmica. O plano deveria ser realista e coerente com a responsabilidade fiscal. Já se sabia das dificuldades a serem enfrentadas neste ano, dos riscos de novas ondas da covid-19 e da precariedade social, econômica e fiscal”, sentencia o diretor-executivo da IFI.
“O ‘deixa como está para ver como é que fica’ custou caro. Após os cortes, pode-se até cumprir o teto, mas não sem um desmonte do Estado brasileiro. Ou isso ou vão acumular uma montanha de contas a pagar para 2022”, conclui Salto.
Na nota técnica “Os efeitos da reforma administrativa para a sociedade brasileira”, publicada em abril, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) detalhou os efeitos nocivos da PEC 32.
“A proposta pretende modificar a forma de funcionamento do Estado brasileiro por meio de medidas que vão muito além das alterações para a contratação e demissão de servidores(as) públicos(as). Isso porque os serviços prestados pelos governos aos cidadãos – muitos deles consagrados como direitos, especialmente na Constituição de 1988 – podem ser profundamente alterados”, alerta a entidade.
“Caso a proposta seja aprovada, o acesso a muitos desses serviços será restringido e a qualidade do serviço ofertado pode se deteriorar. Ela impacta não apenas a vida dos(as) servidores(as) e empregados(as) públicos(as), mas a de todos(as) os(as) brasileiros(as)”, aponta a nota do Dieese.
Com informações de pt.org.br .