A ótica dominante e a impossibilidade de fazer política ( *32 vide nota de rodapé ) desde os Direitos Humanos
A conclusão se apoia em fatos empiricamente observáveis ao nível da ação do Estado e das entidades de Direitos Humanos. A rigor, ela se dirige para estas últimas, uma vez que o ator estatal sempre pode formular e levar a cabo uma política sobre qualquer questão, bastando desencadear os mecanismos do processo decisório que controla. A prova é que existe, por exemplo, uma "Política de Direitos Humanos" do governo Alfonsín, produtora de resultados tangíveis ( reformas na legislação, julgamento dos responsáveis pelo terrorismo estatal e pela guerrilha etc. ) ( *33 vide nota de rodapé ). Mas, ainda em caso limites como o argentino, a conclusão não perderia sua validade, dado que a qualquer Estado resultaria impossível manter - no interior da complexa trama da relações de poder em que atua - um comportamento absolutamente compatível com os princípios que proclama. No plano da política internacional ( domínio por excelência do self-helps e do imperativo de sobrevivência dos Estados ), abundam os exemplos de incongruência ou congruência relativa ( os Estados Unidos da América durante a administração Carter ou a França do governo socialista ), quando não de deslavado uso ideológico ( a administração Reagan ). No plano interno, bastaria citar a trajetória já assinalada do governo Alfonsín, que logo após o fracasso de seu cálculo estratégico inicial, invocando "razões de Estado" - leia-se questão militar - ditou a chamada política de "Ponto Final" com o objetivo de reduzir o problema do julgamento penal dos militares a proporções consideradas do julgamento penal dos militares a proporções consideradas manejáveis ou absorvíveis em termo de governabilidade.
Já a impossibilidade de fazer política ( *32 vide nota de rodapé ) a partir dos Direitos Humanos por parte das entidades de defesa e dos embrionários movimentos sociais que elas lideram, se manifestaria de maneira inequívoca. A questão estaria em saber distinguir os elementos de continuidade e de ruptura, assim como de prioridades diferentes, que acompanham a passagem da situação autoritária para a de normalização democrática. Sob as ditaduras, a luta pelo restabelecimento dos direitos fundamentais produz uma série de impactos sobre os regimes militares, as sociedades civis e mesmo sobre as ações de defesa ( limitação do acionar dos aparelhos repressivos, crises de legitimação dos regimes, reaglutinamento de forças sociais e políticas de oposição, formação e difusão de valores próprios para a convivência democrática, crescimento e reformulação de estratégia de resistência, etc. ). E são estes impactos que, de fato, lhe têm permitido reconhecer-se e ser reconhecida como uma prática altamente politizada ( *32 vide nota de rodapé ), não obstante sua enunciação em termos de exigência puramente moral e jurídica. É que ao suprimir-se a ação política fora do Estado, sob pena de receber as mais severas sanções físicas, a reivindicação de que "o homem ( qualquer homem ) tem direitos contra o Estado" não pode senão adquirir o sentido imediato de uma mobilização antiestatal, quer dizer, a significação de uma política contra o terrorismo de Estado ( *4 vide nota de rodapé ).
Segundo a ótica dominante, com a volta do Estado de Direito e da democracia representativa, esta politização ( *32 vide nota de rodapé ) originária da luta em favor dos Direitos Humanos persiste, mas apenas em virtude da existência de dois conhecidos problemas herdados do passado que, entretanto, continuam a organizar, em graus variáveis, a vida política presente destas sociedades: os fenômenos vinculados à reparação social as subjetividades violadas ( desde denúncias de crimes e culpados até causas abertas nos tribunais ) e as ameaças reais e imaginárias de novo retrocesso autoritário ( desde o mal-estar e pressões das corporações militares até a atuação concreta do terrorismo de direito ). Pelo contrário, quando a luta pelos Direitos Humanos abandona o terreno defensivo-negativo contra as sobrevivências e os espectro do passado recente e procura desenvolver novas ações de defesa e promoção no quadro do estado democrático de direito, esta politização ( * 32 vide nota de rodapé ) originária tende de imediato a desaparecer. É que, ao cessar as violações por motivos políticos, inerentes a situações de ditadura, toda reivindicação de direitos passa a ser visualizada como questão que se resolve, seja no âmbito do direito positivo e das instituições judiciais, seja na arena política formal onde atual seus atores convencionais ( governo, partidos, grupos de pressão ). Daí, a consequência inevitável que a estabilização e a consolidação democrática trariam, no limite, sobre um movimento social de Direitos Humanos: crise de identidade e progressiva debilidade, quando não extinção pura e simples. Por isto, não deveria causar tantas surpresas o surgimento de certos indicadores nas atuais conjunturas nacionais ( isolamento e declínio relativo da capacidade mobilizadora dificuldades crescentes de relacionamento autônomo compartidos e sindicatos, busca amiúde infrutífera de novas formas de ação no contexto de redemocratização, etc. ). Seguindo esta lógica de raciocínio e ainda que ninguém ouse afirmá-lo, também se deveria aceitar, em última análise, aquilo que talvez seja o paradoxo supremo da questão dos Direitos Humanos na região: nos momentos em que eles se convertem na problemática legítima do Estado em que eles se convertem na problemática legítima do Estado e da sociedade civil, seus artífices principais são condenados a desaparecer ou a levar uma vida fantasmagórica ligada ao passado ( *34 vide nota de rodapé ). Algo assim como a maldição do autoritarismo que, enquanto persiste, fortalece os movimentos de Direitos Humanos e quando se extingue, os desvitaliza.
P.S.:
Notas de rodapé:
* As violações aos Direitos Humanos que sustentaram a Doutrina de Segurança Nacional são melhor detalhadas em:
*2 O que é a Doutrina de Segurança Nacional e seu impacto sobre os Direitos Humanos são melhor detalhado em:
*3 O que é o crime de tortura é melhor explicado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-23 .
*4 O que é a limitação do poder estatal sobre o status libertatis do indivíduo é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-82 .
*5 O que são as penas inaplicáveis como a pena de morte e banimento, é melhor explicado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-70 .
*6 O direito ao desenvolvimento nacional é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-8 .
*7 O direito à vida é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .
*8 Os crimes contra a humanidade, em especial o de genocídio são melhor detalhados em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-67 .
*9 O direito ao trabalho é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-48 .
*10 O direito de livre associação é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-53 .
*11 O direito à presunção de inocência é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-77 .
*12 O direito à liberdade de manifestação do pensamento é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-24 .
*13 O direito à liberdade de culto é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-34 .
*14 A teoria geral dos direitos humanos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*15 O princípio da igualdade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-16 .
*16 O direito à intimidade e à vida privada é melhor detalhado em
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-44 .
*17 O direito à inviolabilidade do domicílio é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-43 .
*18 O direito à propriedade é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .
*19 O fenômeno da exploração de uma maioria por uma minoria é melhor detalhado em:
*20 A violência o campo é melhor detalhada em:
*21 O direito a um meio ambiente equilibrado é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*22 O direito à saúde pública é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*23 O direito das crianças e adolescentes à proteção integral é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*24 O direito ao acesso à justiça é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-85 .
*25 O direito à dignidade humana é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .
*26 A liberdade de informação e livre divulgação dos fatos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-49 .
*27 O mito de que defensores de Direitos Humanos são defensores de bandidos, são melhor desfeitos em:
*28 A lei dos crimes hediondos é melhor detalhada em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-68 .
*29 O direito de reunião é melhor detalhado em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-52 .
*30 A exploração pelo jornalismo policial radiofônico contra os Direitos Humanos é melhor detalhada em:
*31 As regras mínimas para tratamento de reclusos são melhor detalhadas em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-74 .
*32 A politização dos Direitos Humanos no Cone Sul é melhor detalhada em:
*33 Para uma interpretação do caso argentino, ver José María Gómez: "O Testamento de uma Herança: Direitos Humanos, Autoritarismo e Transição à Democracia na Argentina", in Contexto Internacional, número Um, Rio de Janeiro, IRI / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Mil novecentos e oitenta e cinco; e também "O Processo às Juntas Militares na Argentina: História de uma Correlação de Forças", in Brasil: Perspectivas Internacionais, número Oito, outubro-dezembro de Mil novecentos e oitenta e cinco, Rio de Janeiro, IRI / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
*34 É claro que isto só teria validade para aqueles movimentos e associações cujo objetivo fosse, exclusivamente, a defesa dos direitos humanos.
Referência
Santos Júnior, Belisário; Plastino, Carlos Alberto; Junqueira, Eliane Botelho; Rodrigues, José Augusto de Souza; Gómez, José Maria; Barbosa, Marco Antonio Rodrigues. Direitos humanos - um debate necessário. Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Editora Brasiliense. Mil novecentos e oitenta e oito. Páginas Oitenta e cinco a Oitenta e nove.
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