sexta-feira, 16 de julho de 2021

Direitos humanos: a exploração de uma minoria sobre a grande maioria do povo

Introdução


Ao participar de um projeto de educação em Direitos Humanos, o qual representa um desafio, desde logo uma premissa se coloca: os Direitos humanos, além de seu conteúdo ético e moral, possuem conteúdo político, na medida em que estão inseridos em uma determinada realidade, com componentes históricos, econômicos, políticos e sociais; não são apenas uma questão teórica, de enunciados; são plena e efetiva vigência. Não basta apenas definir os Direitos Humanos, mas assegurar sua observância.


É forçoso reconhecer que, ao longo da história universal, é trágico o desrespeito aos Direitos Humanos. E na história latino-americana, em geral, e na brasileira, em particular, é notável a negativa total e absoluta destes direitos aos cidadãos menos favorecidos economicamente. trata-se de uma história marcada por profundas desigualdades entre os que tudo têm e os que nada possuem, compondo os primeiros uma estrutura político-social elitizada e oligárquica, resistente e quaisquer transformações essenciais para a melhoria da qualidade de vida dos últimos, economicamente fracos e inseridos no âmbito de um sistema explorador que, muitas vezes, quando ameaçado, também tortura e mata.


Por isto, no contexto histórico-político atual, nacional e internacional, a luta pelos Direitos humanos deve ser entendida como uma poderosa ferramenta de transformação social, com o objetivo de construir uma sociedade mais justa , e um instrumento de luta contra a exploração do homem pelo homem, vale dizer, contra a exploração da maioria dos cidadãos menos favorecidos economicamente pelas minorias elitizadas e oligárquicas.


Este texto pretende suscitar questões meramente teóricas. A perspectiva deste trabalho, ao mesmo tempo em que busca transmitir, fundamentada em uma prática social, um contexto de injustiça social e violação dos Direitos Humanos, pretende exprimir convicções, esperanças e compromissos estreitamente ligados à libertação da maioria dos povos pobres e oprimidos. A postura neutra e por vezes olímpica em relação aos Direitos humanos, além de mascarar a realidade, contribui para a perpetuação da situação de injustiça social predominante na atual sociedade. importa é saber quem está à margem daqueles direitos e por quê.


Ao relacionar a luta pelos Direitos Humanos aos princípios da cidadania, democracia, justiça, liberdade e igualdade, conclui-se, desde logo, pela inexistência destes valores para a grande maioria da população, na atual sociedade; não obstante, tais preceitos afetam a todos os cidadãos, influem no cotidiano de suas vidas e do seu pleno respeito e vigência depende a construção de um mundo melhor.


Os Direitos Humanos na realidade brasileira


Há séculos, em verdade desde o colonialismo até os tempos atuais, observados os diversos regimes políticos, democracias formais ou ditaduras militares, as relações sociais no Brasil sempre foram marcadas pela exploração e dominação de uma minoria sobre a grande maioria do povo, de uma classe oligárquica sobre as outras classes.


A permanente tentativa de dissimulação deste conflito pela elite minoritária e dominante, a negativa da realidade de exploração e dominação chegam ao seu limite máximo, durante os regimes ditatoriais, quando a violação aos Direitos Humanos também atinge seu ápice.


Em mil novecentos e sessenta e quatro, os militares brasileiros impuseram ao país um modelo econômico antinacional e antipopular, possibilitando ainda maior concentração de renda com as elites; reforça-se o desnível social mais alto do mundo, conhecido como capitalismo selvagem.


Atualmente, na realidade brasileira, verifica-se o injusto contraste entre a miséria absoluta ( que em dois mil e quatorze foi erradicada e já voltou ) da grande maioria da população e a total riqueza da minoria dominante, daí emergindo a inexistente de Direitos Humanos para esta maioria. Este injusto contraste, inicialmente, pode ser constatado em revelação do Banco Mundial, que considerava o Brasil ( na época da pesquisa ) ser o primeiro da lista dentre os cinco países de mais alta taxa de concentração de renda, superando o Nepal, Quênia, Panamá, Peru, Índia e México.


Exemplo eloquente e revelador da miséria absoluta pode ser melhor aferido nos seguintes dados: em Mil novecentos e oitenta, Sessenta por cento das famílias tinham rendimentos mensais de até três salários mínimos e Quarenta e dois por cento estavam na faixa de até meio salário mínimo; em Mil novecentos e oitenta e quatro, quase Doze milhões de famílias, Trinta e sete vírgula seis por cento do total, tinham rendimentos de até dois salários mínimos.


E ainda quanto à concentração de renda com a minoria ( Dez por cento mais ricos ), verificava-se ( à época da pesquisa ) que, por exemplo, em Mil novecentos e oitenta e cinco, tornava-se mais intensa do que nos três anos anteriores, e muito mais do que em Mil novecentos e setenta, ou Mil novecentos e sessenta, contrariando os ideólogos e economistas defensores deste modelo econômico injusto, que apresentava o mais grave grau de desigualdade existente até então dentre todos os Cinquenta países para os quais havia dados disponíveis. ( * vide nota de rodapé )


Segundo a tabela sobre distribuição de renda do Relatório do Desenvolvimento do Mundo ( de Mil novecentos e oitenta e sete, por exemplo ), o Brasil era o primeiro em disparidade de renda, tomando-se como critério aquele país onde os Dez por cento mais ricos detinham a maior parcela da renda nacional da época. Com efeito, no Brasil, à época, os Dez por cento mais ricos detinham mais da metade ( Cinquenta vírgula seis por cento, em Mil novecentos e setenta e dois, por exemplo ), ou praticamente a metade ( Quarenta e sete vírgula sete por cento, em Mil novecentos e oitenta e cinco, por exemplo ) da Renda Nacional da época. Em países pobres de renda per capita próxima à do Brasil, como a Argentina e o México, respectivamente, de Quarenta vírgula seis por cento ( dados de Mil novecentos e setenta e sete, por exemplo ) e Trinta e cinco vírgula dois por cento ( dados de Mil novecentos e setenta, por exemplo ). Em países de economia socialista, como a Iugoslávia e a Hungria ( à época ), respectivamente, Vinte e dois vírgula nove por cento ( dados de Mil novecentos e setenta e oito, por exemplo ) e Vinte vírgula cinco por cento ( dados de Mil novecentos e oitenta e dois ). Nos países mais desenvolvidos, como o Japão e os Estados Unidos da América, os Dez por cento mais ricos detinham à época, respectivamente, Vinte e dois vírgula quatro por cento ( dados de Mil novecentos e setenta e nove, por exemplo ) e Vinte e três vírgula três por cento ( dados de Mil novecentos e oitenta, por exemplo ) da Renda Nacional da época. ( * vide nota de rodapé ).


O quadro a seguir dá a exata medida desta absurda e inaceitável desigualdade social:


Rendimentos da População Economicamente Ativa - Participação no Total ( em porcentagem )


Cinquenta por cento mais pobres -

 

Em Mil novecentos e sessenta: Dezessete vírgula quatro por cento.

Em Mil novecentos e setenta: Quatorze vírgula nove por cento.

Em Mil novecentos e setenta e dois: Onze vírgula três por cento.

Em Mil novecentos e setenta e seis: Treze vírgula cinco por cento.

Em Mil novecentos e setenta e nove: Treze vírgula sete por cento.

Em Mil novecentos e oitenta: Doze vírgula seis por cento.

Em Mil novecentos e oitenta e um: Quatorze vírgula dois por cento.

Em Mil novecentos e oitenta e três: Treze vírgula dois por cento.

Em Mil novecentos e oitenta e quatro: Treze vírgula seis por cento.

Em Mil novecentos e oitenta e cinco: Treze por cento.

( *2 vide nota de rodapé )


Acresçam-se a estes exemplos de desigualdades, de absurda concentração de renda com poucos e sua injusta distribuição, outros exemplos de miséria absoluta ( erradicada em Dois mil e quatorze e retomada nos governos Temer e Bolsonaro ), consubstanciados na existência no Brasil de mais de Trinta milhões  de analfabetos, de Sete milhões de crianças fora das escolas, de Cinquenta e cinco milhões de pessoas sem água encanada e de Quarenta milhões sem luz elétrica; de Trinta e quatro milhões, em Mil novecentos e setenta e quatro, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Alimentação ( FAO ), e de Oitenta e seis milhões, em Mil novecentos e oitenta e quatro, segundo a FAO e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - quase Três quartos da população - ingerindo diariamente bem menos que as Duas mil duzentos e e quarenta calorias prescritas como dieta mínima pela Organização Mundial da Saúde ( OMS ).


Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância ( UNICEF ) demonstravam à época que mil crianças entre zero e um ano de idade morriam no Brasil a cada dia. Nos Estados da Região Nordeste, o índice de mortalidade infantil alcançava, à época, Duzentos e cinquenta por mil e Cinco de cada dez crianças não alcançavam, na região, os cinco anos de idade. Em Cubatão, Estado de São Paulo, o índice de mortalidade era de Seiscentos e trinta e duas crianças por mil. Ainda segundo o UNICEF, à época, Doze milhões de crianças de zero a sete anos de idade estão subnutridas, sendo o Brasil superado, neste particular, somente pela Nigéria, pela Etiópia e pelo Haiti; por outro lado, nos Estados Unidos da América, Quatorze morte por mil; em Cuba, Treze mortes por mil e na Suécia, Sete por mil.


Por outro lado, a vida média no Brasil, á época, "que passava de Quarenta e um anos e seis meses, em meados da década de trinta, para Sessenta e três vírgula quatro anos, no quinquênio entre Mil novecentos e oitenta a Mil novecentos e oitenta e cinco, é mais baixa não apenas do que a registrada pelos países mais ricos, como s Suécia ( Setenta e quatro anos para homens e Oitenta anos para mulheres ); ela o é também relativamente a alguns países latino-americanos que tinham, á época, renda per capita menos do que a brasileira como, por exemplo, Cuba ( Setenta e três vírgula quatro anos ), México ( Sessenta e seis vírgula sete anos ) e Costa Rica ( Setenta e três anos ), no quinquênio entre Mil novecentos e oitenta e Mil novecentos e oitenta e cinco. ( *2 vide nota de rodapé ).


E para demonstrar, de forma ainda mais mais inequívoca, os fatos de que os Direitos Humanos não faziam parte, á época, da cultura da América Latina e de que até mesmo inexistiam na realidade brasileira, é oportuno parte do informe, de dezembro de Mil novecentos e oitenta e seis, da Federação Internacional de Direitos Humanos. Segundo este informe, na América Latina, Quarenta milhões de crianças viviam nas ruas; deste total, Setenta e cinco por cento estavam no Brasil. Ainda, nos termo deste informe, haviam Seiscentas mil crianças e adolescentes abandonados em São Paulo e Trezentos mil em Recife-PE, sendo que estas crianças e adolescentes sobreviviam, mas sem conhecer algo além da mendicância, do conflito com a lei ou sofrendo exploração sexual infantil, e alguns deles, com pouquíssima idade, nada além da realidade de pequenos trabalhos.


Um dos aspectos mais tristes do informe concerne à exploração sexual infantil que, "geralmente, começava aos Doze anos de idade, havendo casos de todas as idades". ( *3 vide nota de rodapé ). E no que especificamente à prostituição, o informe ressalta que nas cidades turísticas, sobretudo no Rio de Janeiro, se explorava o turismo sexual, que utilizava crianças de ambos os sexos desde os Doze anos de idade. Os autores do documento asseguram ter obtido de funcionário da Fundação Nacional Bem-Esta do Menor ( FUNABEM ) a denúncia sobre a existência de "casas especializadas em que, por telefone, se contratam meninas virgens" ( *3 vide nota de rodapé ).


O informe denuncia a participação ativa de policiais, verdadeiros proxenetas, ora participando da exploração, ora recebendo suborno, na manutenção daquele estado de coisas, e assinalava que "aquelas práticas, que podiam ser explicadas pela utilização, durante os anos de ditadura, da polícia para outros fins, que não os seus, emergiam do sentido das disposições do direito interno brasileiro vigente à época. Elas configuravam também as correlações entre as mentalidades sensíveis à escravatura" ( *3 vide nota de rodapé ).


Naquele informe, constava inda a ocorrência de numerosos desaparecimentos de crianças em São Paulo, Fortaleza-CE, Salvador-BA e Porto Alegre-RS, o que configurava verdadeiro tráfico de escravos, vendidos na Região Sul do País, na fronteira com Paraguai e Argentina. houvera também uma rede que atuava no Rio de Janeiro e Fortaleza. A Federação Internacional de Direitos Humanos concluiu que a exploração sexual infantil era fenômeno mundial e, lembrando que " à época, o projeto de convenção sobre os direitos da criança estava sendo discutido", defendia uma atuação integrada dos governos para proteger a criança contra todas as formas de violência. ( *3 vide nota de rodapé ).        


P.S.:


Notas de rodapé:


* Na época, os números subsidiaram o texto intitulado "Brasil, campeão da igualdade", publicado no jornal Folha de São Paulo de Primeiro de julho de Mil novecentos e oitenta e sete.


*2 Fonte: Fundação Instituto de Geografia e Estatística, Censos Demográficos de Mil novecentos e sessenta, Mil novecentos e setenta e Mil novecentos e oitenta. Pesquisa por Amostra de Domicílios de Mil novecentos e setenta e dois, Mil novecentos e setenta e seis, Mil novecentos e oitenta e um, Mil novecentos e oitenta e três, Mil novecentos e oitenta e quatro e Mil novecentos e oitenta e cinco. Enquanto os censos abrangem todo o território brasileiro, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de Mil novecentos e setenta e dois refere-se ao total da População Economicamente Ativa nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, regiões sul e nordeste e Distrito Federal; as Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílio de Mil novecentos e noventa e seis e Mil novecentos e setenta e nove referem-se ao total destas e mais da área urbana da Região Norte e dos Estados de Mato Grosso e Goiás. As Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílio de Mil novecentos e oitenta e um, Mil novecentos e oitenta e três, Mil novecentos e oitenta e quatro e Mil novecentos e oitenta e cinco excluem apenas a a população rural da Região Norte.


*3 Bridel, Renée e Collomp, Jean-Paul, "La prostituition des Enfants du Bresil". Rapport de Mission, Federation Internacionale des Droits de l'Home ( Organization non Gouvernamentale Accréditeé Auprés des Nations Unies, Aupre´se do Counseil de L'Europe et Auprés de L'Unexco ), Páginas Três a Trinta e Um.


Referência


Santos Júnior, Belisário; Plastino, Carlos Alberto; Junqueira, Eliane Botelho; Rodrigues, José Augusto de Souza; Gómez, José Maria; Barbosa, Marco Antonio Rodrigues. Direitos humanos - um debate necessário. Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Editora Brasiliense. Mil novecentos e oitenta e oito.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-explora%C3%A7%C3%A3o-de-uma-minoria-sobre-a-grande-maioria-do-povo .

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