Da mesma forma que desmantela a máquina pública federal, por atos e omissões, o desgoverno Bolsonaro demole o parque industrial. Agravada pela pandemia do coronavírus, a desindustrialização do país se acelera e faz o setor manufatureiro regredir ao menor percentual de participação no Produto Interno Bruto (PIB) em 74 anos.
A queda do peso da indústria de transformação, de 11,79% do PIB em 2019 para 11,30% em 2020, é apontada em um levantamento conduzido pela economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Ao portal G1, ela afirmou que é o menor patamar desde 1947, início da série histórica das contas nacionais, calculadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Outro recorde negativo é a participação da indústria geral (extrativa, construção civil e energia e saneamento). Esta caiu de 21,4% do PIB em 2019 para 20,4% em 2020.
A partir da metodologia de preços correntes corrigidos, a pesquisa mostra a evolução da participação dos diferentes setores no PIB brasileiro ao longo dos anos, excluídos os impostos. A pesquisa situa o melhor momento para a indústria em 1985, quando o peso do setor manufatureiro chegou a 24,5% do PIB.
O levantamento revela também que, enquanto o peso do setor de serviços no PIB caiu de 73,5% em 2019 para 71,7% no primeiro trimestre de 2021, a participação do agronegócio saltou de 5,1% para 7,9%. É o maior percentual trimestral desde 1996.
“O que tem de novidade na pandemia é que o agronegócio vem ganhando protagonismo como a gente nunca viu”, afirma a pesquisadora. “Tudo caiu, só o agro se beneficiou, ficando praticamente imune à crise na maioria dos países. O mundo continuou demandando muito alimentos, teve um boom de commodities e é um setor que continua inovando muito, com adoção de tecnologias.”
As tecnologias adotadas no agronegócio, no entanto, elevam a produtividade às custas de menor participação da mão de obra humana nos processos. Voltado à exportação em larga escala, esse modelo agroindustrial dolarizou os preços dos alimentos no mercado interno, puxando os preços para cima a cada variação do dólar e das cotações das comodities e dos insumos. Um perverso processo semelhante ao observado na política de Preços de Paridade de Importação (PPI), adotada pela Petrobras após o golpe.
A pesquisadora do Ibre prevê que o agronegócio continuará favorecido pela crescente demanda mundial por alimentos como soja, milho e carnes. Para ela, “o resultado da indústria poderia ser até pior”, e só não foi porque segmentos relacionados ao agronegócio, como indústrias de alimentos processados e de máquinas, cresceram.
Já o setor de serviços se beneficiará do avanço da vacinação e o gradual fim das medidas de restrição. “O setor de serviços foi o que mais sofreu. O país parou de consumir serviços. Então, acabando a pandemia, o natural é que o setor volte a crescer”, finaliza.
IBGE: Indústria perdeu 28 mil empresas e 1,4 milhão de empregos em seis anos
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também divulgou levantamento sobre a indústria nesta quarta-feira (21), com resultados igualmente preocupantes. A pesquisa revelou que entre dezembro de 2013 e dezembro de 2019 o setor perdeu 28,6 mil empresas e mais de 1,4 milhão de postos de trabalho. As sobreviventes reduziram o porte das fábricas e a remuneração dos empregados.
Os dados fazem parte da Pesquisa Industrial Anual referente a 2019. Naquele ano, a indústria brasileira tinha cerca de 306,3 mil empresas, que empregavam aproximadamente 7,6 milhões de trabalhadores.
Na comparação com 2013, quando o setor atingiu recorde histórico do número de indústrias e de mão de obra ocupada (334,9 mil empresas e 9 milhões de empregados), 8,5% das empresas encerraram atividade e 15,6% das vagas foram fechadas.
Conforme o IBGE, a redução da mão de obra refletiu no porte médio das empresas em termos de pessoal ocupado, passando de 28 pessoas em 2010 para 25 em 2019. Na indústria extrativa, a redução foi de 34 para 30 pessoas. A remuneração média também foi reduzida: de 3,4 salários mínimos em 2010 para 3,2 salários mínimos em 2019.
Outro levantamento, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), revela que a situação piorou muito no ano passado, quando 5,5 mil fábricas encerraram suas atividades. A pesquisa aponta que, desde 2015, foram extintas 36,6 mil fábricas, ou o equivalente a quase 17 estabelecimentos por dia. Segundo a série histórica iniciada em 2002, até 2014 o número de fábricas crescia, mesmo com a indústria de transformação perdendo relevância na economia.
“O processo de desindustrialização no Brasil é um fenômeno que já existe há bastante tempo e se acentuou depois da recessão de 2015/2016. A pandemia só escancarou alguns problemas que o país enfrenta”, explica Fabio Bentes, responsável pelo estudo da Divisão Econômica da CNC.
Segundo ele, o desempenho da indústria nacional está hoje 14% abaixo do pico atingido em 2011, quando o superávit comercial do setor chegou a US$ 48,7 bilhões. Em 2020, o resultado negativo foi de US$ 35,3 bilhões. A fatia brasileira na indústria mundial, que chegou a 2,8% em 2005, recuou para 1,8% no ano passado.
Pochmann: “Agronegócio nunca foi saída à desindustrialização”
Marcio Pochmann, presidente do Instituto Lula e professor do Instituto de Economia da Unicamp, tem chamado a atenção em seus artigos para a desindustrialização brutal e precoce que ocorre no Brasil. Para ele, “a preferência atual das elites brasileiras pelo agronegócio tem valido cada vez mais o passado herdado da condição de colônia portuguesa”.
Em um dos textos, publicado em maio no portal Outras Palavras, ele retoma a discussão sobre essa volta aos tempos coloniais de mero produtor de comodities agrícolas, como grande “fazendão do mundo”. Segundo Pochmann, alardear o agronegócio como solução para a crise é ignorar que sua lógica “deixa a economia refém dos mercados externos e abre caminho para o avanço da fome”.
“Ao combinar a elevação do preço dos alimentos, 3,1 vezes superior à inflação, com a queda real de 6,5% na massa dos rendimentos dos brasileiros em 2020, constatou-se que 55,2% dos domicílios, o equivalente a quase 116 milhões de pessoas, conviveram com algum grau de insegurança alimentar. Em plena pandemia da Covid-19, cerca de 19 milhões de brasileiros passaram fome, contingente equivalente a duas vezes mais que o registrado em 2009 e igual ao de 16 anos atrás”, descreve o economista.
Pochmann, que presidiu o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-Ipea (2007/2012) e a Fundação Perseu Abramo (2012/2020), detalha o crescimento do agronegócio (produção agrícola, animal e mineral) e seu paulatino direcionamento prioritário para as exportações.
“Com mais de 2/3 da composição do total das exportações brasileiras representadas por commodities minerais e agropecuárias, a produção industrial, de mais valor agregado, se esvai no Brasil, convertido em fazendão do mundo”, argumenta.
“Além disso, as grandes corporações transnacionais dominam o agronegócio nos países pelo comércio e produção tecnológica, bem como na oferta generalizada dos insumos (fertilizantes, agrotóxicos, máquinas e equipamentos). Mais recentemente, a uberização da produção mineral e agropecuária pelos grandes negociantes no mundo torna o produtor nacional um mero apêndice na máquina de concentração da renda, riqueza e poder para poucos”, prossegue o acadêmico.
A conclusão lógica desse processo, afirma Pochmann: “De um lado, persistiria uma minoria orgânica do agronegócio enriquecida e conectada desde fora pela força de fundos financeiros externos e bancos locais, bem como as grandes corporações transnacionais… De outro lado, a maioria da sociedade é transformada cada vez mais no mundo inorgânico, sobrante da produção e riqueza primário-exportadora”.
Com informações de pt.org.br .
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