sexta-feira, 16 de julho de 2021

Direitos humanos: o endividamento externo como uma barreira para o exercício

A influência do endividamento externo


A toda uma situação trágica ( * vide nota de rodapé ), deve ser acrescentada a questão do endividamento externo que produziu efeitos no Brasil durante séculos e ainda hoje revela atrasos históricos, apesar de atualmente o país ser credor externo. O Brasil esteve durante séculos compelido a transferir para o exterior, a título de juros, a importância anual d, por exemplo Doze bilhões de dólares. Este montante de juros chegou a corresponder a Cinco por cento do Produto Interno Bruto do país e ser referiu a uma dívida outrora declarada de Cem bilhões de dólares, da qual Quarenta por cento correspondiam a uma iniqua contabilização de juros que incidiram sobre o estoque então existente no início da década de oitenta, contabilização esta feita quando o prime rate disparou, em decorrência da política monetária contracionista dos Estados Unidos da América e dos dois choques do preço do petróleo ( *2 vide nota de rodapé ).


"A dívida externa chegou a representar um gigantesco obstáculo para o desenvolvimento da América Latina. A magnitude do seu serviço deteriorou, com efeitos até hoje, gravemente as condições de vida da maior parte da população, anulou as possibilidades de acumulação e ameaçou a consolidação dos processos de democratização que chegaram a estar sendo levados a efeito em diversos países do subcontinente". ( *3 vide nota de rodapé ).


O Estado brasileiro contraiu, sem consultar o povo ou seus representantes, uma dívida externa praticamente impagável sem as consequências econômicas, políticas e sociais observadas. Entregou a soberania ao Fundo Monetário Internacional. Empréstimos faraônicos foram aplicados em obras também faraônicas e de prioridades duvidosas.


Sobre o "Delírio de Grandes Obras", a Revista IstoÉ, em seu número Quinhentos e cinquenta, edição de Oito de julho de Mil novecentos e oitenta e sete, Página Dezenove, chegou a denunciar que os projetos faraônicos chegaram a custar Dez bilhões de dólares norte-americanos e acrescentou, in verbis:


"Projeto faraônico iniciado na época do suposto milagre brasileiro, a Ferrovia do Aço representou um escandaloso exemplo de desperdício do dinheiro público. Foram Dois bilhões e quinhentos milhões de dólares, quantia equivalente a m pouco mais da Dois por cento da dívida externa brasileira existente à época, consumidos na construção de pontes, viadutos, depois abandonados na região mineira de Jeceaba, e túneis problemáticos de Oito quilômetros de extensão numa obra que chegou a ficar paralisada por pelo menos quatro anos. Além de pagar a conta dos equipamentos que jamais seriam utilizados novamente, no valor de Trezentos milhões de dólares.


Este, no entanto, não foi um caso único. Segundo um levantamento realizado pelo Ministério do Planejamento, o Brasil chegou a ter uma dívida de Dez bilhões de dólares contraída na aquisição de equipamentos importados que não tem sequer previsão de quando seriam utilizados. Alguns casos:


1) Setecentos milhões de dólares gastos com turbinas para a Usina Hidrelétrica de Xingó, no rio São Francisco, no Estado de Pernambuco. o material fora comprado havia cinco anos, mas só seriam utilizados quatro anos mais tarde ( em Mil novecentos e noventa e um ).


2) Seiscentos milhões de dólares investidos na aquisição de oito turbinas para a Usina de Três Irmãos, em São Paulo, na época do governo Paulo Maluf. A água do reservatório, porém, comportava a instalação de apenas três turbinas. Cada uma custou Setenta e cinco milhões de dólares.


3) Oitocentos milhões de dólares aplicados em Mil novecentos e oitenta e três na importação de um conjunto de laminadores para a empresa Açominas. A previsão de sua montagem era só sete anos depois ( em Mio novecentos e noventa ). Enquanto isto, o equipamento continuou estocado em Ouro Branco, Minas Gerais.


4) Três bilhões de dólares aplicados no projeto de construção da usina atômica de Angra Três, que por longos anos sequer havia saído do papel".


Cumpre ressaltar a responsabilidade dos governos militares na formação da dívida externa ainda existente à época ( atualmente o Brasil é credor externo ), bastando, para tanto, verificar que, em Mil novecentos e sessenta e quatro, o Brasil devia Três bilhões e cem milhões de dólares e vinte e dois anos depois chegou a dever Cento e onze bilhões de dólares norte americanos ( total registrado em Trinta e um de dezembro de Mil novecentos e oitenta e seis ).


Tratou-se de uma dívida considerada ilegítima por diversos especialistas. A propósito, chegou a assinalar Paulo Schilling, em excelente artigo escrito para a Jugend Kirche - "A Dívida Externa do Brasil ( A análise econômic0-financeira, o custo social e o problema da soberania nacional" ) - , que uma análise, mesmo superficial, de como foram mal empregados, ou nem chegaram a ser empregados, os recursos originários no fabuloso débito á época contraído pelo Brasil, foi bastante para confirmar que muito pouco foi aplicado em benefício do desenvolvimento autenticamente nacional. Com efeito, explicou aquele ilustre economista, in verbis:


"Total da dívida brasileira em Trina e um de dezembro de Mil novecentos e oitenta e seis ( ... ) Cento e onze bilhões de dólares. Daquele total deveria ter sido abatida a parte correspondente à desvalorização do dólar em relação às demais moedas fortes verificada em Mil novecentos e oitenta e seis e que significou um amento da dívida brasileira de Cinco bilhões de dólares. Grande parte da dívida era representada por juros capitalizados, a chamada dívida financeira, ou seja, são recursos que nunca chegaram ao país: aproximadamente Quarenta e cinco bilhões de dólares. Segundo cálculos de bancos internacionais ( como o Morgan Guarantee Trust ), confirmados pelo Banco Central do Brasil ( Bacen ), por "evasão de recursos", não chegaram a entrar no país, e estiveram depositados nas famosas contas numeradas da Suíça e outro paraísos fiscais, cerca de Dezoito bilhões de dólares. Empréstimos de bancos internacionais a empresas transnacionais instaladas no Brasil ( em realidade investimento direto que, para burlar a lei de remessa de lucros e evadir o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza - IR, entraram como empréstimos ), cuja responsabilidade passara a corresponder ao Bacen - Dezesseis bilhões de dólares. Subtotal: Oitenta e quatro bilhões de dólares. Saldo que realmente deve haver sido utilizado para investimento em nível governamental e da burguesia nacional, não mais de Vinte e seis bilhões de dólares".


Ainda segundo constatado por Paulo Schilling:


"mesmo o investido em obras públicas esteve beneficiando fundamentalmente aos interesses alienígenas. Assim, a hidrelétrica de Tucuruí ( custo final de Oito bilhões de dólares ), cujo custo de geração era de Trinta e oito dólares o mega-Watt-hora ( mWh ), esteve vendendo energia aos monopólios internacionais do alumínio ( Shell, Alcoa, japoneses ), a Dez dólares e cinquenta centavos e Dezesseis dólares e cinquenta centavos o mWh, ou seja, em média, por um terço de seu custo ( declarações do ministro de Minas e Energia, Aureliano Chaves - Folha de São Paulo, de Quatro de junho de Mil novecentos e oitenta e seis ).


Encarando o problema de outro ângulo, considerando todos os recursos entrados no país ( e não considerando as evasões ) e todos os pagamentos feitos, sempre de acordo com os dados oficiais ( Bacen ), teve-se a seguinte situação à época:


Recursos relativos a empréstimos de curto, médio e longo prazo ( Lei número Quatro mil cento e trinta e um ), resolução número Sessenta e três, suppliers, ajudas governamentais, bancos oficiais, etc: Cento e vinte e um bilhões trezentos e vinte e seis milhões de dólares.


Juros pagos no período: Oitenta bilhões quatrocentos e trinta e três milhões de dólares.


Amortizações pagas: Sessenta e quatro bilhões novecentos e quarenta e cinco milhões de dólares.


Subtotal: Cento e quarenta e cinco bilhões trezentos e setenta e oito milhões de dólares.


Saída líquida de capitais: Vinte e quatro bilhões e cinquenta e dois milhões de dólares.


Apesar de haver pago Vinte quatro bilhões de dólares mais do que o recebido, a dívida registrada ( não inclui a dívida de curto prazo, a comercial ) aumentou de Nove bilhões e quinhentos milhões de dólares em Mil novecentos e setenta e três para Noventa e cinco bilhões e oitocentos milhões de dólares em Mil novecentos e oitenta e cinco.


Considerem-se ainda a s consequências da cláusula imposta pelos banqueiros relativa à taxa de juros variáveis. Assim, contratos de financiamento firmados em Mil novecentos e setenta e três, com juros de Seis vírgula sessenta e seis por cento estavam pagando, em Mil novecentos e oitenta e um, Vinte e um vírgula cinco por cento de prime rate. Isto significou para o Brasil, somente no período entre Mil novecentos e setenta e três e Mil novecentos e oitenta e cinco, uma perda de Trinta e quatro bilhões quinhentos e setenta e três milhões e duzentos mil dólares.


É necessário considerar também as perdas do Brasil ( e de todos os países da América Latina e do Terceiro Mundo ) no relativo às relações comerciais. Como os preços dos produtos nacionais, especialmente matérias-primas e alimentos, são estabelecidos nas bolsas de mercadorias e futuros dos países capitalistas centrais ( uma prática tipicamente colonialista ), verificou-se uma constante deterioração nos termos de intercâmbio. O Brasil chegou a exportar cada vez mais para adquirir a mesma quantidade de bens industrializados ou tecnologia.


Neste particular, o Brasil sofreu uma perda equivalente a Quarenta por cento no período entre Mil novecentos e setenta e três e Mil novecentos e oitenta e cinco. O que significou um prejuízo em recursos cambiais de Quarenta e um bilhões cento e oitenta e sete milhões e cento e trinta e seis mil dólares".


E arrematou Paulo Schilling, no artigo supramencionado, que


"se fossem contabilizados todos estes números, incontestáveis, não haveria algo a ser realmente pago. Ao contrário, haveria um saldo favorável ao Brasil quase equivalente à dívida".


Como se não bastasse, denunciou ainda Paulo Schilling que, à época, cuidou-se de institucionalizar uma solução para o problema da dívida: através da conversão de parte da dívida em investimentos diretos, ou seja, em capital de risco e


"isto se implementaria em dois planos: abrindo o sistema financeiro brasileiro ao capital forâneo e permitindo a participação do mesmo nas bolsas de valores do país.


No primeiro caso, tivera-se que, com não mais de Dez por cento de seus créditos transformados em investimentos diretos, os bancos credores passariam a controlar o mercado financeiros do país. Com esta soma poderiam compara os dez maiores bancos nacionais, os que controlam Setenta e três por cento dos depósitos existentes".


Tratou-se, como demonstrado à época, de uma injustiça atroz, que além de comprometer a soberania do Brasil, adiou, indefinidamente, o exercício dos Direitos Humanos pelo povo brasileiro.          


P.S.:


Notas de rodapé:


* A referida situação trágica é explicitada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-explora%C3%A7%C3%A3o-de-uma-minoria-sobre-a-grande-maioria-do-povo .


*2 Telles Júnior, Goffredo. Sumário do discurso proferido na sessão de abertura da Conferência Internacional sobre a Dívida Externa dos Países em Desenvolvimento, em Trinta de novembro de Mil novecentos e oitenta e seis, no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo, Brasil.


*3 Conclusões da Conferência Internacional sobre a Dívida Externa dos Países em Desenvolvimento, realizada pela Associação Brasileira de Juristas Democratas - ABDJ, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP e a Associação Internacional de Juristas Democratas - AIJD, de Trinta de novembro a Quatro de dezembro de Mil novecentos e oitenta e seis, no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo, Brasil.


Referência


Santos Júnior, Belisário; Plastino, Carlos Alberto; Junqueira, Eliane Botelho; Rodrigues, José Augusto de Souza; Gómez, José Maria; Barbosa, Marco Antonio Rodrigues. Direitos humanos - um debate necessário. Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Editora Brasiliense. Mil novecentos e oitenta e oito. Páginas Dezoito a Vinte e três.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-endividamento-externo-como-uma-barreira-para-o-exerc%C3%ADcio .

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