Esta é a segunda matéria da série Elas no território. Buscamos contextualizar e trazer aspectos de reflexão da realidade das mulheres no contexto urbano e das políticas públicas (ou a falta delas) que impacta no território e no cotidiano feminino. Você pode conferir as outras matérias aqui.
Desde os anos 70 e 80, principalmente na cidade de São Paulo, as mulheres têm sido as principais lideranças dos movimentos sociais que reivindicam transporte, asfalto, posto de saúde e escola nas periferias da cidade. Basta prestar atenção e olhar para o conjunto de reivindicações que essas trabalhadoras operam: elas estão propondo uma nova forma estruturar a cidade.
Se antes, a lógica de grandes avenidas centradas no transporte individual estava no seio das decisões da política urbana, as mulheres da classe trabalhadora — que eram obrigadas a ter uma outra forma de se relacionar com a cidade — lutavam para que a política urbana fizesse sentido para a realidade delas e do conjunto da sociedade.
Uma mulher quando se locomove pela cidade, ela carrega a estrutura opressora e as necessidades familiares com ela. A jornada extensiva e dos trabalhos domésticos e de cuidado exigem, por exemplo, que ela não faça apenas a trajetória casa <-> trabalho, como a maior parte dos homens.
A mulher vai necessitar usar mais transporte público, porque ela precisa passar na creche ou na escola; passar no posto de saúde para levar algum parente, marcar uma consulta ou buscar remédio; resolver burocracias da vida familiar com o poder público como regularizar um documento, se cadastrar em algum auxílio; passar no supermercado, na farmácia, no açougue, na feira.
O uso de equipamentos públicos e do espaço urbano se dá de maneira muito diferenciada. E se inclui uma criança a tiracolo, a lógica se torna ainda mais distante do padrão masculino — como por exemplo enfrentar uma longa fila de transporte com um bebê nos braços ou esperar no sol a pino, com uma criança, em um ponto de ônibus sem cobertura solar.
O espaço que a mulher ocupa no mercado de trabalho e nas relações sociais também impacta na forma como ela se relaciona com a cidade — e de como a organização (ou não) dessa cidade influencia na vida dela. A desigualdade salarial, por exemplo, faz com que mulheres tenham que se sujeitar a jornadas mais extensivas e exaustivas, em empregos mais precarizados com horários diferenciados.
A falta de iluminação pública em bairros afastados, por exemplo, pode definir se uma mulher vai demorar mais 40 minutos para chegar em casa e esperar uma condução para fazer um trajeto que ela poderia fazer a pé — mas decide pelo transporte para poder chegar viva. A disponibilidade de uma delegacia da mulher próxima à residência também pode ser delimitador para que ela consiga sair de uma situação de violência doméstica.
Camila Massola, em “A Cidade na perspectiva do gênero: as políticas públicas urbana 1990-2015 em São Paulo/SP”resume os dois principais pontos de vista que propagam os “benefícios” da urbanização.
O primeiro é associar as cidades à geração de riqueza e, consequentemente, à ideia de que mulheres urbanas supostamente desfrutam de maiores oportunidades sociais, econômicas, políticas e liberdades do que, por exemplo, as mulheres do meio rural.
No entanto, a realidade para as mulheres não deixa de ser cruel, mesmo com o propagado avanço da urbanização. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE – 2018 (PNAD), as mulheres dedicaram, em média, 21,3 horas por semana com afazeres domésticos e cuidado de pessoas, quase o dobro do que os homens gastaram com as mesmas tarefas – 10,9 horas.
A mulher que sai para trabalhar também gasta mais horas na jornada doméstica. Mesmo trabalhando fora, a mulher cumpria 8,2 horas a mais em obrigações domésticas que o homem também ocupado. A diferença era ainda maior entre homens e mulheres não ocupados. Nessa condição, elas trabalhavam 11,8 horas a mais que eles. Em relação às cuidadoras, 87% da população com 14 anos ou mais realizaram afazeres domésticos e/ou cuidado de moradores ou de parentes o que representa 147,5 milhões de pessoas. Essa incidência era maior entre as mulheres, 93%.
Camila reforça as disparidades do gênero no trabalho e no emprego, remuneração, direito de posse, o acesso e acumulação de ativos, segurança pessoal e segurança em geral, mostram que as mulheres são muitas vezes as últimas a serem beneficiadas dessa prosperidade das cidades .
Com informações de Ana Clara, Elas Por Elas e pt.org.br .
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