A jornalista que atua no Estado de Santa Catarina ( SC ) Schirlei Alves foi condenada a um ano de prisão em regime aberto e ao pagamento de Quatrocentos mil reais de multa pela juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, da Quinta Vara Criminal de Florianópolis . O “ crime ” ? Fazer " jornalismo " com vazamento não autorizado de vídeo do poder judiciário .
Schirlei foi quem descobriu e divulgou, em primeira mão, no site The Intercept Brasil, as imagens da audiência do caso Mari Ferrer, que apontaram omissões e falhas profissionais. Quem atestou isso foi o próprio Conselho Nacional de Justiça ( CNJ ), que, nesta mesma semana, aprovou uma advertência contra o juiz responsável – uma pena branda, a mais branda prevista pelo CNJ, mas ainda assim uma pena . O que não é praxe no meio jurídico .
Schirlei, por sua vez, recebeu uma penalidade sem precedentes. Schirlei foi alvo de duas queixas - crime, apresentadas pelo juiz Rudson Marcos e pelo promotor Thiago Carriço, que também estava presente na audiência do caso Mari Ferrer . A juíza Andrea entendeu que Schirlei cometeu difamação contra funcionário público em razão de suas funções, e considerou que as consequências foram “ nefastas ” e “ alcançaram principalmente o público de todo o Brasil ” .
O que a reportagem de Schirlei provocou, na verdade, foi indignação coletiva e a aprovação de uma nova lei no Congresso Nacional ( CN ). Sancionada em Dois mil e vinte e um pelo ex - Presidente da República ( PR ) Jair Messias Bolsonaro ( do Partido Liberal - PL ) , a Lei número Quatorze mil duzentos e quarenta e cinco prevê “ punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos ” .
Em maio deste ano de Dois mil e vinte e três, Vinte e uma instituições – entre elas a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo ( ABRAJI ) , e a Federação Nacional dos Jornalistas ( FENAJ ) – publicaram uma nota conjunta relatando preocupação com a situação de Schirlei . “ Entidades ligadas à defesa da liberdade de imprensa e ao direito das mulheres avaliam o cerco judicial como uma forma de intimidar jornalistas ” , escreveu a ABRAJ .
A decisão de Andrea mostra que as entidades tinham razão. A pena imputada à jornalista tem um forte odor de corporativismo e um tom intimidatório – não apenas contra Schirlei, mas contra o jornalismo profissional e contra os jornalistas que cobrem as instâncias de poder, especialmente no Poder Judiciário ( PJ ) .
Mais que isso : a decisão da Quinta Vara Criminal de Florianópolis vai contra a decisão do Supremo Tribunal Federal ( STF ) que, em Dois mil e nove, derrubou a antiga Lei de Imprensa, que trazia resquícios da ditadura. O acórdão pontua que os agentes públicos, em especial, estão sob “ permanente vigília da cidadania ” . E isso deve ser considerado em ações que os envolvam .
O relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto, registrou que “ o exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado ” .
Em um voto considerado histórico, ele afirmou que que a liberdade de imprensa é indissociável da democracia : “ A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político - cultural de todo um povo; visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados ” .
Repercussão
A condenação de Schirlei provocou uma série de manifestações de jornalistas, como Sônia Bridi, Juliana Dalpiva, Leandro Demori e Rubens Valente, entre outros, manifestando repúdio e preocupação com a decisão judicial . A Associação Catarinense de Imprensa ( ACI ) informou ter colocado a estrutura jurídica à disposição da jornalista . “ A ACI – Casa do Jornalista manifesta sua indignação e revolta com a decisão judicial, assinada por Andrea, da Quinta Vara Criminal de Florianópolis, que condenou à prisão e pagamento de indenização a Schirlei por crime de calúnia e difamação ” .
A FENAJ e a o Sindicato dos Jornalistas de SC ( SJSC ), em nota conjunta de repúdio, classificam a decisão como injusta e um grave atentado à liberdade de imprensa. “ No modo de ver das diretorias do SJSC e da FENAJ, a decisão é injusta e decorre em grave atentado à liberdade de imprensa. A desproporção da pena em si, por ter supostamente cometido crime de difamação, é indício de que a decisão pode ter sido guiada por um sentimento de corporativismo que acaba cumprindo o objetivo de intimidar denúncias jornalísticas contra juízes e promotores ” .
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