A Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ) adotou o chamado princípio acusatório ( * vide nota de rodapé ) no processo penal, que consiste em uma separação rígida entre, de um lado, as funções ( *2 vide nota de rodapé ) de investigar e acusar e, de outro, a função de julgar. Tal princípio é baseado na garantia da imparcialidade ( *3 vide nota de rodapé ) do julgador, na ampla defesa e contraditório ( *4 vide nota de rodapé ), bem como com os princípios da igualdade ( *5 vide nota de rodapé ) ( paridade de armas entre Acusador e Defesa ) ( *6 vide nota de rodapé ) e do devido processo legal ( *4 vide nota de rodapé ) .
Consagrou-se a garantia do processo penal acusatório, o qual, para ser concretizado, exigiu da CF - 88 diversos dispositivos a respeito da independência e das atribuições do Ministério Público ( MP ) ( *7 vide nota de rodapé ), órgão extrapoder, a quem incumpe, precipuamente, a titularidade da ação penal pública ( CF - 88, Artigo Cento e vinte e nove, Incisos Primeiro, Sexto e Oitavo - *8 vide nota de rodapé ), exercitando, em geral, a função de Acusador, não vinculado ao Poder Judiciário ( PJ ) .
Por sua vez, a Lei número treze mil novecentos e sessenta e quatro / Dois mil e dezenove ( " Lei Anticrime "v) foi editada contendo diversas inovações no Código Penal ( CP ), Código Processual Penal ( CPP ) e leis penais especiais, tendo sido elaborada a partir de anteprojeto de especialistas ( Comissão presidida pelo Ministro Alexandre de Moraes ) combinada com projeto de lei encaminhado pelo Poder Executivo Federal ( PEF ) ( pelo então Ministro da Justiça e Segurança Pública - MJ - , Sérgio Moro ), com as alterações promovidas no seu trâmite. Após vacatio legis de Trinta dias, entrou em vigor em Vinte e três de janeiro de Dois mil e vinte, mas vários de seus dispositivos foram suspensos por decisão monocrática do Ministro Luiz Fux nas Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade números Seis mil duzentos e noventa e oito, Seis mil duzentos e noventa e nove, Seis mil e trezentos e Seis mil trezentos e cinco ( em trâmite ) . Com a Lei Anticrime, busca-se, ainda, mesmo que tardiamente ( após mais de Trinta a nos de vigência da CF - 88 ), romper a cultura inquisitória no processo penal, pela qual o magistrado, na busca da verdade real, tinha o controle sobre os principais aspectos da investigação ( poderia ordenar à Polícia que investigasse ou estimular o MJ que ingressasse com ação penal ), instrução ( gestão das provas, ordenando a produção de provas não requeridas ) e julgamento ( pode condenar mesmo com pedido expresso de absolvição por parte do MP ) .
À luz do devido processo penal acusatório constitucional, a Lei número treze mil novecentos e sessenta e quatro / Dois mil e dezenove ( Lei Anticrime ) introduziu no CPP, o novo Artigo Terceiro - A, pelo qual " ( o ) processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação " .
Com o novo Artigo Terceiro - A, há duas vedações iniciais:
1) proibição da iniciativa do juiz na fase de investigação e
2) proibição de substituição da atuação probatória do acusador .
Tais medidas inpactam o devido processo legal penal, ao reforçar a esturtura acusatória do processo penal,
1) vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e
2) a substituição da atuação probatória do órgão de acusação ( Artigo terceiro - A do CPP, introduzido pela Lei número Treze mil novecentos e sessenta e quatro / Dois mil e dezenove ) .
Trata - se de se aproximar o CPP do sistema acusatório constitucional, eliminando - se resquícios voltados à atuação do juiz como auxiliar da Acusação, irmanados no combate ao crime. Claro que não houve a supressão de todos os dispositivos de inspiração inquisitiva no CPP, tanto em relação à fase de investigação quanto em relação à gestão da prova e julgamento .
Como sustenta Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, não há sistema processual " puro ": todos são mistos, como construções históricas e fruto de opções políticas ( *9 vide nota de rodapé ) . Mas há traços unificadores e elementos principais, que, no caso brasileiro, têm que fazer valer o processo penal acusatório, devendo permanecer ao mínimo elementos secundários que reflitam o sistema inquistivo .
No tocante á fase de investigação, Ramos ( *10 vide nota de rodapé ) entende que é fundante em um processo penal acusatório a necessidade de separação clara entre as funções da Polícia e do MP e as do Poder Judiciário ( PJ ) ( *11 vide nota de rodapé ) . Essa separação rígida foi reconhecida pelo Ministro Barroso como sendo um " ( ... ) O traço mais marcante do sistema acusatório consiste no estabelecimento de uma separação rígida entre os momentos da acusação do julgamento ", no qual o " juiz deixa de exercer um papel ativo na fase de investigação e de acusação " ( Ação Declaratória de Inconstitucionalidade número Cinco mil cento e quatro Medida Cautelar, Relator Ministro roberto Barroso, julgado em vinte e um de maio de Dois mil e quatorze, Publicado no Diário da Justiça eletrônico de Trinta de outubro de Dois mil e quatorze ) .
No caso da investigação, tem - se como revogado implicitamente o Artigo Quinto, Inciso Segundo, Primeira Parte, do CPP, que trata da requisição judicial do inquérito policial. Caso o juiz tome conhecimento de infração penal sujeita à ação penal pública, deve encaminhar o que dispõe ao MP, na forma do Artigo Quarenta do CPP. Também foi revogado implicitamente a determinação ex officio de provas consideradas urgentes e relevantes na fase da investigação ( Artigo Cento e cinquenta e seis ) ou ainda a possibilidade de se decretar medida cautelar real ( sequestro de bens ) ex officio também na fase de investigação .
Quanto á gestão das provas, há diversos dispositivos do CPP que ainda concedem ao juiz o poder de determinar ex officio a realização de diligências ( Artigo número Cento e cinquenta e seis, Inciso Segundo ), o que, em geral, beneficia a Acusação, uma vez que a Defesa é beneficiada pela dúvida, caso existente ( presunção de inocência - * 12 vide nota de rodapé ). Também há dispositivos que permitem a decretação de medida cautelar durante o processo ex officio, como é o caso do sequestro de bens ( Artigo Cento e vinte e sete ) . Finalmente, no tocante ao julgamento, questiona - se a recepção do Artigo Trezentos e oitenta e cinco, que permite ao juiz condenar o acusado, ainda que o MP tenha se manifestado pela absolvição. A Defesa, em suas alegações finais, não contradita os argumentos do MP ( pelo contrário, os secunda ), sendo surpreendida pela condenação ( *13 vide nota de rodapé ) .
P.S.:
Notas de rodapé:
* O princípio acusatório, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/08/direitos-humanos-o-direito-liberdade-e.html .
*2 A segregação de funções, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/02/direitos-humanos-doutrinas-e_22.html .
*3 A violação do direito de ser julgado por um juiz imparcial, é melhor exemplificada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/03/operacao-lava-jato-stf-confirma-que-ex.html .
*4 O direito à ampla defesa, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_28.html .
*5 O direito à igualdade, no contexto dos Direitos Humanos, é melhora detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/05/direitos-humanos-o-direito-igualdade-e_16.html .
*6 O direito à paridade de armas entre Defesa e Acusação, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/10/direitos-humanos-o-postulado-do.html .
*7 As atribuições do Ministério Público, no contexto dos Direitos Humanos, são melhora detalhadas em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/07/direitos-humanos-doutrinas-e_1.html .
*8 Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ): Artigo Cento e vinte e nove. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí - los, na forma d lei complementar respectiva. VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.
*9 Coutinho, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório - cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Revista de Informação Legislativa, a. quarenta e seis, número Cento e oitenta e três, julho / setembro. Dois mil e nove, Páginas Cento e três a Cento e quinze, em especial Página Cento e nove .
*10 Ramos, André de Carvalho. Curso de dos direitos humanos. Sétima edição, São Paulo : Saraiva Educação, Dois mil e vinte e um. Mil cento e quarenta e quatro páginas, página Novecentos e Treze.
*11 Sobre as garantias do processo penal acusatório, ver Abade, Denise Neves. Garantias do processo penal acusatório. O novo papel do Ministério Público no processo penal de partes. Rio de Janeiro: Renovar, Dois mil e cinco .
*12 O direito à presunção de inocência, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2021/06/direitos-humanos-doutrinas-e_80.html .
*13 Nesse sentido, Prado, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. Quarta edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, Dois mil e seis .
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