No processo penal acusatório ( * vide nota de rodapé ), o Poder Judiciário ( PJ ) não deve realizar a investigação, devendo zelar - como juiz de garantias ( *2 vide nota de rodapé ) - pela autorização das medidas de restrições à liberdade que necessitem de prévia autorização judicial. A investigação criminal não é monopólio da polícia, podendo ser realizada também pelo Ministério Público ( MP ), tendo em vista sua posição de titular da ação penal .
Contudo, em Quatorze de março de Dois mil e dezenove, em face do fenômeno da
1) proliferação de notícias falsas na internet ( fake news ) e ainda
2) de ataques à " honrabilidade e à segurança do Supremo Tribunal Federal ( STF ), de seus membros e familiares ", o então Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, ordenou, de ofício ( Portaria número Sessenta e nove / Dois mil e dezenove ), designando, para presidi - lo, o Ministro Alexandre de Moraes ( Inquérito número Quatro mil setecentos e oitenta e um, sigiloso desde então e em trâmite ) . O próprio relator traçou sus estratégias investigativas em conjunto com a Polícia, determinando medidas como
1) retirada de conteúdo de sites e redes sociais,
2) medidas de busca e apreensão,
3) prisões processuais,
entre outros com ciência posterior do Procurador - Geral da República ( PGR ) .
A justificativa para a instauração do inquérito judicial foi o Artigo número Quarenta e três do Regimento Interno ( RI ) do STF ( RISTF ), o qual prevê que, " [ o ] correndo infração à lei penal na sede ou dependência do STF, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro " . O Parágrafo Primeiro do Artigo número Quarenta e três do RISTF estabelece que, " [ n ] os demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste Artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente " . Considerou -se que " autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição " pode ser a vítima ( membro do STF ou seus familiares, bem como a ubiquidade da internet permitir que o local do crime pode abarcar a " sede ou dependência do Tribunal " . Esse inquérito instaurado de ofício, além de ferir a competência constitucional do STF, determine as diligências que entender cabíveis, descartando eventualmente as conclusões das diligências comandadas pelo Ministro Alexandre de Moraes. O destinatário do inquérito criminal em um sistema penal acusatório não é o magistrado, mas sim o MP. O próprio controle externo da atividade policial pelo MP ( Artigo Cento e vinte e nove, Incisos Primeiro, Segundo, Sétimo e Oitavo, bem como seu Parágrafo Segundo, da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito - CF - 88 ), o qual, em essência, retrata a exigência de um processo penal caracterizado pela separação da figura do acusador da do do julgador. O trâmite do inquérito também foi feito, inicialmente, sem a participação do MP. Aparentemente, alinha investigativa é conduzida pelo próprio Ministro Alexandre de Moraes ( que seria também vítima, conforme consta a Portaria número Sessenta e nove, por ser membro do STF ), em contato direto com a Polícia, tendo já determinadas diversas medidas cautelares penais .
Com isso, a opinião delicti do titular exclusivo da ação penal pública incondicionada fica prejudicada, a não ser que, ao receber os autos, após o esgotamento da investigação no STF, determine as diligências que entender cabíveis, descartando eventualmente as conclusões das diligências comandadas pelo Ministro Alexandre de Moraes. O destinatário do inquérito criminal em um sistema penal acusatório não é o magistrado, mas sim o MP. O próprio controle externo da atividade policial pelo MP ( Artigo Cento e vinte e nove, Incisos Primeiro, Segundo, Sétimo e Oitavo, bem como seu Parágrafo Segundo, da CF - 88 ) fica impossibilitado .
Outro ponto de destaque do Inquérito número Quatro mil setecentos e oitenta e um é o fato de que o requerimento de arquivamento foi realizado pela então PGR, Raquel Dodge, e indeferido pelo Ministro Alexandre de Moraes. A jurisprudência do STF, contudo, era pacífica em entender que o pedido de arquivamento do PGR em inquérito criminal no STF é irrecusável, não cabendo ao Tribunal analisar os fundamentos do pedido, salvo em duas hipóteses que geram coisa julgada material penal:
1) prescrição e
2) atipicidade da conduta ( que não ocorreram no caso ).
Não foi conhecido o Habeas Corpus número Cento e oitenta e seis mil duzentos e noventa e seis, por ser incabível - na jurisprudência pacífica - tal medida contra ato coator imputado a ministro do STF ( STF, Habeas Corpus número Cento e oitenta e seis mil duzentos e noventa e seis, julgado em Dezessete de junho de Dois mil e vinte ) . Em junho de Dois mil e vinte, o STF ( por larga maioria,; somente o Ministro Marco Aurélio divergiu ) decidiu pela improcedência da ADPF número Quinhentos e setenta e dois, que justamente atacava a constitucionalidade da Portaria do Presidente do STF ( Portaria do Gabinete da Presidência número Sessenta e nove / Dois mil e dezenove ) e o Artigo número Quarenta e três do RISTF. O Relator Ministro Fachin, contudo, explicitou que seu voto ( favorável ) era restrito aos limites do processo diante do " incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência a decisões judiciais " ( ADPF número Quinhentos e cinquenta e dois, relator Ministro Edson Fachin, julgada em Dezoito de junho de Dois mil e vinte ) .
Em síntese, as críticas ao Inquérito número Quatro mil setecentos e oitenta e um e as respostas do STF foram as seguintes:
1) Crítica: ofensa ao princípio acusatório penal estabelecido no Artigo Cento e vinte e nove, Inciso Primeiro, da CF - 88, pela
a) instauração de ofício do inquérito;
b) pelo afastamento do MP de seu trâmite, não podendo sequer apontar ou descartar linhas de investigação, bem como requerer diligências para formar a opinio delicti .
Resposta: foi assinalado que o princípio acusatório não foi adotado de forma pura no Brasil, existindo exceções, como a investigação criminal em casos específicos por parte do PJ e Poder Legislativo ( PL ), as quais visam a assegurar o funcionamento independente desses Poderes ( mesma posição adotada pela PGR ) . O inquérito era " instrumento eficaz de autodefesa " ( passagem de voto do Ministro Toffoli ) em face da inércia do DPF e do MP. Para o Ministro Relator Edson Fachin, o Artigo número Quarenta e três do RISTF é constitucional e incide justamente na " omissão dos órgãos de controle " para " averiguar, no limite da natureza de peça informativa, lesão ou perigo de lesão à independência do PJ e ao Estado Democrático de Direito ( EDD ) " . No voto do relator, também foi valorizada a participação ( " ainda que no momento subsequente " ) da PGR, o que teria superado a alegação de violação do princípio acusatório .
2) Crítica: ofensa ao devido processo legal ( *4 vide nota de rodapé ) ( Artigo Quinto, Inciso Cinquente e seis, da CF - 88 ), por não existir uma clara delimitação da investigação penal, pois a Portaria de instauração menciona " notícias fraudulentas ( fake news ), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi " . Essa ameaça genérica impede a definição de juízo competente, controle externo da atividade policial, ofendendo ainda a ampla defesa e contraditório. A delimitação da investigação penal não pode ser genérica, abstrata e nem pode ser " exploratória de atos indeterminados, sem definição de tempo e espaço, nem de indivíduos " ( trecho extraído do pedido de arquivamento do inquérito pela PGR, feito em Dezesseis de abril de Dois mil e dezenove, não aceito pelo Ministro Alexandre de Moraes ) .
Resposta: o ato de instauração do Inquérito número Quatro mil setecentos e oitenta e um aponta que as investigações objetivam apurar atos de ataques ao STF e seus Ministros, no contexto específico de crimes contra a honra, a Administração da Justiça, a segurança e o regular funcionamento do Tribunal. Assim, os tatos teriam sido " ( ... ) bem delimitados e buscam apurar ataques ao STF e aos seus Ministros por intermédio de uma estrutura organizada de divulgação de fake news " ( voto do Ministro Gilmar Mendes, ADPF número Quinhentos e setenta e dois, julgada em Dezoito de junho de Dois mil e vinte ) .
3) Crítica: ofensa ao juiz natural, pois o inquérito abarca fatos ocorridos em todo o território nacional, como potenciais autores de crimes que não possuem foro no STF.
Resposta: o STF possui jurisdição sobre todo o território nacional e o fenômeno delituoso investigado, por utilizar a internet, também é de âmbito nacional, devendo o Artigo número Quarenta e três do RISTF ser interpretado com base nessa nova situação. quanto á ausência de possíveis autores com prerrogativa de foro no STF ( o que justificaria o inquérito ), o relator sustentou que a coleta de elementos para subsidiar ações penais futuras destinadas a proteger o próprio PJ no EDD, reclama " um regime jurídico também distinto " . Assim, o inquérito é constitucional, mesmo que nenhum investigado seja autoridade ou pessoa sujeita á jurisdição do STF. Também foi citado o precedente do Habeas Corpus número Cento e cinquenta e dois mil setecentos e vinte ( STF Habeas Corpus Cento e cinquenta e dois mil setecentos e vinte, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em Dez de abril de Dois mil e dezoito ), no qual o STF tomou ciência de possível crime e determinou a instauração de inquérito vinculado ao Relator Ministro Gilmar Mendes " para colher elementos para a representação ". Pela ótica do voto do Relator, essa coleta de elementos pelo STF em casos que, nitidamente são atribuição de membro do MP diverso da PGR ( o qual, paradoxalmente, acompanha a investigação no STF ) e por juízo diverso, tem como fundamento preservar " a autoridade e honrabilidade " da Corte, impedindo que suas ordens sejam " desobedecidas ou ignoradas " por outros juízos no país ( voto do Relator Ministro Edson Fachin, ADPF número Quinhentos e setenta e dois, julgado em Dezoito de junho de Dois mil e vinte ) .
4) Crítica: ofensa ao juiz natural por ter sido o Relator ( Ministro Alexandre de Moraes ) designado diretamente pelo Presidente do STF, sem livre distribuição .
Resposta: O relator, Ministro Edson Fachin, destacou que o RISTF delimita a competência do Ministro Presidente, que pode assumir diretamente a condução do Inquérito ou delegar a um Ministro por ele escolhido. Mas, ressalvou o Relator, em tom crítico, que, apesar de constitucional o RISTF, " [ n ] ão se tem dúvida de que e livre distribuição é mais coerente e mais consentânea com o processo no EDD, apta a evitar o que pode ser arguido na delegação por designação, vale dizer, sejam suscitadas ofensas à imparcialidade, ao juiz natural e a outros preceitos constitucionais ( voto do Relator Ministro Edson Fachin, ADPF número Quinhentos e setenta e dois, julgada em Dezoito de junho de Dois mil e vinte ) .
5) Crítica: teriam existido vários atos praticados no curso do inquérito sem conexão com seu objeto.
Resposta: Entre os atos praticados, encontra - se a determinação de retirada da matéria " O amigo do amigo de meu pai " dos site " Antagonista " e da Revista Crusoé, sob pena de multa diária de Cem mil reais ( decisão de Treze de abril de Dois mil e dezenove - depois, tal decisão foi revogada pelo próprio Ministro Alexandre de Moraes ), sob a alegação de se tratar de fake news ao retratar fato inverídico envolvendo o Ministro Dias Toffoli. Outro ato praticado foi a busca e apreensão na caso do antigo PGR rodrigo Janot ( em Vinte e sete de setembro de Dois mil e dezenove ). O Ministro Alexandre de Moraes justificou medida, adotada após a divulgação de trecho de livro no qual Janot relata ter ido armado ao STF e pensado em assassinar o Ministro Gilmar Mendes, por estar baseada na necessidade de averiguação de eventual existência de planejamento de atos atentatórios a mendes ( *5 vide nota de rodapé ). O relator não entrou no mérito da nulidade ou não das medidas, reiterando a jurisprudência tradicional, pela qual é " inviável a anulação do processo penal em razão das irregularidades detectadas no inquérito " ( STF, Recurso de Habeas Corpus número Cento e trinta e quatro mil cento e oitenta e dois, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em Vinte e oito de junho de Dois mil de dezesseis ) .Para o relator, caberá a análise do uso ( ou não ) dos elementos colhidos pelo MP .
No voto do relator ficou evidente que não se reconheceu uma liberdade absoluta do STF em investigar qualquer crime realizado no Brasil e, consequentemente, determinar medidas de restrição a direitos em um inquérito conduzido por um de seus ministros. Ao contrário, o Ministro Edson Fachin entendeu que o objeto do inquérito deve - se limitar a manifestações que denotam " risco efetivo à independência do PJ ( CF - 88, Artigo Segundo ), pela via da ameaça a seus membros e, assim, risco aos Poderes instituídos ao EDD " . O Relator também votou pela exclusão do escopo do inquérito a análise de " matérias jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações ( inclusive pessoais ) na internet, feitas anonimamente ou não, desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais " ( trechos do voto do Ministro Fachin, julgado em Dezoito de junho de Dois mil e vinte ) .
No julgamento final, foi declarada improcedente a ADPF número quinhentos e setenta e dois e, nos limites do processo, com base na constatação
1) de incitamento ao fechamento do STF,
2) de ameaça de morte ou de prisão de seus membros,
3) de apregoada desobediência a decisões judiciais, declarando - se a constitucionalidade da Portaria Gabinete da Presidência número Sessenta e nove / Dois mil e dezenove enquanto constitucional o Artigo Quarenta e três do RISTF ( STF, ADPF número Quinhentos e setenta e dois, Relator Ministro Edson Fachin, julgado em Dezoito de junho de Dois mil e vinte ) .
P.S.:
Vide nota de rodapé:
* O direito ao devido processo penal acusatório, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/11/direitos-humanos-o-direito-ao-devido_14.html .
*2 O direito ao juiz de garantias, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/11/direitos-humanos-o-juiz-de-garantias-e.html .
*3 A diversidade terminológica referente aos Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/02/direitos-humanos-as-terminologias.html .
*4 O direito ao devido processo legal, no contexto dos Direitos Humanos, é melhor detalhado em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2023/11/direitos-humanos-o-direito-ao-devido.html .
*5 Conforme consta de matéria publicada. Disponível em < https://www.jota.info/stf/do-supremo/policia-federal-faz-busca-e-apreensao-em-domicilio-e-escritorio-de-rodrigo-janot-270919 > . Acesso em Dez de setembro de Dois mil e vinte .
Nenhum comentário:
Postar um comentário