quinta-feira, 10 de junho de 2021

Direitos humanos: doutrinas e jurisprudências

Resumo


Para melhor entendimento deste texto, recomenda-se antes a leitura do texto introdutório disponível em https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral . Para quem já leu o referido texto introdutório, agora sim, segue o resumo do subtema doutrinas e jurisprudências sobre DH.


Crimes hediondos


A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e dos definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitem.


O legislador brasileiro optou pelo critério legal na definição dos crimes hediondos, prevalecendo-os, taxativamente, no Artigo Primeiro da Lei número Oito mil e setenta e dois / Mil novecentos e noventa. Assim, crime hediondo, no Brasil, não é aquele que se mostra repugnante, asqueroso, sórdido, depravado, abjeto, horroroso, horrível, por sua gravidade objetiva, ou por seu modo ou meio de execuções, ou pela finalidade que presidiu ou iluminou a ação criminosa, ou pela adoção de qualquer critério válido, mas sim aquele que, por uma vez que não há em nível constitucional qualquer linha mestra desta figura criminosa.


O Artigo Primeiro da Lei número Oito mil e setenta e dois / Noventa, de acordo com o Artigo Primeiro da Lei número Oito mil novecentos e trinta / Mil novecentos e noventa e quatro, de Seis de setembro de Mil novecentos e noventa e quatro, passou a prever:


"São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-lei número Dois mil oitocentos e quarenta e oito, de Sete de dezembro e Mil novecentos e quarenta - Código Penal, consumados ou tentados:


I - homicídio ( Artigo Cento e vinte e um ), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado ( Artigo Cento e vinte e um, Parágrafo Segundo, Incisos Primeiro a Quinto );


II - latrocínio ( Artigo Cento e cinquenta e sete, Parágrafo Terceiro, in fine );


III - extorsão qualificada pela morte ( Artigo Cento e cinquenta e oito, Parágrafo Segundo );


IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada ( Artigo Cento e Cinquenta e nove, caput e Parágrafos Primeira a Terceiro );


V -  estupro ( Artigo Duzentos e treze e sua combinação com o Artigo Duzentos e vinte e três, caput e Parágrafo Único );


VI - atentado violento ao pudor ( Artigo Duzentos e quatorze e sua combinação com o Artigo Duzentos e vinte e três, caput e Parágrafo Único );


VII - epidemia com resultado morte ( Artigo Duzentos e sessenta e sete, Parágrafo Primeiro ).


Parágrafo Único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos Artigos Primeiro a Terceiro da Lei número Dois mil oitocentos e oitenta e nove, de Primeiro de outubro de Mil novecentos e cinquenta e seis, consumado ou tentado."


Tráfico ilícito de entorpecentes, tortura e terrorismo


O tráfico ilícito de entorpecentes, a tortura e o terrorismo não são crimes hediondos, como é possível verificar pelo próprio texto constitucional, porém, a eles se aplicam as regras previstas na lei. Em relação à tortura, conferir a Lei número Nove mil quatrocentos e cinquenta e cinco, de sete de abril de Mil novecentos e noventa e sete, que define os crimes de tortura.


Importante ressaltar que somente os delitos previstos nos Artigos Doze a Quatorze da Lei número Seis mil trezentos e sessenta e oito / Mil novecentos e setenta e seis foram definidos como assemelhados aos hediondos, pois o delito do Artigo Dezesseis refere-se ao usuário e não à realização do tráfico de entorpecentes.


Lei dos crimes hediondos e indulto


A Constituição Federal dispõe que os crimes hediondos e assemelhados serão insuscetíveis de anistia e graça, tendo a legislação infraconstitucional acrescentado o indulto.


Numa concordância com a maioria da doutrina, Damásio E. de Jesus, Antônio Lopes Monteiro e Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, para quem,


"em se analisando, finalisticamente, o Artigo Quinto, Inciso Quarenta e três, percebe-se que a proibição constitucional significa excluir da clemência principis os autores de crimes hediondos. Não faz sentido, pela Constituição, afastar o favor do Presidente da República, individualmente concedido, mas autorizar o benefício só porque, no mesmo decreto, foram contempladas outras pessoas. Sufragar-se-ia conclusão meramente formal, em dado simplesmente numérico. Realça, aqui, o significado altamente negativo do crime hediondo, incompatível com a tradicional clemência" ( Cernicchiaro, Luiz Vicente; Costa Júnior., Paulo José. Direito penal na Constituição; Terceira Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, Mil novecentos e noventa e cinco. Página Cento e setenta e dois ).


Em sentido contrário se posicionam Francisco de Assis Toledo e Alberto Silva Franco, para quem é inaceitável a proibição do indulto por lei ordinária, pois, no Artigo Oitenta e quatro, Inciso Doze, a Constituição prevê expressamente o indulto e o atribui à competência discricionária do Chefe do Poder Executivo. Desta forma, este poder discricionário somente encontra seus efeitos no próprio texto constitucional, não podendo ser restringido pelo legislador ordinário.


Data venia deste entendimento, não parece haver incompatibilidade entre o Artigo Oitenta e quatro, Inciso Doze, da Constituição e a previsão dos crimes hediondos, uma vez que o citado artigo constitucional não pode ser interpretado isoladamente, mas sim em conjunto com o Artigo Quinto, Inciso Quarenta e três, de maneira que ambas as disposições legais tenham validade. Este exercício de hermenêutica leva à conclusão de que compete, privativamente, ao Presidente da República conceder indulto, desde que não haja proibição expressa ou implícita no próprio texto constitucional, como ocorre em relação aos crimes hediondos e assemelhados, para quem, a própria Constituição Federal entendeu necessário o afastamento das espécies de clemencia principis.


Ressalte-se, por fim, que em relação ao crime de tortura, definido na Lei número Nove mil quatrocentos e cinquenta e cinco, de Sete de abril de Mil novecentos e noventa e sete, o Parágrafo Sexto, do Artigo Primeiro expressamente afirmou:


O crime de tortura é insuscetível de graça ou anistia.


Desta forma, acabou por revogar a proibição à concessão do indulto ao crime de tortura, prevista anteriormente pela Lei número Oito mil e setenta e dois / Mil novecentos e noventa, uma vez que a lei posterior também revoga a lei anterior quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior ( Lei de introdução ao Código Civil, Artigo Segundo, Parágrafo Primeiro ).


Indulto e crimes hediondos


Supremo Tribunal Federal - "O Decreto presidencial, que concede indulto coletivo, pode ser parcial, ou seja, beneficiar os condenados por certos delitos e excluir os condenados por outros. Esta exclusão pode fazer-se com a simples referência aos crimes que a lei classifica como hediondos" ( Primeira Turma - Habeas Corpus número Setenta e um mil seiscentos e quarenta e três / Rio Grande do Sul - relator Ministro Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Vinte e cinco de novembro de Mil novecentos e noventa e quatro, Página Trinta e dois mil trezentos e um ).


Lei dos crimes hediondos e liberdade provisória


O legislador constitucional previu no Artigo Quinto, Inciso Quarenta e três, que a lei considerará crimes inafiançáveis a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Ocorre, porém, que na Lei número Oitenta e dois / Mil novecentos e noventa, o legislador ordinário, além de vedar a fiança ( o que poderia fazer por expressa manifestação no plano constitucional ), considerou também inadmissível, nos crimes hediondos, de tortura, de tráfico elícito de entorpecentes e drogas afins e de terrorismo, a concessão da liberdade provisória.


Não parece padecer de inconstitucionalidade o referido dispositivo constitucional, uma vez que o tratamento das hipóteses de liberdade provisória é meramente infraconstitucional, sendo, em regra, realizado pelo próprio Código de Processo Penal. Desta forma, nada impede que outra espécie normativa ordinária ( Lei número Oito mil e setenta e dois / Mil novecentos e noventa ), de idêntica hierarquia ao Código de Processo Penal, possa prever algumas hipóteses proibitivas de concessão de liberdade provisória.


Ressalte-se que a lei somente não poderia autorizar a concessão de fiança nas hipóteses em que, expressamente o legislador constituinte vedou-as, sob pena de flagrante inconstitucionalidade, o restante deve ser regulamentado em nível ordinário.


Em relação ao crime de tortura, definido na Lei número Nove mil quatrocentos e cinquenta e cinco, de Sete de abril de Mil novecentos e noventa e sete, o Parágrafo Sexto, do Artigo Primeiro expressamente afirmou:


O crime de tortura é inafiançável.


Desta forma, acabou por revogar a proibição à concessão de liberdade provisória ao crime de tortura, prevista anteriormente pela Lei número Oito mil e setenta e dois / Mil novecentos e noventa, uma vez que a lei posterior também revoga a lei anterior quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior ( Lei de introdução ao Código Civil, Artigo Segundo, Parágrafo Primeiro ).


Proibição de concessão de liberdade provisória - Constitucionalidade


Superior Tribunal de Justiça - "A lei recusa liberdade provisória a acusado de crime hediondo" ( Quinta Turma - Recurso de Habeas Corpus número Dois mil quinhentos e vinte - Dígito Zero / Ceará - relator Ministro Edson Vidigal, Ementário, número Sete / Setecentos e sete ). Ainda: Superior Tribunal de Justiça - "A primariedade e os bons antecedentes não asseguram ao agente o direito de responder solto a crime de tráfico de entorpecentes, diante do proibição legal ( Artigo Segundo, Inciso Segundo, da Lei número Oito mil e setenta e dois / Mil novecentos e noventa )" ( Sexta Turma - Recurso de Habeas Corpus número Mil cento e trinta e oito / Rio Grande do Sul - relator Ministro Carlos Thibau, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Dez de junho de Mil novecentos e noventa e um, Página Sete mil oitocentos e cinquenta e oito ). No mesmo sentido: Superior Tribunal de Justiça - "Latrocínio é crime hediondo, insuscetível do benefício da liberdade provisória" ( Quinta Turma - Habeas Corpus número Novecentos e trinta e dois - Dígito Zero / São Paulo - relator Ministro Edson Vidigal - Ementário Superior Tribunal de Justiça número Cinco / Duzentos e noventa e um ).


Vedação de liberdade provisória em crimes hediondos e assemelhados. Competência do legislador ordinário


Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - "A lei deve ser cumprida. Tal e qual pretendeu o legislador, que, em grave momento, em que se tem como certa a disseminação extraordinária dos tóxicos, em todo o mundo, houve por bem, entre nós, editar lei de rigor mais dilatado, que não se reveste de alguma inconstitucionalidade. É, no caso, lei ordinária, emanada do poder competente, euq em nada arranhou as garantias individuais asseguradas pela Lei Maior" ( Recurso número Cento e oito mil setecentos e dezesseis - Dígito Três / Seis, relator Desembargador Djalma Lofrano ).


Constitucionalidade do cumprimento integral em regime fechado dos crimes hediondos e assemelhados


A obrigatoriedade legal do cumprimento integral da pena, em caso de condenação por crimes hediondos ou assemelhados, em regime fechado, não ofende o princípio da individualização da pena, uma vez que trata-se de matéria infraconstitucional a ser disciplinada por lei ordinária. Assim, da mesma forma pela qual o legislador ordinário tem a discricionariedade para a criação de regimes de cumprimento de pena, bem como das hipóteses de progressão e regressão entre os diversos regimes previstos, poderá também instituir algumas hipóteses em que a progressão estará absolutamente vedada.


Note-se que, em face do Artigo Primeiro, Parágrafo Sétimo, da Lei número Nove mil quatrocentos e cinquenta e cinco, de Sete de abril de Mil novecentos e noventa e sete, que definiu os crimes de tortura ( "O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do Parágrafo Segundo, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado" ), haverá naquelas hipóteses possibilidade de progressão aos demais regimes de cumprimento de pena.


Inconstitucionalidade do Artigo Segundo, Parágrafo Primeiro, da Lei número Oito mil e setenta e dois / Mil novecentos e noventa


Em novo julgamento, a composição atual do Supremo Tribunal Federal, por seis votos a cinco, declarou a inconstitucionalidade do Parágrafo Primeiro, do Artigo Segundo da Lei número Oito mil e setenta e dois / Mil novecentos e noventa ( Lei dos Crimes Hediondos ), que veda a progressão de regime para os condenados por crimes hediondos e assemelhados. A favor do novo posicionamento, votaram os Ministros Marco Aurélio, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Cezar Pelluso, Eros Grau e Sepúlveda Pertence; enquanto os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim mantiveram o anterior posicionamento da Corte, no sentido da constitucionalidade do referido preceito ( Supremo Tribunal Federal - Pleno - habeas Corpus número Oitenta e dois mil novecentos e cinquenta e nove / São Paulo - relator Ministro Marco Aurélio, decisão de Vinte e três de fevereiro de Dois mil e seis ). Conferir ainda: Supremo Tribunal Federal - Habeas Corpus número Oitenta oito mil cento e oitenta e três - Dígito Um / Distrito Federal - relator Ministro Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção Primeira, Vinte e sete de março de Dois mil e seis, Página sete.


O posicionamento anterior do Supremo Tribunal Federal era peal constitucionalidade do Artigo Segundo, Parágrafo Primeiro da Lei número Oito mil e oitenta e dois / Mil novecentos e noventa


Supremo Tribunal Federal - "À Lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o legislador ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitucional, que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será no regime fechado, significa que não quis ele deixar, em relação prisional" ( Pleno - Habeas Corpus número Sessenta e nove mil seiscentos e três - Dígito Um / São Paulo - relator Ministro Paulo Brossard, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Vinte e três de abril de Mil novecentos e noventa e três, Página Seis mil novecentos e vinte e dois ). Neste mesmo sentido julgados do Supremo Tribunal Federal: Habeas Corpus número Cinquenta e nove mil seiscentos e cinquenta e sete. Ponto Um - São Paulo, relator Ministro Francisco Rezek, Diário da Justiça da União, de Dezoito de junho de Mil novecentos e noventa e três, Página Doze mil cento e onze; Habeas Corpus número Setenta mil seiscentos. Ponto Seis - Mato Grosso do Sul, Segunda Turma, relator Ministro Marco Aurélio, Diário da Justiça da União, de Vinte e nove de abril de Mil novecentos e noventa e quatro, Página Nove mil setecentos e dezesseis; Habeas Corpus Setenta mil e quarenta e quatro. Ponto Seis - São Paulo, Segunda Turma, relator Ministro Paulo Brossard, Diário da Justiça da União, de Sete de maio de Mil novecentos e noventa e três, Página Oito mil trezentos e trinta; Habeas Corpus número Setenta mil cento e vinte e um. Ponto Três - São Paulo, Segunda Turma, relator Ministro Marco Aurélio, Diário da Justiça da União, de Dezesseis de abril de Mil novecentos e noventa e três, Página número Seis mil quatrocentos e trinta. Igualmente, o Superior Tribunal de Justiça: Sexta Turma - recurso Especial número Cinco mil duzentos e sessenta e um - São Paulo - relator Ministro José Cândido, Diário da Justiça da União, de Três de dezembro de Mil novecentos e noventa, Página Quatorze mil trezentos e trinta e dois e Quinta Turma - Recurso Especial número Sessenta mil setecentos e trinta e três - Dígito Sete - São Paulo - relator Ministro José Dantas.


Referência


Moraes, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos artigos primeiro a quinto da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência - Oitava edição - São Paulo: Atlas, Dois mil e sete. Página Duzentos e trinta e três a Duzentos e trinta e oito.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-68 .

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