Resumo
Para melhor entendimento deste texto, recomenda-se antes a leitura do texto introdutório disponível em https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral . Para quem já leu o referido texto introdutório, agora sim, segue o resumo do subtema doutrinas e jurisprudências sobre DH.
Espécies de penas inaplicáveis no Direito brasileiro
A Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito consagrou garantia individual do sentenciado a impossibilidade de aplicação de determinadas espécies de penas, a saber: pena de morte, salvo no caso de guerra declarada; prisão perpétua; trabalhos forçados; banimentos e penas cruéis. Esta previsão decorre de as finalidades da pena ( retribuição e prevenção ) não serem vingativas e do necessário respeito à dignidade humana.
Percebe-se, pela própria redação constitucional, que a única exceção foi em relação à pena de morte, permitida em caráter excepcional em caso de guerra declarada.
Pena de morte
A norma constitucional não veda de forma absoluta a aplicação da pena de morte, desde que, logicamente, prevista em lei anterior ( princípios da reserva legal e anterioridade ), e, em tempo de guerra, devidamente declarada nos moldes constitucionais, ou seja, pelo Presidente da República, no caso de agressão estrangeira, devidamente autorizada pelo Congresso nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas ( Constituição Federal, Artigo Oitenta e quatro, Inciso Dezenove ).
Assim, a Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito repetiu uma proibição constante já na Primeira Constituição Republicana, de Vinte e quatro de fevereiro de Mil oitocentos e noventa e um, que, em seu Artigo Setenta e dois, Parágrafo Vinte e um, estabelecia:
"Fica igualmente abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra".
Esta exceção constitucional, em relação à legislação militar em tempo de querra, é prevista em outras Constituições, como, por exemplo, a italiana ( Artigo Vinte e sete -
"(... Não é admitida a pena de morte, salvo nos casos previstos pelas leis militares de guerra )."
Existe previsão infraconstitucional de aplicação de pena de morte para determinados crimes militares no Artigo Cinquenta e cinco, Inciso Primeiro, Código Penal Militar ( Decreto-Lei número Mil e um / Mil novecentos e sessenta e nove ), neste aspecto recepcionado pela nova ordem constitucional.
A pena de morte será, portanto, aplicada somente em caso de guerra declarada, e será executada por fuzilamento, conforme preleciona o Artigo Cinquenta e seis do Código Penal Militar. Anote-se que a sentença condenatória com trânsito em julgado que tiver aplicado a pena de morte deverá ser comunicada ao Presidente da República, e somente poderá ser executada após sete dias desta comunicação, uma vez que sempre haverá a possibilidade de o Presidente da República conceder graça ao condenado ( Constituição Federal Artigo Oitenta e quatro, Inciso Doze ).
Excepcionalmente, porém, a legislação penal militar admite a possibilidade de execução imediata da pena quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares ( Código Penal Militar, Artigo Cinquenta e sete e Parágrafo Único ). Entende-se que este preceito infraconstitucional deve ser interpretado conforme os direitos e garantias fundamentais da Constituição de Mil novecentos e oitenta e oito, basicamente, em face do direito á vida e do direito de ampla defesa, que extrapola a simples defesa processual, englobando todos os atos possíveis para a defesa do sentenciado, e, em especial, para a preservação de sua vida. Desta forma, apesar da possibilidade de execução imediata da pena, em face do interesse da ordem e da disciplina militares, a medida nunca poderá ser tomada antes da prévia ciência do Presidente da República, Comandante Constitucional Supremo das Forças Armadas ( Constituição Federal, Artigo Oitenta e quatro, Inciso Treze ), a fim de que possa analisar a possibilidade de concessão de graça. Não se argumente, em face da modernidade dos meios de comunicação, que a necessidade de mera ciência do Presidente da República poderia colocar em risco o interesse da ordem e da disciplina militares.
A execução da pena de morte vem disciplinada pelos Artigos números Setecentos e sete e Setecentos e oito do Código de Processo Penal Militar ( Decreto-Lei número Mil e dois de Mil novecentos e sessenta e nove ), da seguinte maneira:
"O militar que tiver de ser fuzilado sairá da prisão com uniforme comum e sem insígnias, e terá os olhos vendados, salvo se o recusar, no momento em que tiver de receber as descargas. As vozes de fogo serão substituídas por sinais. O civil ou assemelhado será executado nas mesmas condições, devendo deixar a prisão decentemente vestido. Será permitido ao condenado receber socorro espiritual."
Prevê-se ainda, que
"da execução da pena de morte lavrar-se-á a ata circunstanciada que, assinada pelo executor e duas testemunhas, será remetida ao comandante-chefe, para ser publicada em boletim".
Crimes militares cometidos em tempo de guerra que permitem a aplicação da pena de morte, todos previstos no Código Penal Militar ( Decreto-Lei número Mil e um / Mil novecentos e sessenta e nove )
1) traição ( Artigo Trezentos e cinquenta e cinco );
2) favorecimento do inimigo ( Artigo Trezentos e cinquenta e seis );
3) tentativa contra a soberania do Brasil ( Artigo Trezentos e cinquenta e sete );
4) Coação a comandante militar ( Artigo trezentos e cinquenta e oito );
5) Informação ou auxílio ao inimigo ( Artigo Trezentos e cinquenta e nove );
6) Aliciamento de militar ( Artigo Trezentos e sessenta );
7) ato prejudicial à eficiência da tropa ( Artigo trezentos e sessenta e um );
8) traição imprópria ( Artigo Trezentos e sessenta e dois );
9) covardia qualificada ( Artigo Trezentos e sessenta e quatro );
10) fuga em presença do inimigo ( Artigo trezentos e sessenta e cinco );
11) espionagem ( Artigo trezentos e sessenta e seis );
12) motim, revolta ou conspiração ( Artigo Trezentos e sessenta e oito );
13) incitamento à desobediência em presença do inimigo ( Artigo trezentos setenta e um );
14) rendição ou capitulação ( Artigo Trezentos e setenta e dois );
15) falta qualificada de cumprimento de ordem ( Artigo Trezentos e setenta e cinco, Parágrafo Único );
16) separação reprovável ( Artigo Trezentos e setenta e oito );
17) abandono qualificado do comboio ( Artigo trezentos e setenta e nove );
18) dano especial ( Artigo Trezentos e oitenta e três );
19) danos em base de interesse militar ( Artigo Trezentos e oitenta e quatro );
20) envenenamento, corrupção ou epidemia ( Artigo trezentos e oitenta e cinco );
21) crimes de perigo comum ( Artigo Trezentos e oitenta e seis );
22) insubordinação ( Artigo Trezentos e oitenta e sete );
23) violência ( Artigo Trezentos e oitenta e nove );
24) abandono de posto em presença do inimigo ( Artigo Trezentos e noventa );
25) deserção ( Artigo Trezentos e noventa e dois );
26) libertação ( Artigo Trezentos e noventa e quatro );
27) evasão ( Artigo Trezentos e noventa e cinco );
28) amotinamento de prisioneiros ( Artigo Trezentos e noventa e seis );
29) homicídio qualificado ( Artigo Quatrocentos );
30) genocídio ( Artigo Quatrocentos e cinco );
31) roubo ou extorsão ( Artigo Quatrocentos e cinco );
32) saque ( Artigo Quatrocentos e seis ) e
33) violência carnal qualificada ( Artigo Quatrocentos e oito, Parágrafo Único, Alínea b ).
Pena de caráter perpétuo
A vedação às penas de caráter perpétuo decorre do princípio da natureza temporária, limitada e definida das penas e compatibiliza-se com a garantia constitucional à liberdade e à dignidade humana. Como salientado por Celso Bastos,
"a prisão perpétua priva o homem da sua condição humana. Esta exige sempre um sentido da vida. Aquele que estiver encarcerado sem perspectiva de saída, está destituído desta dimensão espiritual, que é a condição mínima para que o homem viva dignamente" ( Comentários... op. cit. Segundo Volume. Página Duzentos e quarenta e um ).
Além disto, entende Alcino Pinto Falcão que
"tal pena estaria às testilhas com o princípio de que a pena, entre outros fins, tem o de servir à regeneração e readaptação do condenado à vida civil" ( Comentários... Op. cit. Primeiro Volume. Página Duzentos e oitenta ).
Extradição e pena de morte e prisão perpétua
Em relação à extradição, a legislação brasileira exige para sua concessão a comutação, por parte do país estrangeiro, da pena de morte aplicada ou aplicável ao extraditado ( Revista Trimestral de Jurisprudência número Cento e quarenta e três / Quatrocentos e setenta ), salvo nos casos em que o Brasil a admita
( " (...) guerra declarada, nos termos do Artigo Oitenta e quatro, Inciso Dezenove" ).
Ressalte-se, ainda, que em relação à extradição não há que se fazer qualquer ressalva à possibilidade de o país estrangeiro aplicar pena de prisão perpétua ou mesmo de trabalhos forçados ( Revista Trimestral de Jurisprudência números Cento e trinta e dois / Mil e oitenta e três; e número Cento e cinquenta / Trezentos e noventa e um ).
Pena de trabalhos forçados
A norma constitucional, ao proibir a aplicação e execução da pena de trabalhos forçados, pretende evitar a imposição aflitiva de labores desnecessários e afrontadores à dignidade humana. Como lembrado por Celso Bastos,
"é preciso atentar-se para possíveis abusos passíveis de ocorrência neste campo, como dá conta Dostoievski, em Recordações da casa dos mortos, ao narrar que o piro castigo enfrentado pelos detidos era o terem de carregar pedras de um lado para o outro e, depois, recolocá-las no lugar de origem. O trabalho privado de significação prática é execrável" ( Comentários... Op. cit. Segundo Volume. Página Duzentos e quarenta e dois ).
Saliente-se que as penas de trabalho forçado não se confundem com a previsão de trabalho remunerado durante a execução penal, previsto nos Artigos Vinte e oito e seguintes da Lei número Sete mil duzentos e dez / Mil novecentos e oitenta e quatro ( Lei das Execuções Penais ). O trabalho do condenado, conforme previsão legal, como dever social e condição de dignidade humana, terá sempre finalidade educativa e produtiva; sendo, igualmente, remunerado, mediante tabela prévia, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo ( Artigo Vinte e nove da citada Lei ). A própria Lei prevê que o sentenciado deve realizar trabalhos na medida de suas aptidões e capacidade. Esta previsão é plenamente compatível com a Constituição Federal, respeitando a dignidade humana e visando à reeducação do sentenciado ( conforme neste sentido: Falcão, Alcino Pinto. Comentários... Op. cit. Primeiro Volume. Página Duzentos e oitenta e um; Bastos, Celso, Martins, Ives Gandra da Silva. Comentários... Op. cit. Primeiro Volume. Página Duzentos e quarenta e dois; Ferreira, Wolgran Junqueiro. Diretos... Op. cit. Página Trezentos e setenta e um ).
Pacto de San José da Costa Rica e trabalhos forçados
Artigo Sexto - Três - "Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste Artigo:
a) Os trabalhos ou serviços normalmente exigidos pela pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob vigilância e controle das autoridades públicas e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;
b) serviço militar e, nos países em que se admite a isenção por motivo de consciência, qualquer serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele;
c) serviço exigido em casos de perigo ou de calamidade que ameacem a existência ou bem-estar da comunidade;
d) o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais."
Pena de banimento
Banimento ou desterro é a retirada forçada de um nacional de seu país, em virtude da prática de determinado fato no território nacional. A Constituição Federal proíbe a aplicação desta pena. Note-se que a impossibilidade de banimento não impossibilitará, em excepcionais casos previstos na própria Constituição, a concessão de extradição do brasileiro naturalizado, como será adiante analisado nos Incisos Cinquenta e um e Cinquenta e dois, uma vez que a extradição é motivada por crime praticado no exterior.
Penas cruéis
A vedação à aplicação de penas cruéis já constava na Inglaterra, do Bill of Rights de Treze de fevereiro de Mil seiscentos e oitenta e nove, que, em seu Item Dez previa
"que não devem ser exigidas cauções demasiadamente elevadas, não devem ser aplicadas multas excessivas, nem infligidas penas cruéis e fora do comum".
Igualmente, a Emenda número Oito da Constituição dos Estados Unidos da América, aprovada em Vinte e cinco de setembro de Mil setecentos e oitenta e nove e ratificada em Quinze de dezembro de Mil setecentos e noventa e um, previa que
"não seriam exigidas cauções demasiadamente elevadas, nem aplicadas multas excessivas, nem infligidas penas cruéis ou aberrantes".
Também a Constituição portuguesa de Vinte e três de setembro de Mil oitocentos e vinte e dois, importante marco de declaração dos direitos humanos fundamentais, previa em seu Artigo Onze, expressamente, que
"toda pena deve ser proporcionada ao delito; e nenhuma passará da pessoa do delinquente. Fica abolida a tortura, a confiscação de bens, a infâmia, os açoites, o baraço e pregão, a marca de ferro quente e todas as penas cruéis ou infamantes".
A primeira Constituição brasileira - Constituição Política do Império do Brasil, jurada em Vinte e cinco de março de Mil oitocentos e vinte e quatro - determinava em seu Artigo Cento e setenta e nove, Inciso Dezenove, que
"desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis".
A ideia de proibição à aplicação de penas cruéis completa a previsão constitucional que proíbe a tortura e o tratamento desumano e degradante ( Constituição Federal, Artigo Quinto, Inciso Terceiro ) e segue uma tendência do direito penal moderno, como pode ser verificado, por exemplo, na Constituição italiana ( Artigo Vinte e sete - ( ... ).
"As penas não podem comportar tratamentos contrários ao senso de humanidade e devem visar à reeducação do condenado" ),
e na Lei fundamental da Suécia - Instrumento de Governo ( Artigo Quinto -
"Todos os cidadãos serão protegidos contra castigos corporais, torturas, influências de drogas químicas ou abusos com o propósito de extrair ou impedir declarações").
Assim, dentro da noção de penas cruéis deve estar compreendido o conceito de tortura ou de tratamentos desumanos ou degradantes, que são em seu dignificado jurídico, noções graduadas de uma mesma escala que, em todos os seus ramos, acarretam padecimentos físicos ou psíquicos ilícitos e infligidos de modo vexatório para quem os sofre.
O Estado não poderá prever em sua legislação ordinária a possibilidade de aplicação de penas que por sua própria natureza acarretem sofrimentos intensos ( penas inumanas ) ou que provoquem humilhação.
Este preceito constitucional vai ao encontro do Artigo Dezesseis da Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes adotada pela Resolução número Trinta e nove / Quarenta e seis da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Dez de dezembro de Mil novecentos e oitenta e quatro, que estabelece que
"cada Estado-parte se comprometerá a proibir, em qualquer território sob a sua jurisdição, outros atos que constituam tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes".
Como salientava Pimenta Bueno não deixa de pertencer à humanidade; é de mister que seja punido, mas por modo consentâneo, com a razão, próprio de leis e do governo de uma sociedade civilizada" ( Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Mil novecentos e cinquenta e oito. Página Quatrocentos e oito ).
Imutabilidade da presente proibição
Importante ressaltar a total impossibilidade de emenda constitucional que altere o presente Inciso da Constituição Federal de forma a possibilitar a criação, pela legislação penal ordinária, de penas de morte - salvo no caso de guerra declarada, nos termos do Artigo Oitenta e quatro, Inciso Dezenove - , caráter perpétuo, trabalhos forçados, banimento e cruéis, em face de previsão do Artigo Sessenta, Parágrafo Quarto, Inciso Quarto.
Referência
Moraes, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos artigos primeiro a quinto da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência - Oitava edição - São Paulo: Atlas, Dois mil e sete. Página Duzentos e quarenta e dois a Duzentos e quarenta e sete.
Mais em:
https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-70 .
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