quarta-feira, 30 de junho de 2021

Direitos humanos: doutrinas e jurisprudências

Resumo


Para melhor entendimento deste texto, recomenda-se antes a leitura do texto introdutório disponível em https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral . Para quem já leu o referido texto introdutório, agora sim, segue o resumo do subtema doutrinas e jurisprudências sobre DH.


Provas ilícitas


São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. É o que garante o Artigo Quinto, Inciso Quarenta e um, da Constituição Federal, entendendo-as como aquelas colhidas em infringência às normas do direito material, configurando-se importante garantia em relação à ação persecutória do Estado.


A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo deriva da posição preferente dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de uma liberdade pública para obtenção de qualquer prova.


Conforme decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, "é indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade em uma eficaz repressão ao delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados, ensina Heleno Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência criminal, transcrita pela defesa. A Constituição brasileira, no Artigo Quinto, Inciso Quarenta e um, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos" ( Supremo Tribunal Federal, Ação Penal número Trezentos e sete - Dígito Três - Distrito Federal, Plenário, relator Ministro Ilmar Galvão, Diário da Justiça da União, de Treze de outubro de Mil novecentos e noventa e cinco ).


No referido julgamento da Ação Penal Trezentos e sete - Dígito Três - Distrito Federal, em lapidar voto, o Ministro Celso de Mello ensina que


"a norma inscrita no Artigo Quinto, Inciso Quarenta e seis, da Lei Fundamental promulgada em Mil novecentos e oitenta e oito, consagrou, entre nós, com fundamento em sólido magistério doutrinário ( Ada Pellegrini Grinover, Novas tendências do direito processual, Páginas Sessenta  / Oitenta e oids, Mil novecentos e noventa, Forense Universitária; Mauro Cappelletti, Efficacia di prove illegitimamente ammesse e comportamento delle parte, em Rivista di Diritto Civile, Página Cento e doze, Mil novecentos e sessenta e um; Vicenzo Vigoriti, Prove illecite e constituzione, e Rivista di Diritto Processsuale, Página Sessenta e quatro e Página setenta, Mil novecentos e sessenta e oito ), o postulado de que a prova obtida por meio ilícitos deve ser repudiada - e repudiada sempre - pelos juízes e Tribunais, por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se submete ela ao conceito de inconstitucionalidade ( Ada Pellegrini Grinover, op. cit., Página Sessenta e dois, Mil novecentos e noventa, Forense Universitária ). A cláusula constitucional do due process of law - que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público - tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado. A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de consequência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova  - de qualquer prova - cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isto, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por esta explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica. Tenho tido a oportunidade de enfatizar, neste Tribunal, que a Exclusionary Rule, considerada essencial pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América na definição dos limites da atividade probatória desenvolvida pelo Estado, destina-se, na abrangência de seu conteúdo, e pelo banimento processual de evidência ilicitamente coligada, a proteger os réus criminais contra a ilegítima produção ou a ilegal colheita de prova incriminadora ( Garrity v. New Jersey, Trezentos e oitenta e cinco Estados Unidos Quatrocentos e noventa e três, Mil novecentos e sessenta e sete; Mapp v. Ohio, Trezentos e sessenta e sete Estados Unidos Seiscentos e quarenta e três, Mil novecentos e sessenta e um; Wong Sun v. Estados Unidos, Trezentos e setenta e um Estados Unidos Quatrocentos e setenta e um, Mil novecentos e sessenta e dois, verbi gratia )".


Saliente-se, porém, que a doutrina constitucional moderna passou a prever uma atenuação à vedação das provas ilícitas visando a corrigir possíveis distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Esta atenuação prevê, com base no Princípio da Proporcionalidade, hipóteses de admissibilidade das provas ilícitas, que, sempre em caráter excepcional e em casos extremamente graves, poderão ser utilizadas, pois nenhuma liberdade pública absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que se perceba que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização.


A concepção atual da teoria da proporcionalidade, conforme aponta Luiz Francisco Torquato Avolio,


"é, pois, dotada de um sentido técnico no direito púbico e teoria do direito germânicos, correspondente a uma limitação do poder estatal em benefício da garantia de integridade física e moral dos que lhes estão sub-rogados ( ... ). Para que o Estado, me sua atividade, atenda aos interesses da maioria, respeitando os direitos individuais fundamentais, se faz necessário não só a existência de normas para pautar esta atividade e que, em certos casos, nem mesmo a vontade de uma maioria pode derrogar ( Estado de Direito ), como também há de se reconhecer e lançar mão de um princípio regulativo para se ponderar até que ponto se vai dar preferência ao todo ou às partes ( Princípio da Proporcionalidade ), o que também não pode ir além de um certo limite para não retirar o mínimo necessário a uma existência humana digna de ser chamada assim" ( Provas ilícitas. São Paulo: Revista dos Tribunais, Mil novecentos e noventa e cinco. Página Cinquenta e cinco ).


Na jurisprudência pátria, somente se aplica o princípio da proporcionalidade pro reo, entendendo-se que a ilicitude é eliminada por causas excludentes de ilicitude ( Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo número Cento e trinta e oito / Quinhentos e vinte seis) ou em prol do princípio da inocência ( Supremo Tribunal Federal - Primeira Turma - Habeas Corpus número Setenta e quatro mil seiscentos e setenta e oito / Distrito Federal - relator Ministro Moreira Alves - Informativo Supremo Tribunal Federal número Setenta e cinco ).


As provas ilícitas não se confundem com as provas ilegais e as ilegítimas. enquanto, conforme já analisado, as provas ilícitas são aquelas obtidas com infringência ao direito material, as provas ilegítimas são as obtidas com desrespeito ao direito processual. Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas ilícitas e as ilegítimas, pois configuram-se pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento jurídico.


Diferenciação de provas ilícitas e ilegítimas


Supremo Tribunal Federal - "diferenciando prova ilícita - viola norma ou princípio de direito material - de ilegítima - ofende normas ou princípios de direito processual - , aduziu-se que eventual vício na obtenção das provas aconteceria, quando muito, no âmbito processual e que a alegada causa de nulidade estaria sanada em virtude da decisão judicial que depois autorizara a quebra" ( Supremo Tribunal Federal - Segunda Turma - Habeas Corpus número Oitenta e sete mil cento e sessenta e sete / Bahia - relator Ministro Gilmar Mendes, decisão: Vinte e nove de agosto de Dois mil e seis - Informativo Supremo Tribunal Federal número Quatrocentos e trinta e oito, Seção Primeira, Página Três ).


Prova ilícita e ausência de nulidade de todo o processo


Supremo Tribunal Federal - "Indeferido habeas corpus impetrado sob alegação de haver sido o paciente condenado com base em provas ilícitas ( informações provenientes de escuta telefônica autorizada por juiz antes da Lei número Nove mil duzentos e noventa e seis / Mil novecentos e noventa e seis ). A turma entendeu que estas informações, embora houvessem facilitado a investigação - iniciada, segundo a polícia, a partir de denúncia anônima - , não foram indispensáveis quer para o flagrante, quer para a condenação" ( Habeas Corpus número Setenta e quatro mil cento e cinquenta e dois - São Paulo, relator Ministro Sydney Sanches, de Vinte e de agosto de Mil novecentos e noventa e seis - Informativo Supremo Tribunal Federal, de Vinte e oito de agosto de Mil novecentos e noventa e seis - número quarenta e um ).


Nulidade do processo somente quando houver exclusividade da prova ilícita


Supremo Tribunal Federal - "Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de censura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica - prova tida por ilícita até a edição da Lei número Nove mil duzentos e noventa e seis, de Vinte e quatro de julho de Mil novecentos e noventa e seis, e que contaminava as demais provas que dela se originavam - não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial" ( Primeira turma - habeas Corpus número Setenta e quatro mil quinhentos e noventa e nove / São Paulo - relator Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Sete de fevereiro de Mil novecentos e noventa e sete, Página Mil trezentos e quarenta ). Neste mesmo sentido: Supremo Tribunal Federal - Primeira Turma - Habeas Corpus número Setenta e quatro mil quinhentos e trinta / Amapá - relator Ministro Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Treze de dezembro de Mil novecentos e noventa e seis, Página Cinquenta mil cento e sessenta e sete; Supremo Tribunal Federal - Segunda Turma. Habeas Corpus número setenta e três mil cento e um / São Paulo - relator para o Acórdão: Ministro Maurício Correa, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Oito de novembro de Mil novecentos e noventa e seis, Página Quarenta e três mil duzentos e um; Supremo Tribunal Federal - Primeira Turma - Habeas Corpus número Setenta e dois mil quinhentos e vinte e oito / Minas Gerais - relator Ministro Octávio Gallotti, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Dois de fevereiro de Mil novecentos e noventa e seis, Página Oitocentos e cinquenta e um .


Prova ilícita e prosseguimento do processo onde existam provas autônomas e independentes


Supremo Tribunal Federal - "A prova ilícita, caracterizada pela violação de sigilo bancário sem autorização judicial, não sendo a única mencionada na denúncia, não compromete a validade das demas provas que, por ela não contaminadas e dela não decorrentes, integram o conjunto probatório... Não estando a denúncia respaldada exclusivamente em provas obtidas por meio ilícitos, que devem ser desentranhadas dos autos, não há por que declarar-se a sua inépcia porquanto remanesce prova ilícita e autônoma, não contaminada pelo vício de inconstitucionalidade ( Segunda Turma - Recurso de Habeas Corpus número Setenta e quatro mil oitocentos  e sete - Dígito Quatro / Mato Grosso - relator Ministro Maurício Corrêa - Diário da Justiça Seção Primeira, de Vinte de junho de Mil novecentos e novenrta e sete, Página número Vinte e oito mil quinhentos e sete ).


Tortura


Superior Tribunal de Justiça - "A produção de provas precisa obedecer o procedimento legal. Daí a Constituição da República expressar a inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos ( Artigo Quinto Inciso Quarenta e um ). Não produzem efeito confissão e testemunho resultantes de tortura física e psicológica. Decorre nulidade. Não acarreta absolvição. Enquanto não incidente a prescrição, é inadmissível a produção da prova" ( Sexta Turma - Recurso de Habeas Corpus número Dois mil cento e trinta e dois / Bahia - relator Ministro Vicente Cernicchiaro - Ementário Superior Tribunal de Justiça, número Seis / Setecentos e oito ).


Habeas corpus e prova ilícita


Supremo Tribunal Federal - "Impõe-se a extensão de habeas corpus, para anular-se o processo criminal, se a decisão se baseou em prova ilícita, a afastar qualquer caráter pessoal" ( Primeira Turma - Habeas Corpus número Setenta e quatro mil cento e treze - Dígito Um / São Paulo - relator Ministro Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Quatro de abril de Mil novecentos e noventa e sete, Página Dez mil quinhentos e vinte e um ).


Desentranhamento da prova ilícita


Supremo Tribunal Federal - "Reconhecida a ilicitude de prova constante dos autos, consequência imediata é o direito da parte, à qual possa esta prova prejudicar, a vê-la desentranhada" ( Pleno - Embargos de declaração em inquérito número setecentos e trinta e um / Distrito Federal - relator Ministro Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Sete de junho de Mil novecentos e noventa e seis, Página Dezenove mil oitocentos e quarenta e sete ).


Convalidação de provas obtidas por meios ilícitos com a finalidade de defesa das liberdades públicas fundamentais ( legítima defesa )


Conforme já visto anteriormente, as liberdades públicas não podem ser utilizadas como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, e tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.


Exemplificando, seria possível apontar a possibilidade de utilização de uma gravação realizada pela vítima, sem o conhecimento de um dos interlocutores, que comprovasse a prática de um crime de extorsão, pois o próprio agente do ato criminoso, primeiramente, invadiu a esfera de liberdades públicas da vítima, ao ameaçá-la e coagi-la. Esta, por sua vez, em legítima defesa de suas liberdades públicas, obteve uma prova necessária para responsabilizar o agente. Seria possível, também, apontar a hipótese de utilização de uma gravação de vídeo realizada pelo filho, de forma clandestina e sem conhecimento de seu pai, agressor, para comprovação de maus-tratos e sevícias. Não se poderia argumentar que houve desrespeito à inviolabilidade à intimidade e à imagem do pai agressor, pois sua conduta inicial desrespeitou a incolumidade física e a dignidade de seu filho que, em legítima defesa, acabou por produzir a referida prova. Ainda, seria possível apontar a possibilidade de utilização de uma "Carta confidencial" remetida pelo sequestrador aos familiares do sequestrado. Certamente, esta carta poderia ser utilizada em juízo, sem que se falasse em desrespeito ao sigilo das correspondências, pois o sequestrador foi quem, primeiramente, desrespeitou os direitos fundamentais do sequestrado e de seus familiares que, em legítima defesa, produziram tal prova.


Note-se que não se trata do acolhimento de provas ilícitas em desfavor dos acusados e, consequentemente, em desrespeito ao Artigo Quinto, Inciso Quarenta e um da Constituição de Federal. O que ocorre na hipótese é a ausência de ilicitude desta prova, uma vez que aqueles que a produziram agiram em legítima defesa de seus direitos humanos fundamentais, que estavam sendo ameaçados ou lesionados em face de condutas ilícitas. Assim agindo - em legítima defesa - , a ilicitude na colheita da prova é afastada, não incidindo portanto o Inciso Quarenta e um, do Artigo Quinto da Carta Magna.


Como observado pelo Ministro Moreira Alves, em lapidar voto-relator no Habeas Corpus número Setenta e quatro mil seiscentos e setenta e oito - Dígito Um / São Paulo, "evidentemente, seria uma aberração considerar como violação do direito à privacidade a gravação pela própria vítima, ou por ela autorizada, de atos criminosos, como o diálogo com sequestradores, estelionatários e todo tipo de achacadores. No caso, os impetrantes esquecem que a conduta do réu apresentou, antes de tudo, uma intromissão ilícita na vida privada do ofendido, esta sim merecedora de tutela. Quem se dispõe a enviar correspondência ou a telefonar para outrem, ameaçando-o ou extorquindo-o, n´~ao pode pretender abrigar-se em uma obrigação de reserva por parte do destinatário, o que significaria o absurdo de qualificar como confidencial a missiva ou a conversa" ( Supremo Tribunal Federal - Primeira Turma - Habeas Corpus número Setenta e quatro mil seiscentos e setenta e oito - Dígito Um / São Paulo - relator Ministro Moreira Alves, votação unânime, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Quinze de agosto de Mil novecentos e noventa e sete. Serviço. serviço de Jurisprudência do Supremo Tribuna Federal - Ementário número Mil oitocentos e setenta e oito - Dígito Dois ).


Neste mesmo sentido e no referido julgamento, assinalou o Ministro Sepúlveda Pertence a existência de exclusão da ilicitude da gravação obtida por um dos interlocutores, vítima de corrupção passiva ou concussão já consumada, apesar do desconhecimento do outro interlocutor, e, consequentemente, a possibilidade de sua utilização.


Provas derivadas das provas ilícitas


O importante julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de um ex-presidente da República voltou a analisar a questão importantíssima sobre a inadmissibilidade das provas ilícitas e sobre o possível contaminação das chamadas provas derivadas das provas ilícitas. A Constituição, em seu Artigo Quinto, Inciso Quarenta e um, consagra a inadmissibilidade da utilização das provas ilícitas que, conforme já definidas, são aquelas colhidas em infringência às normas do direito material ( por exemplo: inviolabilidade domiciliar, telefônica, direito à intimidade, ao sigilo, etc. ) ocorre que o fato de o Supremo Tribunal Federal não admitir, de longa data, as provas ilícitas ( Recurso Especial número Oitenta e Cinco Mil quatrocentos e trinta e nove, relator Ministro Xavier de Albuquerque, Revista Trimestral de Jurisprudência número Oitenta e quatro / Seiscentos e nove; Recurso Especial número Cem mil e noventa e quatro - Dígito Cinco, relator Ministro Rafael Mayer, Revista Trimestral de Jurisprudência número Cento e dez / Setecentos e noventa e oito; Habeas Corpus numero Sessenta e três mil oitocentos e trinta e quatro - Dígito Um, relator Ministro Aldir Passarinho, Diário da Justiça da União, de Cinco de junho de Mil novecentos e oitenta e sete, Página Onze mil cento e doze ), não terem o condão de gerar nulidade de todo o processo, pois como ressalta o Ministro Moreira Alves, a previsão constitucional não afirma "que são nulos os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos" ( voto do Ministro Moreira Alves, no Habeas Corpus número Sessenta e nove mil novecentos e doze - Dígito Zero / Rio Grande do Sul, Diário da Justiça da União, de Vinte e cinco de março de Mil novecentos e noventa e quatro ).


Não havendo nulidade processual, deve-se delimitar a consequência da inadmissibilidade de uma prova ilícita, definindo se haverá contaminação de todas as demais provas dela resultantes, ou somente desqualificação desta para o julgamento da causa.


O Supremo Tribunal Federal, em duas decisões plenárias e importantíssimas, havia decidido pela inaplicabilidade da doutrina dos fruits of de poisonus tree ( frutos da árvore envenenada ), optando pela prevalência da incomunicabilidde da ilicitude das provas.


No referido julgamento, envolvendo o ex-Presidente, o Tribunal ( Supremo Tribunal Federal - Ação Penal número Trezentos e sete - Dígito Três / Distrito Federal ) rejeitou a tese da defesa, relativamente à repercussão da prova inadmissível sobre as demais, vencidos os Ministro Celso de Mello e, em menor extensão, os Ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira, determinando, pois, que continuam válidas as eventuais provas decorrentes das provas consideradas ilícitas. Confirmou esta decisão plenária posição anterior, em que participaram todos os Ministros, que, igualmente, admitiu a validade de provas derivadas das provas ilícitas ( Habeas Corpus número Sessenta e nove mil novecentos e doze - Dígito Zero / Rio Grande do Sul, Tribunal Pleno, relator Ministro Sepúlveda Pertence, de Dezesseis de dezembro de Mil novecentos e noventa e três, publicado no Diário da Justiça da União, de Vinte e cinco de março de Mil novecentos e noventa e quatro ). Nesta decisão, votaram pela ilicitude das provas decorrentes das provas ilícitas os Ministros Carlos Velloso, Paulo Brossard, Sydney Sanches, Néri da Silveira, Octávio Gallotti e Moreira Alves.


Importante ressaltar que o referido julgamento do Habeas Corpus número Sessenta e nove mil novecentos e doze - Dígito Zero - Rio Grande do Sul, que primeiramente indeferiu a ordem, por seis votos a cinco, entendendo pela incomunicabilidade da ilicitude da prova ilícita às provas derivadas, acabou sendo anulado pela declaração posterior de impedimento de um dos Ministros ( Supremo Tribunal Federal - Mandado de Segurança número Vinte e um mil setecentos e cinquenta, de Vinte e quatro de novembro de Mil novecentos e noventa e três, relator Ministro Carlos Velloso ). Em novo julgamento, deferiu-se a orem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, uma vez que o empate favorece o paciente ( Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, Artigo Cento e Cinquenta, Parágrafo Terceiro ), no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica - à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la  - contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta ( fruits of the poisonous tree ), nas quais se fundou a condenação do paciente. O fato de ter sido concedida a ordem, naquele momento, não alterou a posição da maioria ( seis votos a cinco ) da Corte, pela inadmissibilidade da prova derivada da ilícita, uma vez que não haveria sua contaminação pela comunicabilidade da ilicitude, afastando-se os fruits of the poisonous tree.


Esta definição foi tomada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, invertendo a antiga maioria ( seis votos a cinco ), adotou, em relação às provas derivadas das proas ilícitas, a teoria dos fruits of the poisonous tree, ou seja, pela comunicabilidade da ilicitude das provas ilícitas a todas aquelas que dela derivarem ( conforme Habeas Corpus número Setenta e dois mil quinhentos e oitenta e oito / Paraíba - relator Ministro Maurício Corrêa; Habeas Corpus número Setenta e três mil trezentos e cinquenta e um / São Paulo - relator Ministro Ilmar Galvão; Habeas Corpus número Setenta e três mil quatrocentos e sessenta e um / São Paulo - relator Ministro Octávio Gallotti ).


Em conclusão, a atual posição majoritária do Supremo Tribunal Federal entende que a prova ilícita originária contamina as demais provas dela decorrentes, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada.


Desta maneira, as provas obtidas diretamente por meio ilícitos, bem como todas aquelas que delas derivarem, serão constitucionalmente inadmissíveis, devendo, pois, ser desentranhadas do processo, não tendo, porém, o condão de anulá-lo, permanecendo válidas as demais provas ilícitas e autônomas delas não decorrentes, que servirão para a formação da convicção do magistrado.


Provas ilícitas por derivação e Supremo Tribunal Federal


"Acusação vazada em flagrante delito viabilizado exclusivamente por meio de operação de escuta telefônica, mediante autorização judicial. Prova ilícita. Ausência de legislação regulamentadora. Artigo Quinto, Inciso Doze, da Constituição Federal. Fruits of the poisonous tree. O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos assentou entendimento no sentido de que sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no Artigo Quinto, Inciso Doze, da Constituição, não pode o juiz autorizar a interceptação telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica - a falta de lei que, nos termo do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la - contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta" ( Habeas Corpus número Setenta e três mil trezentos e cinquenta e um - São Paulo - relator Ministro Ilmar Galvão, de Nove de maio de Mil novecentos e noventa e seis - Informativo Supremo Tribunal Federal número Trinta - conforme Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Boletim - Jurisprudência - agosto de Mil novecentos e noventa e seis ). Conferir, no mesmo sentido: Supremo Tribunal Federal - Inquérito número Mil novecentos e noventa e seis / Paraná - relator Ministro Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Vinte e cinco de junho de Dois mil e três, Página setenta.


Provas ilícitas por derivação e Supremo Tribunal Federal - II


"'Frutos da árvore envenenada' - Examinando novamente o problema da validade de provas cuja obtenção não teria sido possível sem o conhecimento de informações provenientes de escuta telefônica autorizada por juiz - prova que o Supremo Tribunal Federal considera ilícita, até que seja regulamentado ao Artigo Quinto, Inciso Doze, da Constituição Federal ( ' é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal' ) - , o Tribunal, por maioria de votos, aplicando a doutrina do 'frutos da árvore envenenada' , concedeu habeas corpus impetrado em favor de advogado acusado do crime de exploração de prestígio ( Código Penal, Artigo Trezentos e cinquenta e sete, Parágrafo Único ), por haver solicitado a seu cliente ( preso em penitenciária ) determinada importância em dinheiro, a pretexto de entregá-la ao juiz de sua causa. Entendeu-se que o testemunho do cliente - ao qual se chegara exclusivamente em razão de escuta - , confirmando a solicitação feita pelo advogado na conversa telefônica, estaria 'contaminado' pela ilicitude da prova originária. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Octávio Gallotti, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, que indeferiram o habeas corpus, ao fundamento de que somente a prova ilícita - no caso, a escuta - deveria ser desprezada" ( Habeas Corpus número Setenta e dois mil quinhentos e oitenta e oito - Paraíba - relator Ministro Maurício Corrêa, de Doze de junho de Mil novecentos e noventa e seis - Informativo Supremo Tribunal Federal - Brasília, de Dez a Quatorze de junho de Mil novecentos e noventa e seis - número Trinta e cinco ).


Provas ilícitas por derivação e Supremo Tribunal Federal  - III


Supremo Tribunal Federal - "É ilícita a prova produzida mediante escuta telefônica autorizada por magistrado, antes do advento da Lei número Nove mil duzentos e noventa e seis, de Vinte e quatro de julho de Mil novecentos e noventa e seis, que regulamentou o Artigo quinto, Inciso Doze, da Constituição Federal; são igualmente ilícitas, por contaminação, as dela decorrentes: aplicação da doutrina norte-americana dos frutos da árvore venenosa" ( Segunda Turma - habeas Corpus número setenta e quatro mil cento e dezesseis / São Paulo - relator Ministro Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Quatorze de março de de Mil novecentos e noventa e sete, Página Seis mil novecentos e três ).


Momento da análise da derivação da ilicitude


Supremo Tribunal Federal - "Só a partir de eventual denúncia ou sentença condenatória e do aproveitamento relevante numa ou outra de elementos derivados as provas ilícitas é que poderá reacender-se oportunamente oportunamente a questão dos 'fruits of the poisonous tree' ( Habeas Corpus número Oitenta mil novecentos e quarenta e nove - Dígito Nove / Rio de Janeiro, Ministro Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Dezessete de agosto de Dois mil e quatro, Página Treze ).


Provas independentes das provas ilícitas


Supremo Tribunal Federal - "Descabe concluir pela nulidade do processo quando o decreto condenatório repousa em outras provas que exsurgem independentes, ou seja, não vinculantes à que se aponta como ilícita" ( Supremo Tribunal Federal - Segunda Turma - Habeas Corpus número Setenta e cinco mil oitocentos e noventa e dois - Dígito Seis / Rio de Janeiro - relator Ministro Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Dezessete de abril de Mil novecentos e noventa e oito ), uma vez que "a existência nos autos de prova obtida ilicitamente ( escuta telefônica autorizada por juiz antes do advento da Lei número Nove mil duzentos e noventa e seis / Mil novecentos e noventa e nove ) não basta a invalidação do processo, se há outras provas consideradas autônomas, isto é, colhidas sem necessidade dos elementos informativos revelados pela prova ilícita" ( Supremo Tribunal Federal - Segunda Turma - Habeas Corpus número Setenta e seis mil duzentos e trinta e um / Rio de Janeiro - relator Ministro Nelson Jobim, decisão: de Dezesseis de junho de Mil novecentos e noventa e oito, Informativo Supremo Tribunal Federal número Cento e quinze ). Conferir, no mesmo sentido: Revista Trimestral de Jurisprudência número Cento e sessenta e quatro / Novecentos e cinquenta e sete; Revista Trimestral de Jurisprudência número Cento e sessenta e quatro / Novecentos e setenta e cinco; Supremo Tribunal Federal - Segunda Turma - Habeas Corpus número Oitenta e sete mil seiscentos e cinquenta e quatro / Paraná - relatora Ministra Ellen Gracie, decisão: de Sete de março de Dois mil e seis, Informativo Supremo Tribunal Federal número quatrocentos e dezoito; Supremo Tribunal Federal - Primeira Turma - habeas Corpus número Oitenta e sete mil trezentos e quarenta e um - Dígito Três / Paraná - relator Ministro Eros Grau, decisão de Sete de fevereiro de Dois mil e seis; Supremo Tribunal Federal - Primeira Turma - Habeas Corpus número Setenta e quatro mil quatrocentos e onze - Dígito Sete / São Paulo - relator Ministro Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Nove de outubro de Mil novecentos e noventa e oito ).


Referência


Moraes, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos artigos primeiro a quinto da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência - Oitava edição - São Paulo: Atlas, Dois mil e sete. Página Duzentos e sessenta e nove a Duzentos e setenta e sete.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-76 .

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