quarta-feira, 30 de junho de 2021

Direitos humanos: doutrinas e jurisprudências

Resumo


Para melhor entendimento deste texto, recomenda-se antes a leitura do texto introdutório disponível em https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral . Para quem já leu o referido texto introdutório, agora sim, segue o resumo do subtema doutrinas e jurisprudências sobre DH.


Princípio da presunção de inocência


A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal.


Desta forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltar-se ao total arbítrio estatal.


A presunção de inocência é uma presunção juris tantum, que exige para ser afastada a existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e com a garantia da ampla defesa. Esta garantia já era prevista no Artigo Nono da Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em Vinte e seis de agosto de Mil setecentos e oitenta e nove ( "Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado" ).


O direito de ser presumido inocente, consagrado constitucionalmente pelo Artigo Quinto, Inciso Quarenta e dois, possui quatro básicas funções:


1) limitação à atividade legislativa

2) critério condicionador das das interpretações das normas vigentes;

3) critério de tratamento extraprocessual em todos os seus aspectos ( inocente ) e

4) obrigatoriedade e o ônus da prova da prática de um fato delituoso ser sempre o acusador.


Desta forma, a presunção de inocência condicionada toda condenação a uma atividade probatória produzida pela acusação e veda, taxativamente, a condenação, inexistindo as necessárias provas.


O princípio da presunção de inocência consubstancia-se, portanto, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença judicial com trânsito em julgado, ao término do devido processo legal ( due process of law ), em que o acusado pôde utilizar-se de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa ( ampla defesa ) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação ( contraditório ).


Em virtude disto, pode-se apontar três exigências decorrentes da previsão constitucional da presunção de inocência:


1) o ônus da prova dos fatos constitutivos da pretensão penal pertence com exclusividade à acusação, sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de provas referentes a fatos negativos ( provas diabólicas );

2) necessidade de colheita de provas ou de repetição de provas já obtidas perante o órgão judicial competente, mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa e

3) absoluta independência funcional do magistrado na valoração livre das provas.


A existência de interligação entre os princípios da presunção de inocência, juiz natural, devido processo legal, ampla defesa e contraditório é, portanto, ínsita ao Estado democrático de Direito, uma vez que somente por meio de uma sequência de atos processuais, realizados perante a autoridade judicial competente, poder-se-á obter provas lícitas produzidas com a integral participação e controle da defesa pessoal e técnica do acusado, a fim de obter-se uma decisão condenatória, afastando-se, portanto, a presunção constitucional de inocência.


A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies do prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis. Desta forma, permanecem válidas as prisões temporárias, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado.


Em relação a esta última hipótese, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por seis votos contra cinco, entendeu que a regra do Artigo Quinhentos e noventa e quatro do Código de Processo Penal ( "o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão") continua em vigor,


"não tendo sido revogada pela presunção de inocência do Artigo Quinto, Inciso Quarenta e dois, da Constituição Federal - que, segundo a maioria, concerne à disciplina do ônus da prova, nem pela aprovação, em Vinte e oito de maio de Mil novecentos e noventa e dois, por decreto-legislativo do Congresso Nacional, do Pacto de São José da Costa Rica" ( Supremo Tribunal Federal - habeas Corpus número Setenta e dois mil trezentos e sessenta e seis  - São Paulo, relator Ministro Néri da Silveira, sessão de Treze de setembro de Mil novecentos e noventa e cinco. ficaram vencidos os Ministros Maurício Corrêa, Francisco Rezek, Marco Aurélio, Ilmar Galvão e Sepúlveda Pertence ).


O mesmo entendimento é partilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, que sumulou a questão: "A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência ( Súmula número nove ).


Além disto, a existência de recurso especial dirigido ao Superior Tribunal de Justiça ou de recurso extraordinário encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, ainda pendentes de apreciação, não assegura ao condenado o direito de aguardar em liberdade o julgamento de qualquer destas modalidades de impugnação recursal, porque despojadas, ambas, de eficácia suspensiva ( Lei número Oito mil e trinta e oito / Mil novecentos e noventa, Artigo Vinte e sete, Parágrafo Segundo - conforme Supremo Tribunal Federal - Primeira Turma - Habeas Corpus número Setenta e três mil cento e cinquenta e um - Dígito Um / Rio de Janeiro - relator Ministro Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Dezenove e abril de Mil novecentos e noventa e seis, Página Doze mil duzentos e dezesseis ).


Diversamente, porém, o lançamento do nome do acusado no rol dos culpados viola o princípio constitucional que, proclamado pelo Artigo Quinto, Inciso Quarenta e dois, da Carta Política, consagra, em nosso sistema jurídico, a presunção juris tantum de não-culpabilidade daqueles que figurem como réus nos processos penais condenatórios.


Prisão processual e prevalência dos direitos humanos


Superior Tribunal de Justiça - A prisão processual deve ser fundamentada. Significa indicar o fato. Insuficiente apenas a indicação da norma, de que é exemplo da decisão restringir-se a mencionar que o acusado não preenche os requisitos do Artigo Quatrocentos e oito, Parágrafo Segundo, do Código de Processo Penal. O combate à violência encontra adesão da sociedade. Urge, entretanto, acatar o sistema jurídico democrático e as penosas e lentas conquistas dos Direitos Humanos" ( Sexta Turma - Recurso de Habeas Corpus número Três mil trezentos e sessenta e cinco - Dígito Sete / São Paulo - relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro - Ementário Superior Tribunal de Justiça, número Dez / Setecentos e doze ).


Constitucionalidade das prisão temporária 


Superior Tribunal de Justiça - "A prisão temporária - Lei número Sete mil novecentos e sessenta / Mil novecentos e oitenta e nove. Legitimidade do ato. Atendo ao requisito do Artigo Quinto, Inciso Quarenta e dois da Constituição Federal, há de considerar-se legítimo o decreto de pressão temporária motivada o Artigo Primeiro, Incisos Primeiro e Segundo, da Lei número sete mil novecentos e sessenta / Mil novecentos e oitenta e nove, a qual, por sua vez, também se mostra atenta ao precipitado comando constitucional" ( Quinta Turma - Recurso de habeas Corpus número Mil quinhentos e setenta e seis - Dígito Zero / Santa Catarina - relator Ministro José Dantas - Ementário Superior Tribunal de Justiça, número Cinco / Seiscentos e setenta e cinco ).


Constitucionalidade da prisão preventiva


Superior Tribunal de Justiça - "A Constituição Federal, não paira dúvida, tem como regra geral ficar-se em liberdade, enquanto se aguarda o desenrolar do processo penal. Todo cidadão é inocente até que seja irremediavelmente condenado ( Artigo Quinto, Inciso Quarenta e dois ). É que o preso, por sofrer restrição em sua liberdade de locomoção, não deixa de ter o direito de ampla defesa diminuído. Mas, por outro lado, pode estar e jogo valor que também deve ser protegido para a apuração da verdade real. Daí a mesma Constituição ( que também constitui um sistema lógico-político ) permitir a prisão em circunstâncias excepcionais ( Artigo quinto, Inciso Sessenta e um e Sessenta e seis ), exigindo sempre sua fundamentação, sobretudo por se tratar de exceção ( Artigo Noventa e três, Inciso Nono ). Por tal motivo, mesmo o primário e de bons antecedentes pode ser preso sem algum arranhão aos princípios constitucionais" ( Sexta Turma - Recurso de habeas Corpus número Três mio Setecentos e quinze - Dígito Seis / Minas Gerais - relator Ministro Adhemar Maciel - Ementário Superior Tribunal de Justiça número Onze / Seiscentos e noventa ). No mesmo sentido: Superior Tribunal de Justiça - Quinta Turma - Recurso de Habeas Corpus número Quinhentos e onze / São Paulo - relator Ministro Costa Lima - Ementário Superior Tribunal de Justiça número Três / Seiscentos e quatro; Superior Tribunal de Justiça - Sexta Turma - Recurso de Habeas Corpus número Dois mil oitocentos e treze - Dígito Zero / Espírito Santo - relator Ministro Pedro Acioli - Ementário Superior Tribunal de Justiça número Oito / Setecentos e sessenta.


Prisão por sentença condenatória sem trânsito em julgado


Supremo Tribunal Federal - "O Inciso Quarenta e dois do Artigo Quinto da Constituição Federal, segundo o qual 'ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória' é obstáculo, apenas, a que se lance o nome do rol dos culpados não estiver definitivamente condenado, mas não a prisão imediata após o julgamento do recurso ordinário, como previsto no Artigo Seiscentos e trinta e sete do Código de Processo Penal" ( Primeira Turma - Habeas Corpus número Setenta e dois mil cento e setenta e um / São Paulo - relator Ministro Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Vinte e sete de outubro de Mil novecentos e noventa e cinco, Página Trinta e seis mil trezentos e trinta e dois ). No mesmo sentido: Supremo Tribunal Federal - Segunda Turma - Habeas Corpus número Setenta e um mil quatrocentos e um - Dígito Três / Mato Grosso do Sul - relator Ministro Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção Primeira de Oito de setembro de Mil novecentos e noventa e cinco, Página Vinte e oito mil trezentos e cinquenta e cinco.


Prisão por sentença condenatória sem trânsito em julgado II


Superior Tribunal de Justiça - "A jurisprudência da Corte, fundada no princípio constitucional da inocência presumida ( Constituição Federal, Artigo Quinto ), tem proclamado o entendimento de que a regra do Artigo Quinhentos e noventa e quatro, do Código de Processo Penal, deve ser concebida de forma atenuada, sendo descabida a submissão do réu à prisão para poder apelar sem a indicação objetiva da necessidade da medida" ( Sexta Turma - Recurso de Habeas Corpus número Quatro mil e quatrocentos - Dígito Quatro / Santa Catarina - relator Ministro Vicente Leal; julgado em Vinte de abril de Mil novecentos e noventa e cinco; votação unânime; ementa ).


Prisão por pronúncia


Supremo Tribunal Federal - "Prisão cautelar - Instituto compatível com o princípio constitucional da não constitucional da não-culpabilidade ( Conforme Artigo Quinto, Inciso Quarenta e dois ) - Concessão de liberdade provisória - Mera faculdade judicial ( ... ). O réu pronunciado - ainda que primário e de bons antecedentes - nenhum direito tem à obtenção da liberdade provisória. A preservação do status libertatis do acusado traduz, neste contexto, mera faculdade reconhecida ao juiz" ( Primeira Turma - Habeas Corpus número Sessenta e nove mil e vinte e seis / Distrito Federal - relator Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Quatro de setembro de Mil novecentos e noventa e dois, Página Quatorze mil e noventa e um ).


Pacto de São José da Costa Rica e direito de recorrer em liberdade


Supremo Tribunal Federal - "O Plenário do Supremo Tribunal Federal já salientou que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ( Pacto de São José da Costa Rica ) não assegura, de odo irrestrito, o direito de recorrer em liberdade, ressalvando o disposto na Constituição e nas leis dos Estados-partes" ( Primeira Turma - Habeas Corpus número Setenta e três mil cento e cinquenta e um / Rio de Janeiro - relator Ministro Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Dezenove de abril de Mil novecentos e noventa e seis, Página Doze mil duzentos e dezesseis ).


Lançamento do nome do réu no rol dos culpados


Supremo Tribunal Federal - "A norma inscrita no Artigo Quatrocentos e oito, Parágrafo Primeiro, do Código de Processo Penal - que autoriza o juiz, quando da prolação da sentença de pronúncia, a ordenar o lançamento do nome do réu no rol dos culpados - esta derrogada em face da superveniência de preceito constitucional com ela materialmente incompatível ( Constituição Federal, Artigo Quinto, Inciso Quarenta e dois )" - ( Pleno - Habeas Corpus número Sessenta e nove mil seiscentos e noventa e seis / São Paulo - relator Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção Primeira, de Primeiro de outubro de Mil novecentos e noventa e três, Página Vinte mil duzentos e treze ).


Princípio da presunção de inocência e princípio do in dubio pro reo


O princípio da presunção de inocência não se confunde com o princípio in dubio pro reo, pois, apesar de ambos serem espécies do gênero favor rei, existe substancial diferenciação entre eles: enquanto o primeiro sempre tem incidência processual e extraprocessual, o segundo somente incidirá, processualmente, quando o órgão judicial tenha ficado em dúvida em relação às provas apresentadas, devendo então optar pela melhor interpretação que convier ao acusado. Note-se que se a acusação não tiver conseguido provar as alegações ofertadas contra o acusado, não existindo, pois, qualquer dúvida no espírito do magistrado, permanecerá a existência do princípio da presunção de inocência, sem contudo ter havido necessidade de utilização do in dubio pro reo.


O princípio do in dubio pro reo impõe ao órgão julgador o decreto absolutório quando não tenha se convencido totalmente da procedência das acusações ofertadas pelo órgão acusador.


Pode se concluir no sentido de que previsão do in dubio pro reo é um dos instrumentos processuais previstos para garantia de um princípio maior, que é o princípio da inocência.


Presunção de inocência e princípio do in dubio pro reo


Supremo Tribunal Federal - "Nenhuma acusação penal presume comprovada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, no atual sistema de direito positivo, a regra de que, em dado momento histórico do processo político brasileiro ( Estado Novo ), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência ( Decreto-lei número Oitenta e oito de Vinte de dezembro de Mil novecentos e trinta e sete, Artigo Vinte, número Cinco )" ( Primeira Turma - habeas Corpus número Setenta e três mil trezentos e trinta e oito / Rio de Janeiro - relator Ministro Celso de Mello - Revista Trimestral de Jurisprudência número Cento e sessenta e um / Duzentos e sessenta e quatro ).


Referência


Moraes, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos artigos primeiro a quinto da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência - Oitava edição - São Paulo: Atlas, Dois mil e sete. Página Duzentos e setenta e sete a Duzentos e oitenta e um.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-79 .

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