segunda-feira, 21 de junho de 2021

Epidemia: CPI apura aumento da suspeita de defesa incessante da cloroquina por Bolsonaro

À medida em que avançam as investigações da CPI da Covid, mais suspeita se torna a defesa incessante da cloroquina por parte de Jair Bolsonaro. Os documentos reunidos e as testemunhas ouvidas até agora indicam que a propaganda do remédio serviu a dois principais objetivos:

1) ajudar o governo a implementar a imunidade de rebanho por contaminação, espalhando o vírus propositadamente;

2) permitir que empresários aliados a Bolsonaro lucrassem com a venda da hidroxicloroquina e outras drogas que integrariam o chamado “tratamento precoce”.


Sobre esse segundo ponto, novas revelações vieram à tona nesta segunda-feira (21). Já se sabia que, em abril de 2020, Jair Bolsonaro ligou para o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e pediu que insumos necessários à produção da hidroxicloroquina fossem enaminhados a duas empresas dirigidas por amigos seus: a EMS e a Aspen. As companhias poderiam, assim, fabricar mais doses do remédio, cujas vendas disparavam nas farmácias.

Agora, outros documentos obtidos pela CPI da Covid mostram que esse telefonema está longe de ser um caso isolado. Segundo mostrou o jornal O Globo, o governo Bolsonaro atuou pela aquisição de insumos para a produção de hidroxicloroquina no exterior em pelo menos 84 ocasiões, todas documentadas em telegramas que o Itamaraty teve de encaminhar à comissão de inquérito. A maior parte das comunicações foi feita à Índia, mas também foram feitos pedidos aos Estados Unidos.

“Em junho, quando a ineficácia da cloroquina contra a Covid-19 já havia sido comprovada por cientistas, o Itamaraty seguiu mobilizado na importação de insumos. Orientada pelo governo federal, a Embaixada em Nova Déli informou ao MRE em 8 de junho que havia entrado em contato com diversas empresas indianas que pudessem fornecer os materiais”, informa o jornal.

Roteiro traçado nos EUA


Há um contraste enorme entre o empenho de Bolsonaro para conseguir a cloroquina e o esforço para adquirir vacinas, que foi praticamente nulo. E a explicação é simples. Só a cloroquina ajudaria o atual presidente a colocar em prática seu plano de estimular a imunidade de rebanho por contaminação.

Como se pode observar na linha do tempo abaixo, a estratégia de Bolsonaro diante da pandemia seguiu um plano também adotado inicialmente por outros líderes de extrema-direita, mais notadamente o ex-presidente norte-americano Donald Trump e o primeiro-ministro inglês, Boris Johnson.

No entanto, o brasileiro teve muito mais descaso com a vida de seus compatriotas. Enquanto Johnson, cujo governo chegou a defender a imunidade de rebanho por contaminação, recuou e adotou lockdowns, e Trump não vacilou em comprar milhões de doses de vacina ainda em julho de 2020, Bolsonaro seguiu contrário às medidas de isolamento, recusou ofertas de compra da vacina e até hoje defende o tratamento precoce à base de cloroquina e outras drogas.

No início de março de 2020, Bolsonaro viajou aos Estados Unidos e voltou de lá com todo seu roteiro traçado. De volta ao Brasil, passou a estimular a imunidade de rebanho, dando como certa a infecção de “60% ou 70% das pessoas”, e a se referir à cloroquina como um remédio capaz de deixar os brasileiros “livres desse vírus”.

Para ampliar a distribuição, pressionou o Conselho Federal de Medicina (CFM) a dar parecer favorável ao uso da droga; trocou ministros da Saúde até colocar na pasta o general Eduardo Pazuello, que assinou protocolo recomendando a prescrição da hidroxicloroquina contra a Covid-19; e contou com o apoio do Exército, que aumentou a fabricação da droga e chegou a pagar 167% mais caro por insumos de fabricação.

Linha do tempo: Bolsonaro e a cloroquina


7/3/20 – Bolsonaro viaja para os Estados Unidos, onde se reúne com militares, empresários e Donald Trump

10/3/20 – Ainda em Miami, Bolsonaro diz que a pandemia é “muito mais fantasia”

13/3/20 – Assessor de Boris Johnson fala em estimular a imunidade de rebanho, deixando que 60% ou 70% sejam infectados. Após críticas, nega que adotará a estratégia

16/3/20 – Paulo Guedes apresenta plano para preservar a economia e diz: “Os mais idosos idosos vão pra casa. Os mais jovens podem circular”

16/3/20 – Ellon Musk, dono da Tesla, defende que a cloroquina seja considerada como tratamento para a Covid-19

17/3/20 – “Uma nação como o Brasil só estará livre quando certo número de pessoas for infectado e criar anticorpos”, diz Bolsonaro, em entrevista à Rádio Tupi, iniciando defesa da imunidade de rebanho sem citar o nome da estratégia, o que aliás, nunca faria

19/3/20 – Donald Trump anuncia que a FDA, agência reguladora de medicamentos dos EUA, começou a avaliar, em caráter experimental, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a Covid-19

19/3/20 – No mesmo dia, Bolsonaro exagera e diz que “Estados Unidos liberou remédio com potencial para tratar do coronavírus”

21/3/20 – Bolsonaro anuncia que laboratório do Exército ampliará produção dos medicamentos e diz: “Tenhamos fé que brevemente estaremos livres desse vírus”

23/3/20 – Anvisa retira a exigência de receita médica especial para pacientes que recebem, via rede pública, medicamentos especiais à base das duas drogas

25/3/20 – Bolsonaro cita a cloroquina em pronunciamento oficial em rede de rádio e tevê

28/3/20 – Nos EUA, a FDA autoriza o uso emergencial para tratar pacientes hospitalizados com Covid-19

4/4/20 – Bolsonaro pede para que a Índia libere insumos para a fabricação da cloroquina e cita duas empresas de amigos seus: Aspen e EMS

6/4/20 – O jornal The New York Times publica matéria na qual afirma: “Se a hidroxicloroquina se tornar um tratamento aceito, muitas companhias farmacêuticas devem lucrar, incluindo acionistas e executivos com conexões com o presidente. O próprio Trump tem uma pequena participação na Sanofi, a produtora de remédios francesa que fabrica a Plaquenil, nome comercial da hidroxicloroquina.”

8/4/20 – Bolsonaro tuíta: “Cada vez mais o uso da cloroquina se apresenta como algo eficaz”

16/4/20 – O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprova parecer autorizando médicos a prescrever cloroquina para pacientes diagnosticados com Covid-19, o que gera críticas de especialistas. Antes de ser divulgado, o documento é mostrado a Bolsonaro

16/4/20 – No mesmo dia, Luiz Henrique Mandetta anuncia que foi demitido do Ministério da Saúde por Bolsonaro. Um dia antes, havia falado contra o uso da cloroquina para combater a Covid-19. Em seu lugar entra Nelson Teich

14/5/20 – Em live com empresários, Bolsonaro diz que “está exigindo a questão da cloroquina” do Ministério da Saúde

15/5/20 – Teich deixa o Ministério da Saúde e afirma: “É óbvio que antecipar o uso da cloroquina teve peso (na minha saída)”

21/5/20 – O general Eduardo Pazuello, que assumiu o Ministério da Saúde, assina protocolo recomendando a prescrição dos remédios

25/5/20 – OMS paralisa estudo sobre uso das drogas no tratamento da Covid-19

15/6/20 – A FDA revoga a autorização de uso emergencial das duas drogas nos Estados Unidos depois de não encontrar evidências de que funcionam

7/7/20 – Bolsonaro anuncia que está com Covid-19 e diz que está tomando hidroxicloroquina

16/7/20 – Pfizer apresenta ao Brasil condições de compra da vacina. Documento é ignorado, assim como seriam outras ofertas de venda do imunizante

22/7/20 – Donald Trump fecha acordo para comprar 100 milhões de doses da vacina da Pfizer

22/7/20 – Anvisa flexibiliza prescrição da ivermectina

30/7/20 – Ministério da Saúde amplia recomendação da cloroquina para grávidas

31/7/20 – Ao explicar ao TCU por que pagou 167% a mais por insumo para fabricação da cloroquina, Exército menciona necessidade de “produzir esperança para corações aflitos”

31/7/20 – No mesmo dia, Brasil recebe doação de 2 milhões de doses de hidroxicloroquina do governo dos Estados Unidos

13/8/20 – Bolsonaro, após cumprir isolamento por causa da Covid-19, intensifica viagens pelo Brasil, sempre aparecendo sem máscara e causando aglomeração. No Pará, diz: “Sou a prova viva de que a cloroquina deu certo”

16/9/20 – Bolsonaro diz, em discurso oficial, que, se hidroxicloroquina fosse administrada “de forma precoce”, por volta de 30% das mortes poderiam ser evitadas

25/9/20 – Mandetta lança o livro Um paciente chamado Brasil, no qual conta: “Nunca na cabeça dele houve a preocupação de propor a cloroquina como um caminho de saúde. A preocupação dele era sempre ‘Vamos dar esse remédio porque, com essa caixinha de cloroquina na mão, os trabalhadores voltarão à ativa. (…) O projeto dele para combate à pandemia é dizer que o governo tem o remédio e quem tomar o remédio vai ficar bem. Só vai morrer quem ia morrer de qualquer maneira”.

2/10/20 – Donald Trump é internado com Covid-19 e não usa hidroxicloroquina

21/10 – Bolsonaro desautoriza Pazuello, após o ministro anunciar que compraria doses da CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan

26/10/20 – Bolsonaro questiona “pressa” pela vacina e volta a chamar cloroquina de “cura”

7/1/21 – O Ministério da Saúde pressiona a Secretaria de Saúde de Manaus a usar a hidroxicloroquina e agenda visita a unidades de saúde da cidade para promover o tratamento precoce

11/1/21 – Ministério lança o aplicativo TrateCov, que recomenda a prescrição de cloroquina e outras drogas sem eifcácia a pacientes com sintomas de Covid-19

28/2/21 – Em live na internet, Bolsonaro faz propaganda da nebulização com cloroquina

6/5/21 – Segundo a revista PiauíMinistério da Saúde apaga de seu site recomendação para uso de cloroquina às vésperas da instalação da CPI da Covid

Com informações de pt.org.br .

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