quinta-feira, 29 de julho de 2021

Direitos Humanos: os desafios dos defensores de DH na política liberal democrática

 A ótica dominante e o modelo liberal democrático da política ( *35 vide nota de rodapé )


Aparentemente, o curso dos acontecimentos estaria demonstrando a validade da conclusão acerca da impossibilidade de fazer dos Direitos Humanos uma política ( * 35 vide nota de rodapé ) no processo de consolidação democrática. Quer dizer, a impossibilidade de que esta ação coletiva, nascida como mobilização defensiva contra o terror de Estado ( *4 vide nota de rodapé ), possa dotar-se dos meios apropriados para realizar os fins que se propõe e deste modo ter capacidade de influência aqui e agora em um contexto onde cessam as violações por motivos políticos ( *12 vide nota de rodapé ), se restabelece a arena formal da política ( *35 vide nota de rodapé ), e a justiça se encarrega de assegurar a vigência dos direitos e garantias reconhecidas pela lei. Os próprios movimentos de Direitos Humanos fariam veicular a prova disto, através dos impasses e dilemas que enfrentam nas conjunturas atuais, e que se resumem na formulação de insistentes perguntas sobre o papel e o conteúdo que suas lutas podem assumir sob as novas situações de restauração democrática.


Sem dúvida, não faltam razões para a opinião dominante quando questiona a alta dose de irrealismo político ( *35 vide nota de rodapé ) ( e o risco de isolamento e declínio que isto traz consigo ) com que se orientam certas correntes dentro das movimentos de Direitos Humanos, as quais se obstinam em manter inalterados o conteúdo e as modalidades de suas reivindicações originárias, ignorando as mudanças gerais introduzidas pela redemocratização do processos político, assim como as consequências políticas ( *35 vide nota de rodapé ) não previstas nem desejadas de suas próprias ações e das ações dos demais atores implicados na questão dos Direitos Humanos. Mais uma vez, o caso argentino se mostra exemplar: é notório o irrealismo de determinadas posições que pedem "o aparecimento com vida dos desaparecidos", ou que reclamam do governo Alfonsín sua falta de disposição em aplicar uma política ( *35 vide nota de rodapé ) de transformação imediata e integral da corporação militar, independente de todo cálculo estratégico em termo de distribuição de recursos efetivos de poder e dos possíveis resultados de uma prova de forças. Ocorre, no entanto, que a pertinência da crítica às posições que se orientam conforme aquilo que Weber denominava de "ética absoluta da convicção", da mesma forma que a crítica ao individualismo que permeia o imaginário de numerosos movimentos, não habilita a visão dominante de apresentar-se, por extensão, como a portadora exclusiva de juízos realistas sobre o possível e o impossível em matéria de juízos realistas sobre o possível e o impossível em matéria de política ( * 35 vide nota de rodapé ) de Direitos Humanos.


A rigor, a assertiva da visão dominante, em suas vertentes discursivas de senso comum, política e acadêmica ( especialmente esta última ), resulta de uma leitura parcial e parcializada dos processos históricos, feita a partir de uma série de definições subjacentes, que atribuem um sentido único e unívoco aos termos política ( *35 vide nota de rodapé ), Direitos Humanos e democracia. Se bem que exista uma diversidade de posturas a respeito da aqui chamada visão ou opinião dominante, todas elas têm por denominador comum uma definição implícita da política ( * 35 vide nota de rodapé ) como um lugar delimitado ( e das linhas de ação que em suas fronteiras se desenvolvem ), onde se enfrentam indivíduos e grupos em competição com o objetivo de conquistar o poder do Estado ( e seus desmembramentos vários ) ou para influenciá-lo diretamente. Vale dizer, identificar-se a política ( *35 vide nota de rodapé ) com um campo de contradições de interesses ( materiais e simbólicos ), mas também de convergências e agregações parciais, que é regulado pelo poder público que dispõe do monopólio da violência legítima na sociedade global na sociedade global e que é animado por atores que orientam racionalmente sua ação conforme os parâmetros políticos instituídos ( *33 vide nota de rodapé ). Ao mesmo tempo, se faz uso de uma noção de Direitos Humanos que, conforme o que já foi ressaltado, os reduz ao repertório clássico dos direitos individuais frente ao Estado, funcionando como limites de natureza moral e jurídica contra os eventuais abusos do poder político. Ou seja, esta visão coincide com o sentido imediato com que a luta pelo respeito dos direitos elementares ( a começar pelo direito à vida - *7 vide nota de rodapé ) irrompeu nestas sociedades durante as recentes experiências de autoritarismo militar: oposição ao poder político fundada na defesa de um direito subjetivo, indivíduos-sociedade civil contra o Estado e seu terror ( *4 vide nota de rodapé ), moral contra política ( *35 vide nota de rodapé ) ( *33 vide nota de rodapé ). Finalmente, por democracia se entende o conjunto de valores e instituições que se traduzem em conhecidas regras de procedimento ( sufrágio universal ), eleições periódicas, princípio da maioria numérica, direitos da minoria, sistema representativo de partidos políticos, divisão de função entre uma pluralidade de detentores formais do poder do Estado, etc. ). que regulam a obtenção, o exercício e o controle do poder político, e das quais também fazem parte os Direitos Humanos stricto sensu ( liberdades civis e políticas do indivíduo-cidadão ), como limitações não políticas externas à ação do Estado. Quer dizer, aquelas exigências e regras mínimas que definem, em nível institucional, a racionalidade política inerente aos regimes de democracia representativa pluralista.


Na realidade, tais definições são derivações de uma mesma matriz, o modelo liberal-democrático, que tem por referentes históricos as sociedades de capitalismo avançado, no quadro do Estado de Bem-Estar ( *34 vide nota de rodapé ). Este modelo, que postula simultaneamente a distinção entre indivíduos e Estado e sua relação fundamental de mútua criação, concebe o processo político democrático como a forma mais importante de mediação como a forma mais importante de mediação ou de ponte entre o cidadão - titular de exigências e de direitos - e a ordem institucionalizada de autoridade pública. Suas funções básicas consistem em permitir a articulação de conflitos, e em definir sua resolução final em unidade e governo legítimo. Uma mesma lógica de funcionamento preside, então, as formas políticas do Estado liberal-democrático: a de assegurar o nexo contínuo entre o indivíduo-cidadão e o Estado, através da organização constante do conflito e da negociação, da divisão e da unidade. Em outras palavras, permite-se o desenvolvimento do conflito social apenas na medida em que ocorra sob as formas políticas ( *35 vide nota de rodapé ) de representação que asseguram a não permanência e a não universalidade do conflito. Desde esta perspectiva nada mais coerente que afirmar que os Direitos Humanos, entendidos em sua acepção limitada de direitos do indivíduo, não constituem por si só uma política ( *35 vide nota de rodapé ). Se dúvida, reivindica-se sua legitimidade emancipadora frente a um poder opressor e se reconhece sua eficácia em aglutinar e alimentar os impulsos antiautoritários que, desde baixo, maram alteridade e recusa às tentativas de reabsorção e controle da sociedade civil por parte do Estado. Entretanto, sustenta-se que isto não basta para abordar o problema propriamente político da organização de uma coletividade que, liberada da ameaça autoritária, enfrenta a tarefa de resolver, sob as regras do jogo democrático, uma multiplicidade de conceitos de interesses ( o qual supõe a negação pelo menos parcial da soberania individual ). Que os direitos individuais sejam uma exigência ética, uma garantia jurídica e uma condição de existência de um regime liberal-democrático não implica que eles se constituam na fonte e no fundamento da política ( *35 vide nota de rodapé ). Ao contrário, pretender que assim o seja, não só implica sucumbir à ilusão de que a partir do indivíduo se consiga remontar de forma imediata a sociedade, se pode absolutizar o antagonismo com o Estado e situar-se à margem da mediação das formas políticas ( *35 vide nota de rodapé ) de representação, como também precipita um efeito paradoxal: o fracasso inevitável da tentativa de fazer dos Direitos Humanos a chave do discurso político ( *35 vide nota de rodapé ) provoca, a curto e médio prazos, a decepção e a desativação da própria ideia de Direitos Humanos não têm, de fato, outra alternativa prática senão limitar-se a defender as liberdades formais individuais reconhecidas pelas democracias liberais. Alternativa esta que se impõe de todas as maneiras, seja quando se invoca o princípio da legalidade escrita ( *36 vide nota de rodapé ), próprio dos constitucionalismo liberal, ou quando são invocados princípios transcendentes morais ou religiosos, seja quando são adotadas posturas minimalistas ( sob a crença de que não há mais nada a esperar fora da preservação das garantias democráticas existentes ), ou quando são adotadas posturas maximalistas ( sob a crença de que o respeito incondicional dos direitos fundamentais da pessoa, com suas reivindicações embutidas de liberdade e igualdade, leva a uma crítica suscetível de transformar radicalmente, a ordem estabelecida das democracias liberais ).     


P.S.:


Notas de rodapé:


* As violações aos Direitos Humanos que sustentaram a Doutrina de Segurança Nacional são melhor detalhadas em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-as-viola%C3%A7%C3%B5es-que-sustentaram-a-doutrina-de-seguran%C3%A7a-nacional .


*2 O que é a Doutrina de Segurança Nacional e seu impacto sobre os Direitos Humanos são melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-conviv%C3%AAncia-com-a-doutrina-de-seguran%C3%A7a-nacional .


*3 O que é o crime de tortura é melhor explicado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-23 . 


*4 O que é a limitação do poder estatal sobre o status libertatis do indivíduo é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-82 .


*5 O que são as penas inaplicáveis como a pena de morte e banimento, é melhor explicado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-70 .


*6 O direito ao desenvolvimento nacional é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-8 .


*7 O direito à vida é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .


*8 Os crimes contra a humanidade, em especial o de genocídio são melhor detalhados em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-67 .


*9 O direito ao trabalho é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-48 .


*10 O direito de livre associação é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-53 .


*11 O direito à presunção de inocência é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-77 .


*12 O direito à liberdade de manifestação do pensamento é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-24 .


*13 O direito à liberdade de culto é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-34 .


*14 A teoria geral dos direitos humanos é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .


*15 O princípio da igualdade é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-16 .


*16 O direito à intimidade e à vida privada é melhor detalhado em


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-44 .


*17 O direito à inviolabilidade do domicílio é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-43 .


*18 O direito à propriedade é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .


*19 O fenômeno da exploração de uma maioria por uma minoria é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-explora%C3%A7%C3%A3o-de-uma-minoria-sobre-a-grande-maioria-do-povo .


*20 A violência o campo é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-quest%C3%A3o-agr%C3%A1ria-e-a-justa-distribui%C3%A7%C3%A3o-de-propriedades-rurais .


*21 O direito a um meio ambiente equilibrado é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .


*22 O direito à saúde pública é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .


*23 O direito das crianças e adolescentes à proteção integral é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .


*24 O direito ao acesso à justiça é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-85 .


*25 O direito à dignidade humana é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .


*26 A liberdade de informação e livre divulgação dos fatos é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-49 .


*27 O mito de que defensores de Direitos Humanos são defensores de bandidos, são melhor desfeitos em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-seguran%C3%A7a-p%C3%BAblica-a-criminalidade-e-as-viola%C3%A7%C3%B5es


*28 A lei dos crimes hediondos é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-68 .


*29 O direito de reunião é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-52 .


*30 A exploração pelo jornalismo policial radiofônico contra os Direitos Humanos é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-jornalismo-policial-radiof%C3%B4nico-e-a-explora%C3%A7%C3%A3o-das-viola%C3%A7%C3%B5es .


*31 As regras mínimas para tratamento de reclusos são melhor detalhadas em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-74 .


*32 A politização dos Direitos Humanos no Cone Sul é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-politiza%C3%A7%C3%A3o-dos-dh-na-redemocratiza%C3%A7%C3%A3o-do-cone-sul-1 .


*33 Para uma crítica aos pressupostos e ás condições do modelo clássico de ação política ( denominado por alguns autores de "Paradigma do Príncipe" ), ver o interessante trabalho de Angel Flisfisch: "Hacia un realismo político distinto", in Punto de Vista, número Vinte e quatro, Buenos Aires, Mil novecentos e oitenta e cinco.


*34 A respeito dste tópico, segue-se o esquema de análise desenvolvida por Claus Offe, "The Separation of Form an Content in Liber Democracy", in Contradictions of the Welfare State, The Massachussets Institute of Technologi Press, Mil novecentos e oitenta e quatro.


*35 A impossibilidade de fazer política a partir dos DH é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-impossibilidade-de-fazer-pol%C3%ADtica-a-partir-dos-dh .


*36 O princípio da legalidade é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-19 .


Referência


Santos Júnior, Belisário; Plastino, Carlos Alberto; Junqueira, Eliane Botelho; Rodrigues, José Augusto de Souza; Gómez, José Maria; Barbosa, Marco Antonio Rodrigues. Direitos humanos - um debate necessário. Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Editora Brasiliense. Mil novecentos e oitenta e oito. Páginas Oitenta e nove a Noventa e quatro.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-os-desafios-dos-defensores-de-dh-na-pol%C3%ADtica-liberal-democr%C3%A1tica-1

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