terça-feira, 27 de julho de 2021

Direitos Humanos: Podem os DH inspirar uma ação política?

O enigma da politização


Podem os Direitos Humanos inspirar uma ação política ( *33 vide nota de rodapé ) sustentada no marco do Estado de Direito e da democracia representativa? É óbvio que esta pergunta, quando se tem por referentes históricos os processos de transição e consolidação democráticas no Cone Sul, não veicula apenas nem primordialmente um problema de natureza teórica e alcance universal ( *32 vide nota de rodapé ). Ela, sobretudo, revela a existência de problemas de ordem prática, levantados por atores concretos ( basicamente, os governos constitucionais, os organismos de Direitos Humanos e as Forças Armadas ), que interagem conflitivamente e que estão interessados na busca de respostas particulares. Com efeito, não alguma novidade que nos países em referência ( Cone Sul ) os interesses práticos dos movimentos de Direitos Humanos e das Forças Armadas fazem com que ambos, por motivos estratégicos opostos, procurem uma resposta positiva ao interrogante. Os primeiros, com a finalidade de dar continuidade à ação de defesa e promoção de direitos, surgida anos atrás como forma privilegiada de luta contra o terrorismo de Estado ( *4 vide nota de rodapé ) dos regimes militares e que enfrenta, na atualidade, sérias dificuldades e dilemas em razão da volta da democracia representativa e do fim das violações por razões políticas. Os segundos, para evitar através da denúncia dos Direitos Humanos como nova bandeira ideológica do "inimigo subversivo derrotado", que mitos de seus membros sejam responsabilizados pelos crimes cometidos sob as ditaduras, e para impedir que seja modificado o papel tradicional da instituição de "fiador e árbitro supremo" do sistema político. Já o interesse dos governos constitucionais aponta, ao contrário, para um tipo de resposta negativa que lhes permita resolver e atenuar, da maneira mais rápida possível, um conflito com alto potencial desestabilizador para as ainda frágeis democracias políticas emergentes.


Uma análise mais detalhada destas respostas particulares revela, no entanto, um curioso paradoxo: aquelas posições que se interessam em afirmar a possibilidade de fazer política ( *33 vide nota de rodapé ) a partir dos Direitos Humanos terminam, de uma forma ou de outra, negando em seu próprio discurso. Por outro lado, as posições que a negam também não deixam, ao mesmo tempo, de reconhecer a sua existência. As Forças Armadas e os demais adeptos do autoritarismo recente se limitam a denunciar o "uso ideológico" dos Direitos Humanos pelo "inimigo marxista", não sem antes sustentar a aceitação de tais direitos como valores morais universais e normas jurídicas independentes da política e justificar a excepcionalidade do "estado de guerra interna" que os obrigou durante os governos passados a suspender provisoriamente sua vigência e respeito ( *34 vide nota de rodapé ). Os movimentos de Direitos Humanos, não obstante a clara consciência de terem feito e desejarem continuar fazendo política ( *33 vide nota de rodapé ), sabem que uma condição da eficácia social de sua ação reivindicativa consiste no fato de ser percebida, no plano interno e internacional, como uma crítica à política em nome da moral e do direito. Por último, os governos constitucionais se esforçam por despolitizar ao máximo o antagonismo manifesto entre do dois atores anteriores, através de uma estratégia de denegação política que pretende enquadrar a problemática dos Direitos Humanos no marco estrito da justiça e / ou do juízo moral, mas encarregando-se, ao mesmo tempo, de expçlicitar o caráter e as implicações políticas dos conflito, quando advertem que a estabilidade institucional corre graves riscos.


A constatação deste paradoxo nas atitudes e comportamentos dos principais atores envolvidos não ostra senão a necessidade de empreender um trabalho de interrogação mais detalhado acerca das relações entre Direitos Humanos, política e democracia. Até porque a maioria das interpretações acadêmicas, da mesma forma que os discursos social e político predominantes, se valem deste e de outros paradoxos para chegar à conclusão de que é impossível fazer política a partir dos Direitos Humanos no marco da democracia representativa ( *35 vide nota de rodapé ).   


P.S.:


Notas de rodapé:


* As violações aos Direitos Humanos que sustentaram a Doutrina de Segurança Nacional são melhor detalhadas em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-as-viola%C3%A7%C3%B5es-que-sustentaram-a-doutrina-de-seguran%C3%A7a-nacional .


*2 O que é a Doutrina de Segurança Nacional e seu impacto sobre os Direitos Humanos são melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-conviv%C3%AAncia-com-a-doutrina-de-seguran%C3%A7a-nacional .


*3 O que é o crime de tortura é melhor explicado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-23 . 


*4 O que é a limitação do poder estatal sobre o status libertatis do indivíduo é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-82 .


*5 O que são as penas inaplicáveis como a pena de morte e banimento, é melhor explicado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-70 .


*6 O direito ao desenvolvimento nacional é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-8 .


*7 O direito à vida é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-12 .


*8 Os crimes contra a humanidade, em especial o de genocídio são melhor detalhados em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-67 .


*9 O direito ao trabalho é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-48 .


*10 O direito de livre associação é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-53 .


*11 O direito à presunção de inocência é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-77 .


*12 O direito à liberdade de manifestação do pensamento é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-24 .


*13 O direito à liberdade de culto é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-34 .


*14 A teoria geral dos direitos humanos é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .


*15 O princípio da igualdade é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-16 .


*16 O direito à intimidade e à vida privada é melhor detalhado em


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-44 .


*17 O direito à inviolabilidade do domicílio é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-43 .


*18 O direito à propriedade é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-54 .


*19 O fenômeno da exploração de uma maioria por uma minoria é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-explora%C3%A7%C3%A3o-de-uma-minoria-sobre-a-grande-maioria-do-povo .


*20 A violência o campo é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-quest%C3%A3o-agr%C3%A1ria-e-a-justa-distribui%C3%A7%C3%A3o-de-propriedades-rurais .


*21 O direito a um meio ambiente equilibrado é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .


*22 O direito à saúde pública é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .


*23 O direito das crianças e adolescentes à proteção integral é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .


*24 O direito ao acesso à justiça é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-85 .


*25 O direito à dignidade humana é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-teoria-geral .


*26 A liberdade de informação e livre divulgação dos fatos é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-49 .


*27 O mito de que defensores de Direitos Humanos são defensores de bandidos, são melhor desfeitos em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-seguran%C3%A7a-p%C3%BAblica-a-criminalidade-e-as-viola%C3%A7%C3%B5es


*28 A lei dos crimes hediondos é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-68 .


*29 O direito de reunião é melhor detalhado em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-52 .


*30 A exploração pelo jornalismo policial radiofônico contra os Direitos Humanos é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-o-jornalismo-policial-radiof%C3%B4nico-e-a-explora%C3%A7%C3%A3o-das-viola%C3%A7%C3%B5es .


*31 As regras mínimas para tratamento de reclusos são melhor detalhadas em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-doutrinas-e-jurisprud%C3%AAncias-74 .


*32 A rigor, a pergunta sobre a possibilidade de uma política de direitos humanos foi levantada pela revista francesa Esprit, dando lugar a um interessante debate intelectual. Com relação à singularidade, às dimensões abordadas e aos desdobramentos deste debate, ver os números especiais da revista Esprit, de março de Mil novecentos e oitenta ( "Droit et Politique" ) e março de Mil novecentos e oitenta e três ( "Droit et Politique" ) e março de Mil novecentos e Oitenta e três ( "Droit et Societé" ); Claude Lefort, op. cit.; marcel Gauchet, "Les Droits de l'Homme ne sont pas une Politique", in Le Débat, julho-agosto, Mil novecentos e oitenta; Michel Villey: Le Droit et les Droits de l'Homme, Paris, Presses Universitaires de France, Mil novecentos e oitenta e três; Luc Ferry et Alain Renault: Philosophie Politique, Volume Três, Paris, Presses Universitaires de France, Mil novecentos e oitenta e cinco. Ver igualmente numerosos artigos da Revue Française de Théorie Juridique, número Dois, Paris, Mil novecentos e oitenta e cinco, de Les Études Philosophiques, número Dois, Paris, Mil novecentos e oitenta e seis.


*33 A politização dos Direitos Humanos no Cone Sul é melhor detalhada em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-a-politiza%C3%A7%C3%A3o-dos-dh-na-redemocratiza%C3%A7%C3%A3o-do-cone-sul-1 .


*34 Ver Manuel Antonio Garretón: "Tensiones entre derechos humanos en los nuevos regímenes autoritarios de América Latina", Comunicação apresentada no Décimo-segundo Congresso Mundial de IPSA, Rio de Janeiro, em Mil novecentos e oitenta e dois.


*35 Trata-se, de fato, de uma conclusão generalizada que, curiosamente, não deriva de análises teóricas ou empíricas centradas na categoria de direitos humanos. Aliás, a produção das Ciências Sociais latino-americanas a este respeito é quase inexistente. A título de exceção, ver Waldo Ansaldi ( organizador ): La Ética de la Democracia. Buenos Aires, CLASCO, Mil novecentos e oitenta e seis; Hugo Villlela ( organizador ): Los Derechos Humanos como Política. Buenos Aires. Ediciones La Aurora. Mil novecentos e oitenta e cinco; e certamente, o presente texto.


Referência


Santos Júnior, Belisário; Plastino, Carlos Alberto; Junqueira, Eliane Botelho; Rodrigues, José Augusto de Souza; Gómez, José Maria; Barbosa, Marco Antonio Rodrigues. Direitos humanos - um debate necessário. Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Editora Brasiliense. Mil novecentos e oitenta e oito. Páginas Oitenta e três a Oitenta e cinco.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-podem-os-dh-inspirar-uma-a%C3%A7%C3%A3o-pol%C3%ADtica-1 .

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