quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Direitos Humanos: hierarquia legal versus constitucional

De Mil novecentos e oitenta e oito a Dois mil e oito, O Supremo Tribunal Federal ( STF ) decidiu a favor da tese de que os tratados de Direitos Humanos ( DH ) teriam a mesma hierarquia dos demais tratados, considerados equivalentes á lei ordinária federal. Desprezou-se, então, o disposto no Artigo quinto, Parágrafo Segundo da Constituição Federal de Mil novecentos e oitenta e oito ( CF - 88 ), que, de acordo com esse posicionamento, não teria o poder de alterar a hierarquia equivalente á lei ordinária federal dos tratados internacionais como um todo, uma vez que não seria possível uma alteração da CF - 88 feita por um tratado de DH posterior. A ementa do Acórdão no Habeas Corpus número Setenta e dois mil cento e trinta e um, julgado em Mil novecentos e noventa e cinco, leading case do tema do tema á época não deixa dúvida: "Com efeito, é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico tão somente com força de lei ordinária ( ... ), não se lhes aplicando, quando tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente à CF - 88, o disposto no Artigo Quinto, Parágrafo Segundo, pela singela razão de que não se admite emenda constitucional ( EC ) realizada por meio de ratificação de tratado" ( Habeas Corpus número Setenta e dois mil cento e trinta e um, voto do relator para o Acórdão Ministro Moreira Alves, Plenário, julgado em Vinte e três de novembro de Mil novecentos e noventa e cinco, Plenário, Diário da Justiça de Primeiro de agosto de Dois mil e três ).


Assim, mesmo os tratados de DH teriam estatuto normativo equivalente á lei ordinária federal. O caso da prisão civil do depositário infiel é exemplar. Essa prisão foi expressamente proibida pela Convenção Americana de DH ( CADH ) ( * vide nota de rodapé ), que, em seu Artigo Sétimo, Inciso Sétimo, veda a prisão civil com exceção da decorrente de obrigação alimentar. Ainda na década de Noventa do Século Vinte, o STF decidiu que a CADH teria estatuto de lei ordinária federal e, logo, deveria ser subordinada ao texto constitucional brasileiro, que, em seu Artigo Quinto, Inciso Quarenta e sete, menciona, além da prisão civil decorrente do inadimplemento de obrigação alimentar, a hipótese da prisão civil do depositário infiel.


Para reforçar tal visão, o STF comparou a CF - 88 com a Constituição argentina, a qual, depois da reforma de Mil novecentos e noventa e quatro, consagrou expressamente a hierarquia constitucional dos tratados de DH. Para a Corte Suprema brasileira, a  diferença entre as duas Constituições demonstrava que, quando o constituinte almeja estabelecer um "status" normativo diferenciado aos tratados de DH, ele assim o faz expressamente.


Tal entendimento do STF, todavia, sempre possui ferozes críticos. Em primeiro lugar, houve quem defendesse o estatuto supraconstitucional dos tratados internacionais de DH ( *2 vide nota de rodapé ), com base na necessidade de cumprimento dos tratados, mesmo se contrariassem a CF - 88. Para outra parte da doutrina, o Artigo Quinto, Parágrafo Segundo, asseguraria a hierarquia de normas constitucionais aos tratados de DH ratificados pelo Brasil, pois sua redação ( "Os direitos e garantias expressos nesta CF - 88 não excluem outros decorrentes... dos tratados internacionais..." ) gera cláusula de abertura que forneceria aos direitos previstos nos tratados de DH a almejada estatura constitucional ( *3 vide nota de rodapé ).


Para conciliar a visão majoritária do STF de estatura equivalente a mera lei ordinária federal com a visão doutrinária de natureza constitucional dos tratados de DH, o então Ministro Sepúlveda Pertence em Dois mil ( tratados de DH ficariam acima das leis e abaixo da CF - 88 ) não logrou inicialmente apoio no STF até a aposentadoria do Ministro ( Recurso de Habeas Corpus número Setenta e nove mil setecentos e oitenta e cinco, relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em Vinte e nove de maço de Dois mil, Plenário, Diário da Justiça de Vinte e dois de novembro de Dois mil e dois ).


Assim sendo, até a edição da Emenda Constitucional ( EC ) número Quarenta e cinco / Dois mil e quatro havia intenso debate doutrinário sobre posição hierárquica dos tratados internacionais de DH, especialmente em virtude do disposto no Artigo Quinto, Parágrafo Segundo, da CF - 88.


Tal caos sobre a hierarquia normativa dos trtados de DH pode ser resumido em quatro posições de maior repercussão:


1) natureza supraconstitucional, em face de sua origem internacional;

2) natureza constitucional ( forte apoio doutrinário );

3) natureza equiparada á lei ordinária federal ( majoritária no STF, de Mil novecentos e e oitenta e oito a Dois mil e oito );

4) natureza supralegal ( acima da lei e inferior à CF - 88, voto solitário do Ministro Sepúlveda Pertence, no Recurso de Habeas Corpus número Setenta e nove mil setecentos e oitenta e cinco / Rio de Janeiro ).


Apesar da diversidade de posições, o posicionamento do STF até Dois mil e oito foi o seguinte: o tratado de DH possuía hierarquia equivalente á lei ordinária federal, como todos os demais tratados incorporados. 


P.S.:


Notas de rodapé:


* A Convenção Americana de Direitos Humanos é melhor detalhada em: https://claudiomarcioaraujodagama.blogspot.com/2022/10/direitos-humanos-convencao-americana.html .


*2 Mello, Celso A. O Parágrafo Segundo do Artigo Quinto da CF - 88. In: Torres, Ricardo Lobo. Teoria dos direitos fundamentais. Segunda edição. Rio de Janeiro : Renovar, Dois mil e um, Páginas Um a Trinta e três, em especial Página Vinte e cinco.


Cançado Trindade, A. A. A interação entre direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos, Arquivos do Ministério da Justiça, número Cento e oitenta e dois, do ano de Mil novecentos e noventa e três, Páginas Vinte e sete a Cinquenta e quatro.


Mais em:


https://administradores.com.br/artigos/direitos-humanos-hierarquia-legal-versus-constitucional .  

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